quinta-feira, 28 de março de 2013

Algo está mudando no Brasil

Algo está mudando no Brasil e não são os fenômenos de americanização da sociedade revelados pelo crescente gosto por carros do tipo utilitário ou a crescente dificuldade de contratar empregados domésticos por serem caros demais para o orçamento familiar. Refiro-me ao imbróglio Marco Feliciano, um deputado federal (PSC-SP) do qual eu jamais ouvira e que, da noite para o dia, tornou-se a figura mais comentada da República  infelizmente, não por bons motivos, como de hábito.


O movimento a que me refiro começou, acredito, com pessoas postando imagens no Facebook apresentando-se como famílias homossexuais e dizendo que o tal Feliciano não os representava, embora tecnicamente ele seja um representante do povo, ao menos do povo de São Paulo, que é chegado a eleger uma porcaria. Não tardou a que artistas começassem a levantar a mesma bandeira, o que é positivo, porque a imagem deles é agregadora.


Para mim, no entanto, maior valor tem a mobilização dos cidadãos comuns, anônimos. Afinal, em tempos de Internet, costumamos dizer que o brasileiro médio fica indignado com certas coisas, mas é uma indignação de cara para o computador ou para a TV, sentadinho no sofá, de preferência em ambiente refrigerado. Desta vez, a coisa tomou proporções maiores. As pessoas começaram a ir às ruas. Os próprios evangélicos se preocuparam em desvincular da imagem do controverso pastor.


Mas depois, como não poderia deixar de ser neste país, o protesto descambou para o escracho. O que é bom, porque acaba sendo mais um fator de mobilização. Se essa é a linguagem do povo, vamos aonde o povo está.


Pessoas comuns começaram uma espécie de disputa em torno do modo mais criativo de participar da campanha. Um recurso comum foi o uso dos animais de estimação.


As manifestações de cunho lúdico-religioso foram inevitáveis e bastante oportunas.

Os temas palpitantes do momento, no país, tornaram-se mais um mote para dar o recado, sempre com bom humor.


Os memes atualmente mais famosos da rede mundial também vieram participar. No caso do Mussum, com a vantagem adicionar de ser um negro contestando as atrocidades ditas pelo malsinado político.


Até a maior de todas as autoridades deixou claro o seu posicionamento. No final, a conclusão verdadeira:


Com efeito, Marco Feliciano representa uma minoria quantitativa, que nada tem a ver com o conceito político de minoria. Esta se define pela carência de acesso aos bens da vida, aos serviços públicos e, em especial, ao poder decisório em qualquer dos seus níveis. Evidentemente, esse grupo corresponde à esmagadora maioria da população, praticamente a totalidade dos cidadãos.


Feliciano, paulista de Orlândia atualmente com 40 anos, é pastor evangélico da Assembleia de Deus. Destaco, para evitar melindres, que ele pertence a um segmento chamado Catedral do Avivamento. Tem feito carreira escrevendo livros, que vende junto com DVD. Seu ramo seria, claro, religião e autoajuda. Além de "pastor e escritor", não consegui identificar uma profissão para o rapaz. Cumpre o seu primeiro mandato como deputado federal e responde a dois processos perante o Supremo Tribunal Federal (por causa do foro privilegiado), um deles por racismo e o outro, por estelionato.


É filiado ao Partido Social Cristão, legenda oficializada em 1990. Com slogan "O ser humano em primeiro lugar", em seu sítio oficial a agremiação se apresenta como "consequência natural da ousadia de brasileiros" empenhados na restauração da democracia brasileira, após décadas de ditadura militar. Merece destaque o fato de ser "sustentado na Doutrina Social Cristã", que eu não sei o que é; "inspirado nos valores e propósitos do Cristianismo", o que pode ser um problema num Estado laico, ainda mais quando a informação é dada assim, genericamente, passível de ser interpretada segundo a conveniência de qualquer um; "em busca de uma sociedade justa, solidária e fraterna". Como se vê, o PSC está na mídia mostrando a sua capacidade de cumprir as missões que se impôs. Mas veja o que diz o site:


O Cristianismo, mais do que uma religião, representa para o PSC um estado de espírito que não segrega, não exclui nem discrimina. Aceita a todos, independentemente de credo, cor, raça, ideologia, sexo, condição social, política, econômica ou financeira.
O PSC foi criado para ser um partido diferente no cenário político brasileiro, que procura de maneira altiva novos rumos para a nacionalidade, defendendo a conservação do meio ambiente, o desenvolvimento sustentável, o bem-estar dos idosos e aposentados, a segurança no trânsito e os níveis estáveis de emprego, visando sempre proporcionar à população mais saúde, conforto e dignidade.

