segunda-feira, 24 de junho de 2013

Medidas de exceção?

Ouvi, nos últimos dias, pessoas falando sobre o risco de os militares começarem a se assanhar por causa da onda de manifestações espalhada pelo país. Considerei a perspectiva exagerada, mas agora me deparo com preocupação semelhante, exarada pela Profa. Janaína Paschoal, que leciona direito penal na Universidade de São Paulo e, em sua fala, procura reforçar a liderança da USP em relação a tudo que acontece no país. Mas o alarmismo de Paschoal não está sendo compartilhado pelos próprios colegas.

Não sou cientista político nem tenho conhecimento sobre a dinâmica das instituições brasileiras que me permita uma análise razoável da conjuntura. Por ingenuidade ou ignorância, não estou preocupado com os militares. Até prova em contrário, não creio que seja o caso de pensar num levante, num golpe, em ameaça armada contra a democracia.

O mundo mudou bastante da década de 1960 para cá. Não podemos esquecer que o golpe de 1964 (golpe, não existe outro nome para o que aconteceu) somente foi vitorioso porque uma conjugação de fatores, nacionais e internacionais, garantiu o sucesso da empreitada. Naquela época, o mundo se debatia com a Guerra Fria, de modo que o alinhamento com os Estados Unidos contra a tal ameaça comunista era um discurso que fazia sentido. Hoje, o comunismo acabou e os americanos substituíram os comunistas pelos terroristas nas prioridades de combate. Já tendo eliminado Saddam Hussein e Osama Bin Laden, desarticulando a Al Qaeda, neste momento estão mais preocupados em se reerguer do desastre econômico iniciado em 2008.

Além disso, os líderes mundiais que mais se opunham aos Estados Unidos também estão partindo. Chávez morreu; o Irã acabou de eleger um novo presidente, de perfil mais conciliatório, e a Coreia do Norte é governada por um moleque que brinca de tentar assustar o mundo com supostas ameaças nucleares. Salvo Cuba, que não tem força para nada, o país declaradamente comunista (na verdade, capitalista de Estado) restante é a China, que interage numa boa com o Ocidente, se lhe for vantajoso.

Além disso, na década de 1960 boa parte da América Latina foi palco de ditaduras militares. Esses países todos se transformaram em democracias, ainda que tímidas, como é o caso do próprio Brasil, em que o sistema democrático funciona muito bem na forma, porém não em substância.

Outro suporte imprescindível que os golpistas brasileiros tiveram foi da classe média, mas hoje seria diferente. O que essa faixa da população quer é segurança, pessoal e patrimonial, mas duvido que esteja disposta a tolerar restrições pessoais. Não consigo ver um Brasil de Congresso Nacional fechado, de Supremo Tribunal Federal aparelhado, de habeas corpus suspenso, de censura oficialmente restabelecida.

Não acho, também, que desta vez a Igreja estenderia sua mão amiga às Forças Armadas, nem ela teria toda essa força, já que hoje divide o rebanho com diversos segmentos evangélicos e vê o aumento do número de ateus e agnósticos. Além disso, melhoraram os níveis de educação e de articulação entre os indivíduos. Controle da internet? No país em que as redes sociais crescem mais rapidamente? Fala sério.

Em suma, reafirmo a minha baixa capacidade de fazer este tipo de análise, porém manterei o meu ceticismo quanto ao risco de Forças Armadas, sucateadas e sem legitimidade social, tentarem assumir o comando. A instabilidade vai passar. O povo brasileiro está vivendo um momento de catarse, está extravasando, vivendo o sonho de se manifestar nas ruas. Mas uma hora vai perceber que a mudança tão perseguida é mais fácil de obter do que parece: basta votar melhor no próximo ano. Mas isso, claro, depende de haver opções disponíveis para o eleitorado.

Outra percepção a que precisam chegar é que, sem envolvimento com partidos políticos, gerando seus próprios representantes, os manifestantes não chegarão a lugar algum. Mas a coisa começa alucinadamente. O bom senso vem depois. ele virá.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Um pouco de sensatez

Enquanto os brasileiros insistem no erro, os ingleses mostram mais clareza e convicção. Reportagem do jornal "Guardian" elogia os brasileiros por estarem protestando contra os gastos excessivos com eventos esportivos, que classifica como "extravagância", enquanto naquele país o povo se manteve inerte.

O texto do jornalista Simon Jenkins tem um trecho contundente, que merece destaque, para responder a babacas notórios como Pelé e Ronaldo "Fenômeno": "Todo mundo sabe que o 'dilúvio de promessas' que as nações sede recebem sobre legado é uma bobagem". E exemplifica com o caso de Toronto, que teve gastos bilionários, "não fez nada pelos pobres e devastou a economia local por um ano".

É nisso que os deslumbrados brasileiros precisam pensar. Ficam falando nas maravilhas das mil e uma noites que a copa e as olimpíadas proporcionarão, mas será que proporcionarão, mesmo? Além de obras de infraestrutura, o que mais fica de um evento que dura só alguns dias?

