quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

De governos, esmolas e impressões populares

Existe um país que paga, todos os meses, um certo valor para famílias que possuam filhos crianças. Paga não apenas para cidadãos nascidos no país, como também para estrangeiros que ali fixaram residência. Trata-se de um país capitalista, organizado como Estado federal, governado há alguns anos por uma mulher linha dura, que não figuraria em nenhum catálogo de beleza (se isto importasse). Tal mulher enfrenta forte queda em sua popularidade no segundo mandato, devido ao desempenho econômico de seu país bem abaixo do esperado, o que levou seu partido a sofrer graves perdas nas eleições estaduais. Ela traz no seu passado ligações com organizações socialistas e com movimentos sociais que se opunham ao poder governamental opressivo que conheceu em sua juventude, embora hoje não possa ser, de modo algum, considerada de esquerda1.

Terninho vermelho: mera coincidência
Sim, eu me refiro à Alemanha. País de primeiríssimo mundo, quarta maior economia segundo o Banco Mundial (2014)2, nação industrializada, onde se situam algumas das universidades mais antigas e respeitadas do mundo, líder em diversos campos do desenvolvimento científico e tecnológico3, com um povo altamente instruído, preocupadíssimo com o meio ambiente e, tanto quanto é possível generalizar, honesto. Um país densamente povoado, com o quinto melhor índice de desenvolvimento humano (IDH) do mundo em 2013, que oferece a seus cidadãos elevados padrão de vida e nível de segurança social e que disponibiliza "o segundo maior orçamento anual de ajudas ao desenvolvimento no mundo"4. Um país que gosta de receber estudantes do mundo inteiro para usufruir da excelência de suas instituições educacionais.

Os invejáveis índices de educação e de qualidade de vida da Alemanha, após duas guerras mundiais que lhe devastaram a economia e o território, não foram obtidos graças a uma busca desenfreada por desenvolvimento exclusivamente econômico, muito menos virando as costas para as necessidades imediatas dos seres humanos. Os educados alemães sabem que es ist muss beibringen zu fischen, sondern manchmal notwendig ist, um die Fische zu geben (traduzir isto é meu irônico desafio) e talvez por isso não lhes seja de praxe cultivar ódios de classe, como se vê em outras nações.

Família beneficiária do Kindergeld, no sítio oficial. Como no Brasil,
a publicidade institucional também prefere arianos.
Voltamos, assim, ao que muitos brasileiros chamariam de "bolsa esmola", uma provável estratégia de Angela Merkel para se reeleger. Trata-se de uma política social chamada Kindergeld, literalmente "dinheiro da criança" (habitualmente traduzido como "abono da família"), cujo sítio oficial é este: http://www.kindergeld.org/

Como talvez o seu alemão esteja arranhado, extraí do sítio acima algumas informações, para lhe dar um panorama do que esse benefício é. Trata-se de um valor pago às famílias como forma de assegurar as necessidades básicas das crianças. Mas por "crianças" entenda alemãezinhos de até 18 anos (podendo chegar a 27, se estiver fazendo curso superior ou profissionalizante, ou ainda em caso de insuficiência de renda). A partir de 1º.1.2016, o valor será de no mínimo 190 euros, podendo chegar a 221 euros se houver 4 ou mais filhos.

O classe média típico talvez se impressione de saber que, já em 2007, existiam na Alemanha cerca de 154 políticas públicas de auxílio à formação e à manutenção das famílias5, tais como o Elterngeld, pagamento de 67% da renda líquida do alemão que se licencie do emprego para cuidar do filho, em casa. E também tem a garantia do emprego, quando deseje retornar.

Outra medida, instituída em 2013, foi o Betreuungsgeld, subsídio de até 150 euros mensais pagos a famílias que tenham crianças até 3 anos. A finalidade é estimular que alguém da família fique em casa cuidando da criança (promovendo educação em tempo integral). Assim, não haverá necessidade de disputar uma vaga no concorrido sistema de berçários e pré-escolas6. Acerca deste benefício específico, vale a pena conferir a postagem de um blog que nos oferece uma aguda crise à mentalidade de classe média, lá e cá, que vale a pena ler: http://tudodebonn.blogspot.com.br/2012/11/betreuungsgeldkindergeld-quem-paga-por.html.

Tenho observado que o que separa o Estado brasileiro de outros que supostamente são admirados aqui é uma glorificação dos aspectos mais crueis do capitalismo. Nos países ditos de primeiro mundo, convictamente capitalistas, existem políticas sólidas de assistência social, de amparo aos mais pobres, que são recebidas pelas populações desses países como algo bom e útil. Aqui, muito ao contrário, há sempre a ridicularização e a acusação de má-fé, basicamente no sentido de que tais políticas criarão uma legião de vagabundos pendurados no Estado. Passados todos estes anos, foi mesmo isso que aconteceu?

Gostaria de saber o que pensam os críticos dessas políticas. Caso se manifestem, não se esqueçam do quanto são deslumbrados pela Europa.

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1 Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Angela_Merkel
2 Cf. http://economia.terra.com.br/pib-mundial/
3 Procure se informar sobre o Instituto Fraunhofer, p. ex. Para começo de conversa: http://super.abril.com.br/ciencia/instituto-fraunhofer-ciencia-medida-440905.shtml. Se seu alemão estiver em dia: http://www.fraunhofer.de/en.html
4 Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Alemanha
5 A informação comparece em http://www.dw.com/pt/como-o-estado-alem%C3%A3o-ap%C3%B3ia-as-fam%C3%ADlias/a-2370133 
6 Cf. http://www.betreuungsgeld-aktuell.de/

Um comentário:

daniel scortegagna disse...

muito bom!