Se fosse uma questão de coerência, Feliciano deveria ser expulso do partido.


No final das contas, ele foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal por causa dos conchavos mais espúrios, que têm garantido há décadas a tal da governabilidade. Isso não vai mudar à toa. Por isso, chamou a minha atenção uma reação popular tão furiosa, com passeatas em diversas cidades do país, forçando a politicalha a abandonar sua habitual cara de paisagem, forçando a responder e até encostar o indigitado na parede, ainda que sem sucesso por enquanto. O próprio partido tentou tirá-lo do cargo mas, ante sua reação extrema ("só saio daqui morto"), decidiu apoiá-lo e usufruir das benesses. Se é que haverá alguma, já que a CDH simplesmente não funciona mais.


No mínimo, a mobilização social constrangeu a Câmara e paralisou uma comissão técnica, da qual depende a tramitação de diversos projetos de lei. O processo legislativo está comprometido e uma solução terá que ser alcançada. Não dá mais para fingir que o problema não existe.

É, algo está mudando no Brasil. Mas preciso lembrar que Feliciano ainda não caiu. Seria muito importante que caísse logo para que, resolvido este problema, os brasileiros aproveitassem a mobilização e começassem a cobrar a cabeça dos outros representantes do povo que também merecem ir para as profundezas do inferno. E já.

8 comentários:

Anônimo disse...

Essa mobilização é um progresso mas, mesmo isso, ainda existem mais mobilizaçãos que deveriam ter sido feitas. Isso porque o Feliciano não é o único que tem um forma de pensamento incompatível com a comissão que preside. O Blario Maggi, maior plantador de soja do mundo, é presidente da comissão de meio ambiente; e o Genoino e o João Paulo Cunha tão na comissão de constituição e justiça. Também deveriam ter protestos contra eles, mas parece que a população esqueceu deles.

Ana Miranda disse...

Yúdice, você sabe que eu sou sua fã há anos, né?!

Jamais esquecerei do apoio jurídico que você prestou-me quando eu estava escrevendo meu livro!!!

Adorei esse seu texto e compartilhei, viu?!

Yúdice Andrade disse...

Na verdade, das 13h34, escrevi sobre este caso do Feliciano porque ele, para mim, é um sintoma. Diante de provocações semelhantes à sua, eu me pergunto: por que somente o caso Feliciano provocou reações tão furiosas? As pessoas se enfureceram com o retorno de Renan Calheiros à presidência do Senado, mas não se compara nem de longe com o que estamos vendo agora.
Sintomas, meu caro. Sintomas.
O brasileiro continua permissivo com a corrupção, com a bandalheira, com os danos ambientais. Mas se sente pessoalmente atingido quando mexem com a sua intimidade. Se Feliciano fosse um corrupto de marca maior, já teriam se esquecido dele. Mas ele decidiu ser racista e homofóbico, então está pagando o preço dos ódios nacionais. E o cidadão comum não se dá conta disso. Trata-se de uma característica arraigada no imaginário nacional. Pense: quando foi que o Supremo Tribunal Federal realizou uma audiência pública pela primeira vez na sua história, para auxiliar no julgamento de uma causa? Foi na ADPF 54, sobre o abortamento de fetos anencéfalos. Abortamento. Religião. Mas nas causas que envolvem tributação, p. ex., que são do interesse mais direto e imediato de um número maior de brasileiros, não há audiência pública. E ninguém se queixa.
Sintomas, meu caro. Sintomas.

Agradeço pelo tanto que me festejas o tempo todo, Ana. Ainda quero ver esse livro numa vitrine. Vou comprar um exemplar e levá-lo a Juiz de Fora, para pegar um autógrafo.

Anônimo disse...

Mas a cabeça desse Deus tá bem sugestiva, ein amigo?


Fred

Yúdice Andrade disse...

Ahahahahahah! É o traço do cartunista Carlos Ruas, Fred, que criou o site www.umsabadoqualquer.com, por sinal muito bacana. Vale a pena conferir.

Anônimo disse...

A foto do Caua Reymond é um fake. Observe a diferença pelos dedos.

Yúdice Andrade disse...

Pode ser, das 20h55. Mas a imagem foi meramente exemplificativa, apenas para representar que alguns artistas participaram do movimento. Se não o Cauã Raymond, outros o fizeram. Grato pela ponderação.

Daniel. disse...

Parabéns, excelente post.