Eventos esportivos são como a atividade de mineração: são extremamente lucrativas e alguém vai ganhar muito dinheiro. Mas não será você. Alguém de fora vai lucrar absurdamente, a partir de investimentos feitos com recursos públicos (BNDES, p. ex.), mas a população diretamente atingida vai ficar só com os buracos e demais danos ambientais e sociais.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Onda de retratações

Havia uma coisa em comum entre Geraldo Alckmin, governador do Estado de São Paulo, e Fernando Haddad, prefeito da capital paulista, e não eram as gravatas da cor de seus respectivos partidos. Eram os semblantes desgastados e constrangidos que exibiram ao anunciar, juntos, a redução do preço das passagens de ônibus naquela cidade, estopim da ebulição que agita o país há duas semanas.

Eles bateram o pé, soltaram seus argumentos, mas ao final e ao cabo recuaram, chamuscados perante seus eleitores e seus partidos. Se mais não houver de resultado prático de tudo quanto está acontecendo, ao menos este deleite merecemos: todos os que se locupletam de nosso país, de nosso povo, de nossas riquezas, ano após ano, estão baixando as cristas habitualmente arrogantes.

A Globo se retratou. Discretamente, mas mudou o tom. O surtado do Datena. O retardado do Ronaldo "Fenômeno" (do quê?). O detestável do Pelé. E outros, além dos políticos. Um após o outro, foram experimentando a insólita sensação de dever satisfações a terceiros, a estranhos, àqueles que costumam usar como massa de manobra. Deve ser um choque, para todos. E uma grata surpresa, para o cidadão comum, descobrir uma obviedade sempre lembrada, mas não praticada: a de que ele tem, sim, algum poder, alguma voz.

A redução das tarifas de transporte têm um custo? Lógico que tem. Afeta os próprios recursos públicos? Provavelmente. Porque capitalistas apresentarão suas faturas ao governo, claro. Essa gente nunca perde. Em São Paulo, estão calculando o montante dos subsídios, que custarão cortes em investimentos. Essa é a chantagem. Os tais subsídios são necessários? Talvez. Mas também se pode cortar do lucro dos empresários, dos impostos extorsivos, das verbas de propaganda, das torneiras jorrantes da corrupção, etc. Talvez nem fosse realmente necessário cortar investimentos. A questão passa a ser: quem, no final das contas, vai perder?

Mas dinheiro não é tudo. A sensação de que nada será como antes não tem preço. Oxalá não seja mera impressão. Oxalá ela crie raízes entre nós. Era hora de um pouco de civilização chegar por estas bandas.

Twitterítica XXX

Senhor, obrigado por me testar e permitir que eu desenvolva um pouco da arte da paciência. Amém.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Uma esmolinha útil

Está tramitando no Senado, sendo aprovado nas comissões técnicas, projeto de lei destinado a isentar o 13º salário do imposto de renda (PLS 266/2012). No estado em que se encontra, o projeto segue para a Comissão de Assuntos Econômicos, onde será apreciado de forma terminativa, ou seja, uma vez aprovado lá, não será necessária a submissão ao plenário, podendo seguir de imediato à Câmara dos Deputados.

Se virar lei, a medida não vai enriquecer ninguém, mas ao menos trará um bafejo de justiça tributária num país que extorque seus filhos sem pena, todo santo dia.

Idosos do Brasil

Dia desses, mencionei o aniversário de minha mãe e uma pessoa (de 68 anos) me perguntou quantos anos ela completaria. Quando informei 71, sua reação foi enfática: "Ah, mas ela é nova!" Achei curioso na hora porque, convenhamos, 71 não é pouco. Contudo, mais de uma pessoa manifestou a mesma opinião quanto à juventude de minha mãe (que não se considera nova). Os tempos são outros, a expectativa de vida aumentou, a maturidade produtiva e saudável dispõe de recursos para durar mais tempo e, além disso, há todo um esforço de respeito e valorização da turma da melhor idade. Ratifico tudo isso, mas daí a dizer que a pessoa é nova, parece haver uma longa distância.

Mas veja que interessante: o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) está propondo que o Estatuto do Idoso seja modificado, a fim de que o conceito legal de idoso passe a abranger pessoas a partir de 65 anos, por considerar os atuais 60 incondizentes com a realidade atual.

Acho a ideia boa, se a mudança da lei não implicar em restrições a direitos, e acho até que os adultos dessa faixa etária podem se sentir valorizados. Afinal, há questões emocionais intensas relacionadas ao tema do envelhecimento.

Este tema me faz recordar um dos maiores exemplos de cinismo deste país. Refiro-me à proposta de emenda constitucional destinada a subir, de 70 para 75 anos, a idade para aposentadoria compulsória no serviço público, ofensivamente apelidada de "PEC da bengala" (PEC 457/2005). Estagnada na Câmara dos Deputados há mais de três anos, é apoiada, p. ex., pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Por sinal, nos últimos meses, as aposentadorias dos ministros Cézar Peluso e Carlos Ayres Britto reacenderam a discussão, por se tratar de juristas com plena capacidade física e mental para o exercício de suas funções.

