segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Fachada

É grande a quantidade de celebridades (odeio essa modinha) que já tiveram problemas legais por beber e dirigir. Nos Estados Unidos, onde a legislação é firme e as autoridades, no geral, sérias, a palhaçada rende suspensão da habilitação e cadeia. Que o digam atores como Nick Nolte, Mel Gibson, Kiefer Sutherland, Lindsay Lohan e umas patricinhas inúteis milionárias. E tem também Robert Downey Jr., preso mais de uma vez por posse de drogas.
Já aqui, na terra do oba-oba, onde se considera impossível diversão sem bebida e onde as pessoas são muito conscientes de seus direitos, o próprio Superior Tribunal de Justiça decidiu esvaziar o Código de Trânsito, exigindo para confirmação do crime do art. 306 daquele código provas difíceis de produzir. E se avoluma a lista dos famosos que se recusaram a fazer a dosagem de alcoolemia. Neste final de semana, o sorteado foi Luciano Huck.
Contudo, Huck vive de sua fama de bom moço, pacato cidadão, difusor dos melhores valores, etc. Uma nódoa dessas não poderia passar sem consequências, por isso o rapaz se apressou a fazer um mea culpa público, através de seu perfil no Facebook. Mas o pequeno provocador que habita em mim não gostou muito do discurso e resolveu descascá-lo um pouco.
Lendo-se o texto, percebe-se que o apresentador se empenha em minimizar o ocorrido: diz ter tomado apenas "um copo de vinho" (quase nada; você também faz isso). Para dissipar a imagem de festeiro, destaca que jantou "em casa" (sempre o bom marido e pai de família) e que "antes de dormir" (não sou de farra) decidiu "dar um abraço" (não ir a uma festa) em alguém, mas apenas por se tratar de um amigo celebrando uma idade especial e porque o clube ficava a meros 800 metros de sua casa (portanto eu não ia dirigir quase nada e não haveria problema algum).
A retórica prossegue. Ele não se recusou a fazer o teste do bafômetro; apenas achou melhor não fazer, sem esclarecer em que sentido isso seria melhor. E como grande brasileiro que é, proclamou: "Valeu a lição". Um "reconheço que errei" seria mais digno.
E antes de encerrar, saiu elogiando os agentes públicos e desejando que as operações de fiscalização de trânsito sejam levadas para outros campos, todos por sinal muito justos, mas que no contexto podem funcionar como uma cortina de fumaça: lembrar que outras pessoas cometem outros tipos de infração ajuda a disfarçar o meu erro (e crime) de agora. Mas a verdade é que se as pessoas param sobre a faixa de pedestre, e isso é péssimo, isso não muda o fato de que eu bebi e dirigi e de que isto é muito pior. Pode provocar um acidente grave.
O que me irrita é a falta de honestidade das pessoas, mesmo quando a situação é clara e devidamente comprovada. Eu, numa dessas (se bebesse, claro, mas sou totalmente abstêmio), diria isto: Fui parado numa blitz e me recusei a fazer o teste do bafômetro, porque havia tomado uma taça de vinho. Reconheço que cometi um erro e, por isso, peço desculpas ao meu público e, em especial, às pessoas que sofreram perdas devido ao consumo de álcool na direção. Comprometo-me a utilizar o meu programa para estimular a direção consciente. Se for beber, não faça como eu fiz: não dirija.
Resta saber se há fabricantes de bebida entre os patrocinadores do programa.

4 comentários:

Anônimo disse...

Então o raciocínio é mais ou menos o seguinte.
Quando os tribunais superiores decidiram que roubo com arma de brinquedo não se enquadra como grave ameaça ou violência, todos os intelectuais de direitos humanos e penalistas soltaram foguetes pelo avanço do entendimento jurisprudencial. Ainda que se tenha esvaziado o crime que comumente vemos pelas ruas (roubo com arma de brinquedo), isso ocorre pois os pobres coitados que, por falta de opções e blá blá blá, não tinham condições nem de comprar uma arma de verdade pra meter uma azeitona na testa de um pai de família parado no sinal para redistribuir renda da pior maneira possível.
Agora quando os mesmos tribunais decidiram esvaziar as mudanças no código de trânsito, já que enquadra "gente bacana" a sociedade apóia os bacanas que dirigem doidões e os penalistas vem dizer que o tribunal contribui para essas situações. Dois pesos e duas medidas mesmo, mas dessa parte por parte da cadeira de penal e não da sociedade, tendo em vista a grande aceitação da sociedade pelas medidas restritivas de dirigir alcoolizado, mas parece que nunca é o suficiente quando envolve crimes com pessoas de maior poder aquisitivo, assim como você diz que não parece o suficiente o tempo de cadeia para os meliantes excluídos.

Anna disse...

Professor, as aulas de metodologia do mestrado estáo dando show no tópico "Análise do Discurso", hein? :)

Yúdice Andrade disse...

Das 9h55, você dá a entender que já leu outras análises minhas sobre matéria criminal. Mas, pelo visto, não as entendeu muito bem. Já estou acostumado com isso: os críticos sempre estão prontos a deformar o argumento. Como não ando com muita paciência, tentarei ser sintético:

1. Sim, existem dois pesos e duas medidas na ponderação sobre respostas penais aos criminosos. É uma contradição de toda a sociedade, particularmente daqueles que, como você, estão sempre espumando pela boca em busca de punições exemplares.

2. Sou contrário a essa falta de coerência e sempre destaco a questão nas minhas aulas de Penal I, a fim de que os alunos percebam a irracionalidade do discurso.

3. Ando particularmente cansado dessa bobagem de transformar tudo - e particularmente a discussão sobre questões criminais - em uma guerra entre classes sociais. Isso emburrece. Particularmente, sou contra o uso desmesurado do Direito Penal para ricos e pobres. No caso do trânsito, especificamente, eu ficaria mais feliz se os crimes desaparecessem e, em seu lugar, fossem aplicadas medidas administrativas sérias. Dirigiu embriagado? Suspensão imediata da habilitação. Devolução condicionada a cursos (sérios, como hoje não existem) de reciclagem. Embriagado provocou acidente? Cassação sumária da carteira. Reabilitação após certo tempo, mediante processo de primeira habilitação. Além de multas pesadas. Nada de crime, porque o processo penal é cheio dos seus lari-laris.

4. A propósito, sou favorável à ideia de que o motorista deveria ser obrigado a se submeter ao bafômetro. Para isso funcionar, a penalidade teria que ser administrativa, não penal.

Melhorou?

***

Anna, sempre gostei de analisar discursos e, muito antes do mestrado, já procurava fazer umas leituras descompromissadas a respeito. Gosto de semiótica. No mestrado não nos dedicamos a isso, mas acredito que os meus 13 anos de convivência com alunos foi um grande aprendizado!

Anônimo disse...

Sobre o assunto, acho que vale a pena ler a carta que o Rafinha Bastos mandou para o Hulk.

O que me surpreende é a empáfia desse hipócrita que distribui casinhas e carrinhos aos necessitados, sempre com aquele olhar compungido de quem está sofrendo.

Devia fazer como a Angélica : VOU DE TÁXI!!!!!!!

Kenneth Fleming