A assertiva acima, que já defendi aqui no blog mais de uma vez, foi escrita por Denis Russo Burgiermann, diretor de redação da revista SuperInteressante, que em agosto comemorou 26 anos de existência com uma edição especial de capa dourada (em vez do indefectível vermelho), sob o tema "111 ideias que valem ouro" e o sub-título "Tudo que precisa mudar urgentemente no mundo para a vida fazer mais sentido".
No Brasil, a imagem da Polícia Militar está associada à brutalidade |
- As ações policiais passam a sensação de que a PM está contra a população. O uso de gás lacrimogêneo, spray de pimenta, balas de borracha (inclusive na imprensa), armas não letais inclusive contra pessoas já imobilizadas e prisões arbitrárias, além de os agentes públicos mascarados e sem identificação, causaram susto nos manifestantes, em sua maioria da classe média. Mas esse tipo de abordagem é o padrão nas periferias, exceto porque, nas favelas, a bala não é de borracha. [Recordei-me de vídeos que vi, nos quais os manifestantes tentam convencer os policiais de que também eles são trabalhadores explorados e por isso poderiam ter mais empatia com os manifestantes.]
- Embora a polícia seja uma instituição fundamental para a democracia, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), 67% dos entrevistados afirmam que a polícia não trata a população com respeito e 63% consideram-na incompetente.
- O Brasil é um dos únicos países do mundo que dividem as polícias entre civil (de investigação criminal) e militar (de "preservação da ordem pública"), mas o melhor é que a instituição cuide de todo o ciclo do crime, da prevenção à investigação. No modelo atual, as duas corporações não se comunicam e frequentemente entram em conflito. Mesmo sem a unificação, um choque de gestão ajudaria muito.
Candelária: junho de 1993, 8 garotos entre 11 e 19 anos mortos, além de vários feridos, enquanto dormiam, durante ataque no qual policiais abriram fogo contra mais de 70 moradores de rua |
- A PM foi uma força auxiliar do Exército até 1964, quando o governo golpista lhe dotou da atribuição de fiscalizar as ruas, ou seja, é justamente ela que mantém maior contato com o povo. A Constituição de 1988 nada fez a esse respeito. A consequência é a presunção de que todos são inimigos, estimulando a violência contra a comunidade. Desmilitarizar não implica em abdicar da hierarquia, fardamento e força, inclusive armada. [A PM como instituição de policiamento cotidiano ostensivo possui um vício de origem, portanto, que dificilmente seria superado na mentalidade dos brasileiros. Mesmo nos Estados Unidos, país que os deslumbrados daqui adoram imitar, a polícia é unificada, fardada, organizada em níveis hierárquicos definidos por patentes militares, porém treinada com a perspectiva de serviço público. Vale lembrar as viaturas que têm, nas portas, a legenda "To protect and serve". Claro que lá há abusos; estou falando de concepção.]
- Falta fiscalização sobre o uso desproporcional da força. Denúncias de abusos são apuradas por ouvidorias, corregedorias e pelo Ministério Público, todos deixando muito a desejar. Mesmo a jurisdição criminal é feita em tribunais militares. Se houver notícia de troca de tiros, não são feitas perícias e as decisões são tomadas com base nos depoimentos dos próprios policiais, com o adendo de que em geral o MP endossa tudo.
- Estudos apontam que a esmagadora maioria do tempo a PM passa tratando de questões que não constituem a sua missão precípua, tais como brigas de vizinhos, pedidos de informação e auxílio a partos. No entanto, os policiais não são treinados para esse tipo de atendimento, o que acaba passando, à população, a imagem de mau atendimento. Em alguns lugares, a formação de um novo policial dura apenas três meses. [Sim, em apenas três meses o sujeito vai de treinamento zero a autoridade com arma na mão e salário incompatível. E adivinhe um Estado onde isso acontece! Acertou quem pensou no Pará-tucano.]
- Falta investimento em infraestrutura. Em muitas delegacias, os registros ainda são manuais, inviabilizando o uso de ferramentas de análise de dados. A tecnologia permitiria identificar padrões e conexões entre os crimes.
Agosto de 1993: policiais invadem a favela de Vigário Geral e executam sumariamente 21 moradores indefesos. Novamente, retaliação pela morte de colegas. |
As unidades de polícia pacificadora foram comemoradas como um grande passo para a humanização do trabalho da PM. Pode até ser. Mas não com as denúncias de abuso de autoridade, tortura e corrupção, como no caso da UPP Rocinha. As investigações estão em andamento e o desaparecimento do pedreiro Amarildo Souza se tornou um constrangedor mistério para a aplaudida (por muitos) área de segurança pública do Rio de Janeiro. Em suma, não estamos avançando de verdade.
Hoje, estou convencido de que a desmilitarização da polícia é uma necessidade urgente. Ninguém precisa ficar com medo de perder o seu emprego. Em um novo modelo, haveria a mesma necessidade de pessoal. Os atuais policiais militares seriam recolocados dentro da estrutura do serviço público. Estando os policiais todos em uma mesma carreira, esta sairia fortalecida para reivindicar, junto ao poder público, melhores condições salariais e de trabalho. Mecanismos de controle mais eficientes poderiam ser implantados.
Realmente acredito que todos sairiam ganhando. Exceto, é claro, quem se beneficia de uma estrutura cancerosa. Ou quem precisa dela para continuar dando vazão a seus instintos assassinos. E o pior é que, entre a população, não falta quem apoie esse tipo de pesadelo.
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