Enquanto no setor privado a aposentadoria vai-se tornando um sonho cada vez mais distante e improvável, no público há um discurso canalha, que apela à necessidade de "oxigenar" os tribunais. Falo tribunais porque, na verdade, ninguém está preocupado com o serviço público em si. Aqueles que lutam pela manutenção do status quo não estão nem aí se a tia que serve o cafezinho deve ou não ir para casa descansar. Cuida-se de uma medida focada em classes privilegiadas, cujas bem remuneradas carreiras se organizam em regras de promoção e, claro, todos os membros da classe querem chegar ao topo.

Quando escuto esses caras defendendo argumentos supostamente honoráveis para se justificar, tenho vontade de vomitar. Queria perguntar se eles realmente acham que enganam alguém. Eles é que precisam ser oxigenados. Defender reserva de mercado não é resguardar o interesse público.

Para ficar no âmbito dos tribunais, deixo apenas esta provocação: você acha que o STF está melhor com a juventude do Dias Toffoli do que estaria com a experiência do Ayres Britto?

Pense nisso.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Deu no New York Times


Rá! A despeito do pouco caso habitual da imprensa nacional com a nossa cidade, fomos nominalmente citados pelo New York Times em matéria intitulada "Milhares se reúnem para protestar nas maiores cidades brasileiras".

Sim, eu me recordo que não gosto desses ufanismos bobos, mas acho que vale a pena sentir orgulho de sermos a capital onde não houve confusão durante a manifestação. O criminalista Salo de Carvalho, autor do Antiblog de Criminologia (dentre outros feitos), noticiou em seu perfil no Facebook, ontem, que a Polícia Militar disparou balas de borracha contra a população que caminhava ordeiramente. Isso foi lá. Aqui, os organizadores da passeata conclamaram o cumprimento do acordo com as autoridades e repeliram com veemência as tentativas de partidarização.

Honestamente, emociona-me ver algo assim acontecendo e, particularmente, os próprios manifestantes dando parabéns à Polícia Militar pela forma como se conduziu. O povo e a polícia, antagonistas tradicionais neste país, dando mostras de civilidade e cooperação. E as pessoas em casa, nos prédios, aplaudindo a passagem do povaréu. Isso dá esperança, sabe?

Foto de Antônio Cícero / Estadão Conteúdo (obtida na web)

Para quem ainda se pergunta, alguns com boa dose de desdém, sobre o que era o protesto, afinal de contas (muita gente está considerando tolice protestar contra o BRT justamente agora que as obras foram retomadas, em habitual falta de conhecimento do mundo ao redor), o protesto era sobre... a pauta que você quisesse. Oficialmente, criticava-se a situação do BRT e se pedia passe livre nos transportes públicos. Mas de um modo geral, por todo o país, o tema transversal mais visível é a indignação contra os desmandos. O povo está protestando contra os péssimos serviços públicos, contra a carência de infraestrutura, contra a corrupção, contra a copa do mundo, contra Belo Monte, contra o oportunismo político (daí a rejeição expressa a manifestações partidárias), etc.

Sua escola está sem aula? Vá para a rua. Sua rua está esburacada? Vá para a rua. Os impostos são elevados demais? Vá para a rua. O vizinho bateu na esposa e a polícia não ajudou? Vá para a rua. E por aí vai. A meu ver, é justamente isso que torna essa onda nacional tão fascinante: ela ser tão difusa quanto aos objetivos e tão convicta quanto à motivação. Ela é, portanto, acima de tudo, uma demonstração radical às autoridades: estamos cansados.

Foto: Gil Sóter / G1 PA (obtida na web)

É provável que ainda demore um pouco para o povo descobrir o que fazer com a irresignação. Aprender cidadania e espírito democrático não é simples. Leva tempo e exige esforços, mas a maior parte de nossa história nos levou para o lado exposto. Por isso, estamos sendo alfabetizados. À medida que o nível educacional do povo cresce, a paciência diminui. Esse é o caminho.

Há um futuro, portanto.

sábado, 15 de junho de 2013

Perfil do mal

Juro que nunca me passou pela cabeça que um desgracento como esse aí ao lado pudesse ter um perfil no Facebook. Afinal, com seu telhado de vidro, um perfil numa rede social é uma porta aberta para ataques, embora ele seja faixa preta e Ph.D em fazer cara de paisagem e ignorar solenemente qualquer crítica ou problema. Nem Freud, Jung e Lacan juntos conseguiriam descrever tamanho transtorno de conduta.

A iniciativa de engolir um pouco do meu asco e colocar essa careta em meu próprio blog foi para destacar a descrição que o indigitado se deu, e que persiste na página até hoje.

Ele é "Prefeito de Belém na empresa Prefeitura Municipal". O Facebook inventa tanta coisa, mas não expande as suas opções. Imagine chamar de "empresa" para um órgão público e, ainda por cima, para o Poder Executivo de uma unidade federativa. Mas a característica seguinte é culpa do próprio fulano: "Estudou na instituição de ensino Senado Federal"! O Senado não é uma instituição de ensino, obviamente. Se bem que lá se aprende muita coisa, embora provavelmente nada que merecesse ser dito abertamente. E o rapaz aí não é do tipo que aprende, mas que ensina!

