quarta-feira, 27 de março de 2013

Direitos humanos em São Paulo

Por Carlos Lungarzo, em 25.3.2013
(com comentários meus)


O que você acharia se soubesse que a Câmara de Vereadores de Munique entregaria uma condecoração ao setor local da Gestapo (Polícia de Estado na Alemanha Nazista) por ter perseguido o movimento A Rosa Branca, que tentou, bravamente, acabar com o governo de Hitler?
Pensaríamos que é brincadeira da mídia ou que a crise europeia é total e estamos na beira de uma nova Guerra Mundial.
Pois acabo de ler na internet algo estritamente paralelo. A diferença é que acontece no Brasil, e que, por enquanto, parece ter produzido espanto em poucas pessoas, todas elas militantes de esquerda. Vejam:
A Câmara de São Paulo aprovou a concessão da Salva de Prata — homenagem da Casa cedida em sessão solene pelos relevantes serviços prestados a sociedade – ao batalhão das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota).
O Projeto de Decreto Legislativo 02-00006/2013, de autoria do vereador Coronel Telhada (PSDB), justifica a homenagem, dentre outras coisas, pelas “campanhas de guerra”, como os feitos da companhia chamada Boinas Negras que atuou durante a ditadura militar perseguindo guerrilheiros da esquerda como Carlos Lamarca e Carlos Marighella.
Na justificativa, Telhada diz que a Rota se destacou no que a Polícia Militar chama de campanha do Vale do Rio Ribeira do Iguape, em 1970, “para sufocar a guerrilha rural instituída por Carlos Lamarca”.
O texto de Telhada aprovado pelos vereadores, retirado do portal da PM, também conta a história da origem dos Boinas Negras.
A sessão em que será feita a homenagem ainda não tem data marcada.
Há porém um erro nessa nota, e é que a proposta ainda foi aprovada até este momento e há possibilidade de impedi-la se a cidadania atuar com um mínimo de espírito civilizado.
Se na América Latina o respeito pelos direitos humanos (que já eram obrigatórios em alguns países há mais de 200 anos) ainda não se praticam, no caso do estado de São Paulo, incluindo sua capital, isto é ainda mais alarmante. Não preciso lembrar novamente todas as atrocidades que devemos esse governo, à maioria parlamentar e, especialmente, ao tribunal, deste estado que representa uma das grandes estrelas do ressurgimento do fascismo pela via eleitoral: um santuário para os masoquistas doentes do Opus Dei, os assassinos de Pinheirinho, e os psicopatas que reproduzem contra os estudantes uma repressão vesânica [além de uma elite que considera natural impedir uma obra pública, para evitar que "gente diferenciada" pouse de metrô em seus bairros nobilíssimos, usando dentre outros argumentos a preocupação com o provável aumento da criminalidade porque, afinal, pobre é bandido; em represália, essa elite entrou em contato com o gabinete do Min. Joaquim Barbosa, para exigir o imediato julgamento do processo do "mensalão" (o petista, claro), já que o governo do PT é o culpado pela distribuição de renda que alavancou a arrogância da gentalha, de querer comprar carro, andar de avião, etc. Vale lembrar, ainda, que  São Paulo é o grande responsável pelo surgimento da "PEC do calote", que permitiu às unidades federativas brasileiras postergar, mediante parcelamento em até 15 anos, dívidas relacionadas a precatórios, ou seja, direitos indiscutíveis porque reconhecidos por sentenças transitadas em julgado. Isso que é noção de cidadania.].
A Rota é apenas um instrumento da polícia estadual, umas das maiores do mundo. Segundo o censo de 2010, SP têm um policial por cada 340 habitantes (vide), enquanto a média ideal aconselhada pelos organismos internacionais de segurança é de 1 cada 1000 habitantes. Essa saturação da polícia se faz sentir em suas campanhas de extermínio de negros, pobres, e quaisquer outros que a sociedade previamente marginalizou para depois assassinar [com efeito, por ser o Estado mais rico da Federação, sempre foi largamente afetado por migrações internas, gente pobre em busca de oportunidades, e isso costuma provocar xenofobia iracunda entre os autóctones que não veem como semelhantes ninguém além dos laços de parentesco até o terceiro grau.].
Mas a Rota é também um símbolo, como o é o Bope no Rio, daquele setor policial que é uma verdadeira máquina de extermínio e que serve às políticas das elites brasileiras de reduzir a sua mínima expressão aqueles setores que, exatamente nos mesmos termos que o fascismo utilizava em 1938, elas acham que não têm direito de existir [os brasileiros invisíveis ou os "ninguéns" a que se refere famoso poema de Eduardo Galeano, transcrito na apresentação do Manual de Direito Penal de Eugenio Raúl Zaffaroni].
Agora, uma homenagem à sua colaboração com a ditadura e com o extermínio de setores que pretendiam voltar à democracia, é um absurdo! É uma grave provocação!
Não podemos dizer que a culpa é só dos grupos fascistoides e confessionais que estão aninhados nos poderes públicos. O silêncio das organizações de direitos humanos e, sobretudo, a falta de coragem dos organismos oficiais dessa área são os principais fatores que permitem essas aberrações.
Só para ter uma ideia, na Suécia, qualquer político que faça propaganda do nazismo poderia ser alvo imediato de impeachment, e, eventualmente, julgado criminalmente. Desde que existe essa lei (há 60 anos) ninguém ainda tentou fazer uma homenagem desse tipo. Mas no estado de São Paulo…
Fonte: http://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/colunistas/absurdo-uma-homenagem-aos-exterminadores-de-estado/

3 comentários:

Anônimo disse...

O problema é que, nessa situação, os dois lados estão errados. Do mesmo jeito que o Rota não deve ser homenageado por ter dado sustentação a ditadura, os guerrilheiros do Lamarca também não devem ser considerados heróis. Isto porque nenhum dos 28 grupos guerrilheiros que atuaram contra a ditadura tinham como objetivo restaurar a democracia, mas sim instaurar uma outra ditadura, comunista e comandada por eles. Eles não eram contra ditaduras, o que seria o correto, mas sim contra ditaduras em que eles não fosse os ditadores. Tanto a polícia da época quanto os guerrilheiros não devem ser homenageados. Os dois não merecem.

Yúdice Andrade disse...

Das 11h21, o seu discurso está bem afinado com a história oficial contada pelos militares. Parece que você só se lembrou de ler a versão deles.

Anônimo disse...

Não é correta essa avaliação sobre mim, tanto que disse que "os dois não merecem". Se fosse a favor, diria que o Rota merece a homenagem. E não é uma questão de afinidade com "versão oficial"; é simplesmente um fato histórico que nenhum grupo guerrilheiro lutava pela democracia. O Lamarca, por exemplo, citado na notícia, era assumidamente leninista. Uma simples pesquisa na Internet mostra isso sobre ele e sobre qualquer outro grupo. Não entendo a colocação de que só me lembro da "versão deles" porque isso é um fato incontroverso. Nesse aspecto, não existe divergência histórica, como há, por exemplo, em relação a intenção do Jango de implantar uma ditadura comunista, que foi a justificativa do golpe (eu, pessoalmente, não acho que ele tinha isso em mente). Quem realmente lutou pela democracia foram os politicos da oposição, cujo maior figura era o Ulisses Guimarães; esses são os que realmente devem ser homenageados. Eu repudio qualquer tipo de ditadura, independentemente da ideologia que estiver por trás. Todo movimento que busca implantar uma ditadura deve ser rejeitado, sejam os que alcançaram esse objetivo (os militares), sejam os que não conseguiram (os guerrilheiros). Democracia é o único regime que merece apoio.