quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Dos pequenos saberes que podem ser importantes

Já mencionei meu professor de direito penal umas tantas vezes aqui no blog e, claro, sempre manifesto minha gratidão por tudo que aprendi com o grande Hugo Rocha. Não poderia ser diferente, afinal fui seu monitor, então tive a oportunidade de aprender um pouco mais do que o repassado em sala de aula. Além disso, se me tornei professor da mesma disciplina, parece muito natural que eu tenha umas tantas lembranças.

Hugo Rocha, conosco, era um preciosista. Queria que as coisas fossem certinhas, no modo como são ditas, no modo como são escritas. Adivinhem? Eu me tornei um preciosista. Logo na primeira aula, informo sobre como serei chato com o uso estritamente adequado dos termos técnicos. Mas não cobro como ele fazia. Deixo as coisas mais livres e sempre me pergunto se estou certo, pecando por omissão, talvez. Afinal, aprendi em sala de aula um sem número de coisas tão simples, porém tão certas, que acredito que todo estudante de direito deveria saber também. Mas não sabem.

Segue uma pequena lista dos detalhes que aprendi em minhas aulas regulares de direito penal.

1 Que na redação legislativa usamos números ordinais até o nono e cardinais a partir do décimo: "artigo 1º" (e não "artigo um"), "§ 9º" (e não "parágrafo nove"), "artigo dez" (e não "artigo décimo").

Anos mais tarde, a Lei Complementar n. 95, de 26.2.1998, veio a tornar lei o que antes eram rotinas. Trata-se de uma lei das mais ignoradas que existem e, para minha fúria, o próprio governo federal deixou de observá-la e redige as leis de modo totalmente desconforme. Fica aqui a minha recomendação: conheça e aplique a LC 95!

2 Que a primeira parte de um artigo, a qual contém as normas mais importantes, chamam-se caput (pronuncia-se "cáput") e dá vergonha alheia quando um aluno não sabe do que se trata. Os artigos se dividem em incisos (em geral para fins de listagens ou normas mais diretas) ou em parágrafos (que normalmente apresentam um conteúdo mais autônomo). Os parágrafos também se dividem em incisos, se for o caso. As alíneas são divisões dos incisos.

3 Os incisos são sempre indicados por algarismos romanos (e, portanto, estão em maiúsculas) e as alíneas são representadas por letras minúsculas, na sequência do alfabeto. Eventualmente, as alíneas podem se dividir em itens ou figuras.

4 Que o símbolo do parágrafo representa duas letras S e significa "signus sectionis", ou seja, sinal de separação. De acordo com o Dicionário Houaiss, trata-se da pequena secção de um discurso ou de um capítulo, notadamente de um artigo de lei ou regulamento, usado para expressar essa sua condição de incompletude.

5 Que os parágrafos devem ser grafados, obrigatoriamente, por seu símbolo, quando indicados numericamente: "§ 1º" e não "parágrafo 1º" nem "parágrafo primeiro". Por outro lado, o parágrafo único sempre deve ser grafado por extenso e nunca "§ único", admitindo-se a abreviatura ("p.u.").

6 Que, em latim, o "t" antes de "i" tem som de "s", de modo que imputatio se pronuncia "imputácio" e notitia, "notícia". Chama a minha atenção como os alunos frequentemente não aprendem por observação: eles até veem o professor dizer certas coisas, mas não as incorporam. De repente me lembrei do dia em que estava explicando um trabalho e usei o vocábulo "improfícuo". Notei uma colega anotar a palavra em seu caderno (e por isso me recordo da palavra até hoje). Ela certamente consultou o dicionário e aprendeu. Essa é a atitude que esperamos.

Essas regras tão singelas ficaram marcadas em minha mente a ponto de jamais terem sido esquecidas. E elas não foram nada senão informações secundárias em meio a aulas de rotina. Por isso devemos valorizar a curiosidade e a vontade de aprender. Não apenas o prato do dia, mas inclusive o modo como o prato é servido. Creio que esta seja uma dica que valha a pena anotar.

Um comentário:

Sabrina Damasceno disse...

"devemos valorizar a curiosidade e a vontade de aprender. Não apenas o prato do dia, mas inclusive o modo como o prato é servido".
Suas palavras sempre me impulsionando a alcançar minhas metas! Neste momento estou estudando e a fadiga ja vinha me tomando, mas felizmente acabo de receber uma injeção de ânimo de um dos melhores professores que ja conheci, so lamento não ter sido sua aluna. Agradeço as palavras lidas aqui, boa noite, professor!