E veja que o sujeito tem 1.334 seguidores! Fiquei até assustado de saber que ele tem 6 amigos em comum comigo. Temendo por essas pessoas, percebi que duas delas são jornalistas e blogueiras, que pelo teor de suas postagens não são partidárias do cara. Menos mal.

O Facebook acha que eu quero ver o que esse aí compartilha com os amigos e me sugeriu que eu lhe enviasse um pedido de amizade. Não, obrigado. Sequer tenho essa curiosidade. A única curiosidade que possuo é saber por qual lugar do mundo anda essa pessoa. Assim que souber, informarei o oficial de justiça da 4ª Vara Federal de Belém.

Anote aí

De acordo com a Prefeitura de Belém e com a empresa Andrade Gutierrez, o prazo final para a entrega da primeira fase do BRT, totalmente pronta, é dezembro de 2013. Como não foi informado dia, pensemos em 31.12.2013.

31.12.2013. Está anotado. Dia 1º de janeiro voltaremos a falar sobre isso. Ou antes?

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Mais ou menos do mesmo jeito

Em meados de 2008, o tempo fechou para a então governadora do Pará, Ana Júlia Carepa. Motivo: 32 bebês haviam morrido na UTI neonatal Santa Casa de Misericórdia, num espaço de dias. Houve quem responsabilizasse a governadora quase como se ela houvesse asfixiado os bebês com as próprias mãos, mesmo com todas as explicações dadas na época.

Se você quiser saber que explicações eram essas, basta ler esta reportagem aqui. Ela não é de 2008 nem tem relação com Ana Júlia. Ela é de hoje e se refere ao falecimento de 25 bebês, na mesmíssima UTI, num período de apenas 13 dias. Em plena era tucana reloaded, no terceiro ano da gestão Jatene, que a esta altura não pode recorrer ao argumento conveniente da herança maldita, como todos fazem.

Deixo claro, contudo, que não sou leviano a ponto de responsabilizar o hospital por essas mortes. Pelo contrário, quando se deu o escândalo anterior, defendi o hospital e seus profissionais, que se dedicam aguerridamente por aquelas crianças, frequentemente lutando contra carências infraestruturais. Até externei minha gratidão pessoal pelo apoio que as dedicadas profissionais do banco de leite deram a minha esposa, acometida por uma forte mastite nos primeiros meses de nossa filha Júlia.

Considero plausível e nada cínica a explicação sobre o conjunto de fatores apresentados pelo hospital, embora causa perplexidade o número de mortes em tão breve intervalo. Isso precisa ser esclarecido com muito cuidado a toda a população, sendo do maior interesse não apenas da clientela da Santa Casa, mas de qualquer maternidade, já que eventuais explicações poderiam indicar cenários passíveis de repetição em outros locais.

Resta saber se, em tempos tucanos, a exploração midiática do caso e sua repercussão no imaginário geral serão equivalentes aos de cinco anos atrás. Precisamos agir com responsabilidade, todos e sempre.

Quente praca

Dia dos namorados em meio a um mundo de trabalhos por cumprir e ao cansaço decorrente. Mas achei justo que nos permitíssemos uma hora de folga, a bem da própria sanidade mental. Saímos do trabalho para um jantarzinho rápido. Obviamente, fugi dos restaurantes mais badalados e centrais, porque seria impossível conseguir uma vaga. Com efeito, passamos na frente de alguns e o negócio estava feio. Honestamente, não consigo entender como alguém passe horas à espera de uma mesa e ache que isso pode ser uma noite feliz.

Indo a um restaurante bacana, porém fora de circuito e do centro da cidade, encontramos lugar sem nenhuma dificuldade. A despeito de terem esquecido de comandar o nosso pedido, até que não demorou. Enquanto esperávamos, notei que alguns garçons estavam com a camisa para fora das calças, totalmente desarrumados. Mas esse é o tipo de coisa que noto, porém não me importo. Também não me importei quando o rapaz que nos atendia deixou os talheres caírem à minha frente.

O que eu não esperava era que, ao nos servir, ele soltasse uma exclamação mais para si mesmo, porém perfeitamente audível: "Está quente pra caralho!"

Eu e Polyana nos entreolhamos e tivemos que rir. De fato, o prato chegou quente praca, fumegante. Mas eu também não me importei com o deslize do atrapalhado, porém simpático e atencioso garçom. O que importa é que o paladar estava ótimo. Mas creio que outros clientes talvez não fossem assim tão desencanados.

Educação no Pará

Enquanto a afiliada da Rede Globo destas bandas não se cansa de elogiar os governos tucanos, a matriz sempre teve uma opinião diferente. E desvelou a dita cuja, mais uma vez, no jornalístico Bom Dia Brasil de ontem. A reportagem escrita contém um link para o vídeo respectivo. Os problemas são muitos e não me darei ao trabalho de listá-los, porque você provavelmente os conhece. Afinal, são os mesmos do ano passado, do retrasado, do anterior e assim por diante. Ou melhor, retrospectivamente.

