quinta-feira, 7 de março de 2013

Pequeno retrato do Brasil

Muitos anos atrás, escutei uma piadinha sobre um suposto encontro de cúpula dos governos da América do Sul. A certa altura, o representante brasileiro teria provocado o boliviano perguntando por que diabos a Bolívia possuiria um Ministério da Marinha se o país não tem saída para o mar. A resposta: "E por que o Brasil tem um Ministério da Justiça?"

Nunca acreditei na veracidade dessa anedota que, como tal, cumpre a função de causar reações com base no inesperado, no absurdo, na inversão lógica. Acima de tudo, ela demonstra um sintoma do que é o Brasil, país que insiste em testar a nossa capacidade de acreditar no que está diante dos nossos olhos.

Acabamos de ter mais uma demonstração dessa natureza torta. Na manhã de hoje, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados elegeu o seu novo presidente, que vem a ser um pastor evangélico acusado, por razões bastante concretas, de racismo e homofobia, práticas obviamente atentatórias aos direitos humanos e interesses de minorias sociais. Não é um simples paradoxo, é um oxímoro. O Brasil é o país dos oxímoros.

A reportagem cujo link indiquei acima demonstra outros clichês tipicamente brasileiros: a eleição do dito cujo já era dada como certa, sendo resultado de costuras entre os partidos políticos, sem foco no interesse público; os partidos de esquerda tentaram impedir a eleição do malfeitor, mas malograram; a presidência da Câmara agiu com autoritarismo injustificado, cerceando o direito de expressão dos opositores e colocando a portas fechadas um ato que deveria ser presidida pela maior publicidade; movimentos sociais foram tratados como marginais.

Não faltou o cinismo, tão inerente à classe política nacional, em média. O presidente do PSC, partido que ficou com a vaga, soltou esta idiotice: "O fato dele defender determinadas bandeiras não significa que ele vai trabalhar de forma tendenciosa à frente da comissão" (sic). Não significaria, não fossem as práticas tão arraigadas na política brasileira, particularmente as ações públicas e notórias da bancada evangélica. A pérola foi corroborada pela declaração do próprio deputado Marco Feliciano: “Se tem alguém que entende o que é direito das minorias e que já sofreu na pele o preconceito e a perseguição é o PSC, o cristianismo foi a religião que mais sofreu até hoje na Terra” (sic).

Put a keep are you. Não há nem como discutir uma afirmação histriônica dessas. Não há o que dizer. Além disso, Feliciano está em posição de ser sacana em suas declarações. Acabou de dar uma rasteira colossal no bom senso, no interesse público, nos direitos humanos e saiu por cima de tudo e de todos. Não surpreende que ainda por cima cuspa na nossa cara, com ampla aceitação de boa parcela de seus pares.

Cai o pano que encerra este ato. Aguarde o próximo, que pode ser ainda hoje. Porque nestas terras abaixo do Equador a sacanagem nunca termina.

2 comentários:

Anônimo disse...

Oximoro não tem acento, é uma palavra de origem grega. A pronúncia oficial recomendada pelos dicionários é a de paroxítona e com timbre aberto na sílaba tônica (/mó/).

Yúdice Andrade disse...

Aprecio a sua erudição, das 8h09 (é sempre você que vem me dar aulas de Língua Portuguesa ou esta foi a primeira vez?), mas até onde sei as duas formas são admitidas. Em alguns casos, o verbete aparece "oxímoro ou oximoro". E como eu tenho uma afeição especial por proparoxítonas, é assim que pronuncio e é assim que vai ficar.
Se você me indicar alguma fonte na qual eu possa constatar que a versão proparoxítona é inadmissível, errada mesmo, aí eu faço a mudança. Até lá, ficamos com o acento agudo e sua bem mais bela pronúncia.