Em anos pretéritos, a propaganda tucana — única atividade em que são ótimos — usava o slogan "É Pará, isso!". Pois bem, é Pará isso de estar sempre na última ou, com sorte, penúltima posição no ranking da educação nacional. Uma vergonha descarada, ainda mais por se tratar do único setor que pode transformar de verdade uma nação.

Mas como aprendi ainda na adolescência, povo transformado é tudo o que os maus políticos não querem.

Inesperada figura

No congestionamento que se forma todas as manhãs na confluência das avenidas Almirante Barroso e Júlio César, um personagem inesperado tem sido notado, e elogiado, por quem passa pelo local.

Trata-se de um agente de trânsito. Isto mesmo, um agente de trânsito. Em vez de ficar fiscalizando o tempo, como diz um amigo, ou aguardando a oportunidade de multar alguém, ele vai para o asfalto e realmente orienta o tráfego. Organiza as filas de veículos que vêm pela Júlio César e cria condições para que convertam à Almirante Barroso em segurança, mesmo com o sinal fechado. Com isso, o tráfego flui mais rapidamente.

Nosso agradecimentos a esse prestimoso servidor público, que decidiu fazer algo inesperado: trabalhar corretamente, no interesse de todos.

Será?

Com um atraso de pelo menos um mês em relação ao anunciado, supostamente as obras do BRT devem ser retomadas ainda hoje. Isto porque, nesta manhã, o prefeito de Belém, aquele que não é mágico, finalmente assinou a ordem de serviço. E o fez, claro, no canteiro de obras do Entroncamento, na presença da blague, de operários e da imprensa. Sobretudo da imprensa.

Segundo consta, a primeira meta é concluir os elevados do Entroncamento. Mesmo que as pistas exclusivas do BRT não sejam abertas ao tráfego, a liberação dos elevados daria um grande alento para quem precisa passar por aquela área da cidade que, justamente por causa dessas obras, promoveu uma série de interdições, na medida em que a rotatória foi obstruída.

Deus ajude. Mas só acredito vendo.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Hands free ou não

A tecnologia de comunicação via Bluetooth permitiu o surgimento de dispositivo que, acoplado junto ao ouvido humano, permitia o uso do celular sem o uso constante das mãos. Começava a era hands free, extremamente importante para a indústria automobilística, já que hoje as pessoas são física e mentalmente dependentes do celular, mas é proibido o seu uso durante a condução de veículos.

Abstraindo-se a breguice daquele aparelho enfiado na orelha (que muita gente ostentava com orgulho, conversando ostensivamente pela rua), foi um avanço em termos de segurança no trânsito. Depois a tecnologia melhorou e, hoje, populariza-se o uso do viva-voz pelo sistema de áudio do automóvel. Uma comodidade que eu, particularmente, acho ótima, porque teclas no próprio volante me permitem atender e desligar, sem desviar a atenção da direção (embora permaneça o problema de originar a chamada).

Pensávamos que era seguro voltar para a água, mas eis que um estudo realizado pela Universidade de Utah, por encomenda da American Automobile Association, veio jogar muita água fria sobre nossas cabeças. Segundo a pesquisa, a tecnologia hands free não apenas não resolve o problema como o agrava!

Embora eu seja muito permeável a argumentações científicas, recebo a notícia com reserva. Até segunda ordem, penso que a distração provocada pelo aparato de comunicação se tornará perigosa na medida em que as pessoas sejam tolas, alheias às necessidades de segurança — o que, reconheço, infelizmente é o mais comum. Ainda acredito que um mínimo de bom senso pode tornar essa tecnologia nossa aliada. Não dá para ficar namorando telas de sistemas multimídias com o pé no acelerador. Mas um bom usuário pode dirigir com muito segurança e eficiência, ancorado nesse valioso suporte.

Num 12 de junho qualquer

Não me queira mal, caríssimo leitor solteiro, por repercutir a maldade do Kibeloco aqui neste blog. É que sou chegado num amor negro, apenas isso. Em meu favor, informo que já estive nessa condição por tempo bastante para odiar o dia dos namorados. Portanto, eu realmente entendo a situação.

Já é muito ruim você não ter aquela pessoal especial para tornar sua vida mais doce. Ter que aturar a massiva exploração midiática em torno desta data estritamente comercial é sacanagem; em alguns casos, chega a ser desumano.

Mas vivemos numa sociedade consumista e pouco dada à reflexão, então as pessoas, de um modo geral, submergem nessa lógica de homenagens, jantares, presentes, motel, etc. Fala-se tanto disso, e com tamanha convicção (ai de quem tente fugir ao padrão!), que os solteiros em redor acabam oprimidos, sufocados, sem condições de suportar a onda de badalação dos apaixonados.

Estando casado há 8 anos, previsível que esta data não me amargure. Contudo, isto não implica que eu vá usufruir dela. A comemoração chega no período de finalização do semestre letivo, ou seja, quando estamos mais ocupados e exaustos. Já passei várias noites assim aplicando prova. Hoje estarei em aula. Acima de tudo, estou tão cansado que minhas olheiras, característica física inalienável minha, estão gritando de dar pena. Consegui dormir mais cedo do que o habitual (ou seja, antes de uma da manhã...), mas acordei como se tivesse tirado apenas um cochilo. Nem tudo é festa...

Resta-me, portanto, desejar um dia feliz àqueles que terão a oportunidade de se entregar às delícias da paixão, inocente como a das crianças ou tórrida como a dos adultos. Atendendo a pedidos, vou até antecipar minha aula desta noite, a fim de liberar os alunos mais cedo, permitindo que corram para o amor. E como prova de minha boa vontade, concluo esta postagem com o adorável doodle que o Google preparou para hoje.

Seja feliz.

A sempre lembrada Noruega

Noruega como modelo de reabilitação de criminososPor Luiz Flávio Gomes

O Brasil é responsável por uma das mais altas taxas de reincidência criminal em todo o mundo. No país a taxa média de reincidência (amplamente admitida mas nunca comprovada empiricamente) é de mais ou menos 70%, ou seja, sete em cada dez criminosos voltam a cometer algum tipo de crime após saírem da cadeia.
Alguns perguntariam “Por quê?”. E eu pergunto: “Por que não”? O que esperar de um sistema que propõe reabilitar e reinserir aqueles que cometerem algum tipo de crime, mas nada oferece para que essa situação realmente aconteça. Presídios em estado de depredação total (veja teoria das janelas partidas), pouquíssimos programas educacionais e laborais para os detentos, praticamente nenhum incentivo cultural, e, ainda, uma sinistra cultura (mas que divertem muitas pessoas) de que bandido bom é bandido morto (a vingança é uma festa, dizia Nietzsche).
Situação contrária é encontrada na Noruega.  Considerada pela ONU, em 2012, o melhor país para se viver (1º no ranking do IDH) e de acordo com levantamento feito pelo Instituto Avante Brasil, o 8º país com a menor taxa de homicídios no mundo, lá o sistema carcerário chega a reabilitar 80% dos criminosos, ou seja, apenas dois em cada dez presos voltam a cometer crimes; é uma das menores taxas de reincidência do mundo. Em uma prisão em Bastoy, chamada de ilha paradisíaca, essa reincidência é de cerca de 16% entre os homicidas, estupradores e traficantes que por ali passaram. Os EUA chegam a registrar 60% de reincidência e o Reino Unido, 50%. A média europeia é 50%.
A Noruega associa as baixas taxas de reincidência ao fato de ter seu sistema penal pautado na reabilitação e não na punição por vingança ou retaliação do criminoso. A reabilitação, nesse caso, não é uma opção, ela é obrigatória. Dessa forma, qualquer criminoso poderá ser condenado à pena máxima prevista pela legislação do país (21 anos), e, se o indivíduo não comprovar estar totalmente reabilitado para o convívio social, a pena será prorrogada, em mais cinco anos, até que sua reintegração seja comprovada.
No presídio, um prédio, em meio a uma floresta, decorado com grafites e quadros nos corredores, e na qual as celas não possuem grades, mas sim uma boa cama, banheiro com vaso sanitário, chuveiro, toalhas brancas e porta, televisão de tela plana, mesa, cadeira e armário, quadro para afixar papéis e fotos, além de geladeiras. Encontra-se lá uma ampla biblioteca, ginásio de esportes, campo de futebol, chalés para os presos receberem os familiares, estúdio de gravação de música e oficinas de trabalho. Nessas oficinas são oferecidos cursos de formação profissional, cursos educacionais e o trabalhador recebe uma pequena remuneração. Para controlar o ócio, oferecer muitas atividades educacionais, de trabalho e lazer são as estratégias.
A prisão é construída em blocos de oito celas cada (alguns deles, como estupradores e pedófilos ficam em blocos separados). Cada bloco contém uma cozinha, comida fornecida pela prisão e preparada pelos próprios presos. Cada bloco tem sua cozinha. A comida é fornecida pela prisão, mas é preparada pelos próprios detentos, que podem comprar alimentos no mercado interno para abastecer seus refrigeradores.
Todos os responsáveis pelo cuidado dos detentos devem passar por no mínimo dois anos de preparação para o cargo, em um curso superior, tendo como obrigação fundamental mostrar respeito a todos que ali estão. Partem do pressuposto que ao mostrarem respeito, os outros também aprenderão a respeitar.
A diferença entre o sistema de execução penal norueguês em relação ao sistema da maioria dos países, como o brasileiro, americano, inglês, é que ele é fundamentado na ideia que a prisão é a privação da liberdade, e pautado na reabilitação e não no tratamento cruel e na vingança.
O detento, nesse modelo, é obrigado a mostrar progressos educacionais, laborais e comportamentais, e, dessa forma, provar que pode ter o direito de exercer sua liberdade novamente junto a sociedade.
A diferença entre os dois países (Noruega e Brasil) é a seguinte: enquanto lá os presos saem e praticamente não cometem crimes, respeitando a população, aqui os presos saem roubando e matando pessoas. Mas essas são consequências aparentemente colaterais, porque a população manifesta muito mais prazer no massacre contra o preso produzido dentro dos presídios (a vingança é uma festa, dizia Nietzsche).

* Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora do Instituto Avante Brasil.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Alienação parental é punível, mas não é crime

Desde que surgiu a Lei n. 12.318, de 2010, muitas pessoas passaram a acreditar que a odiosa prática da alienação parental foi criminalizada. Até o próprio Senado acredita nisso, como se vê em matéria intitulada "Doutrinar filhos contra o outro genitor é crime". Na exígua matéria, apontam-se modalidades de alienação parental, mas não se fala em penas. Nem podia.

Para acabar de vez com a dúvida, eis aqui o texto integral da lei:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a alienação parental. 
Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II - dificultar o exercício da autoridade parental;
III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. 
Art. 3º  A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda. 
Art. 4º Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.
Parágrafo único. Assegurar-se-á à criança ou adolescente e ao genitor garantia mínima de visitação assistida, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas. 
Art. 5º  Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial.
§ 1º O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.
§ 2º A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.
§ 3º O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada. 
Art. 6º Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:
I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III - estipular multa ao alienador;
IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII - declarar a suspensão da autoridade parental.
Parágrafo único.  Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar. 
Art. 7º A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada. 
Art. 8º A alteração de domicílio da criança ou adolescente é irrelevante para a determinação da competência relacionada às ações fundadas em direito de convivência familiar, salvo se decorrente de consenso entre os genitores ou de decisão judicial. 
Art. 9º  (VETADO) 
Art. 10.  (VETADO) 
Art. 11.  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

O trecho marcado em verde é a única referência a crime em toda a lei, mas perceba que ele não criminaliza conduta alguma. O que faz é, tão somente, dispor sobre uma ação autônoma destinada a comprovar se houve alienação parental, ação essa que tramitará independentemente de outras ações cíveis (p. ex., decretação de divórcio pelo reconhecimento de culpa do cônjuge alienador) ou mesmo penais (se algum crime for praticado, p. ex. violência doméstica).

De tanto que já repetiram esse erro, comecei a duvidar de mim. Mas aí está a lei, que não me deixa mentir. Não existe um delito de alienação parental. As punições se dão em outro nível.

Twitterítica XXIX ou Mensagem do dia

Há frustração e tristeza quando a zona de conforto passa a ser hostil. Aprender a fazer do limão uma limonada é uma arte.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Baratas na cabeça

Um setor intelectual e moralmente prejudicado do povo brasileiro gosta de expressar o seu saudosismo em relação aos tempos da ditadura militar. Segundo eles, tudo era melhor naqueles tempos, especialmente, é claro, o modo como se combatia o "crime".

Aqui no Pará, além desse defeito de caráter tradicional, existe uma variante: "Bom era nos tempos do Barata!"

O débil refere-se a Joaquim de Magalhães Cardoso Barata (1888-1959), que foi interventor federal, senador e governador de nosso Estado. Existe uma lenda, já desmentida por historiadores, segundo a qual Barata determinou que ladrões (sei lá se outros criminosos também) fossem postos num navio e levados para alto-mar, onde por fim seria lançados às águas para virar comida de tubarão!

O previsível resultado disso é que a escumalha sanguinolenta e dona da verdade adora dizer que sente saudades do Barata, por causa de algo que ele nunca fez. De minha parte, quando vejo alguém manifestando esse sentimento, só consigo pensar que fazer o mesmo com o sujeito seria uma ideia legal, exceto pelo fato de que seria crime ambiental e os pobres tubarões merecem comer coisa melhor.

Explosão demográfica no sistema penitenciário paraense

De junho de 2006 ao mesmo mês de 2012 a população carcerária no Pará aumentou cerca de 85%, segundo informações do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) do Departamento Penitenciário Nacional ligado ao Ministério da Justiça. Enquanto ao número de presos quase que dobrou em seis anos, o número de vagas cresceu apenas cerca de 23%, conforme mostram os dados. Os próprios dados divulgados, porém, mostram que o perfil de quem é preso não sofreu alteração, da mesma forma que a corrupção de agentes penitenciários ainda continua com a mesma lógica. Por questão de segurança, todos os nomes de detentos revelados nessa matéria são fictícios.
“Aqui a gente é muito humilhado. Não tem remédio, a comida é podre, e tem dia que a gente não consegue dormir porque não tem lugar no chão pra todo mundo e o calor é infernal”, revelou Antônio Silva, de 30 anos, (nome fictício) condenado a 9 anos de prisão por pelo menos três crimes que ele não quis comentar quais foram. O DIÁRIO conversou com ele através de um telefone celular que ele mantém na cadeia, com o qual consegue ser informado de tudo que acontece aqui do lado de fora.
Ele conseguiu acesso ao aparelho após pagar propina a um agente prisional, que fez acordo com ele durante algum dos contatos diários que tem com os detentos no pátio, combinaram o valor de R$ 150,00, que foi cobrado fora da casa penal à esposa do Antônio, que entregou o dinheiro e o aparelho. O valor em espécie o agente guardou e o telefone entregou ao detento, que assim pode monitorar os passos da esposa e de tudo mais que o interessar no mundo externo.
O DIÁRIO conversou com três detentos por celular. Ambos reclamaram abertamente sobre a falta de espaço na hora de dormir, falta de cuidados médicos adequados, falta de remédios, da comida, mas ficaram muito apreensivos ao falar sobre a corrupção com a qual se beneficiam. O fato é que, só na Operação Sentinela do Norte III, realizada no dia 06/12/12 em todas as casas penais, 330 celulares foram apreendidos (redução de 50% em relação à Sentinela II).
Se cada aparelho é colocado para dentro por no mínimo R$ 150,00 e pelo menos 90% deles entram com a “Mão amiga” dos agentes, os presos de nosso estado geraram R$ 44.550,00 de lucro apenas pelos celulares que foram realmente encontrados, isso sem contar carregadores e entorpecentes, que também são em grande parte “colocados para dentro”.
Ou seja, de um lado estão os detentos, pessoas que são investigadas ou foram condenadas por terem contrariado a lei, do outro o próprio Estado, que por incompetência, falta de planejamento, conivência, falta de recurso ou o que for, também descumpre a lei, seja através de agentes corruptos, pela superlotação que fere a dignidade humana dos detentos, pela falta de assistência por conta do inchaço populacional nas penitenciárias paraenses.
Perfil dos presos não sofre alteração
Em junho 2006, 60% dos presos não tinham o Ensino Médio Completo e 44 % não haviam concluído nem mesmo o Ensino Fundamental e eram 55,5% jovens de 18 a 29 anos. No mesmo período de 2012, 79% dos detentos não haviam concluído o Ensino Médio e 64,7% não haviam estudado sequer todo o Ensino Fundamental e eram 54,5% jovens de 18 a 29 anos. Ou seja, o perfil dos presos no Pará, como não é diferente em todo Brasil, são jovens com baixa escolaridade e oriundos da periferia ou de lugares com ausência ou falta de políticas públicas.
“O número de presos no Pará aumentou significativamente, o que não foi acompanhado adequadamente na estrutura de acolhimento e aprisionamento com dignidade desses presos, que estão amontoados em celas superpovoadas que reproduzem o sistema de enfurnar pessoas em verdadeiros contêineres”, analisou o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Pará (AL), deputado Carlos Bordalo. Segundo ele, no Pará praticamente inexiste centros para recuperação dos presos, a não ser a colônia penal agrícola Heleno Fragoso, em Santa Izabel, que só possui o perfil atual graças à pressão feita pela CPI do Tráfico de Pessoas e aos Conselhos Tutelares.
A comissão da AL criou coordenadoria de acompanhamento e monitoramento do sistema penitenciário para desenvolver mecanismo para monitorar cada casa penal do Estado. Já para Gleidson Pontes, de 28 anos, membro do Fórum da Juventude Negra do Pará (Fojunepa), a ausência de uma rede de Políticas Públicas para a juventude negra, maciçamente presente nas periferias e nos locais mais excluídos historicamente é um dos fatores condicionantes da realidade penal paraense.
“Se você olhar o perfil dos presos na década de 70, 80 e 90, não será muito diferente do que vivemos hoje. A maioria já era negra, filhos da periferia”, apontou Gleidson. Ele explicou que os negros vieram da África à força e, quando não obedeciam, iam ao tronco. Quando libertados, foram obrigados a habitar lugares inóspitos sem a presença efetiva do Estado, que hoje chamamos de periferia, e a ideia de punição ainda permanece semelhante, razão que também explicaria o fato de que parte da imprensa e da sociedade aplaudem a condição degradante na qual os encarcerados vivem.
Para o militante, o Estado gastará muito mais com a construção de cadeias novas, obras essas que certamente gerarão lucro aos empresário, enquanto que políticas sociais continuarão sendo realizadas de maneira ineficiente “porque essa é a lógica do modelo de desenvolvimento do Estado”.
Corrupção de agentes prisionais existe, diz a susipe
Segundo o titular da Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará (Susipe), o tenente coronel André Cunha, de dezembro de 2006 a dezembro de 2012 o aumento da população carcerária foi de cerca de 50%, e o acréscimo foi de 21% nos números de vagas. Nos dados apresentados pelo Ministério da Justiça, havia um déficit de 5.812 vagas no Sistema Penal paraense em junho de 2012, mas a Susipe aponta que em março de 2013 o déficit era de 4.525 vagas. Há em andamento a construção de 1644 vagas em Santa Izabel, Marabá, Santarém São Félix do Xingu e Breves. “Para enfrentar esse problema a Susipe atua em três frentes: Construção de novas vagas; Redução do fluxo de entrada e reduzir a reincidência; aumento do fluxo de saída. Essas ações resultaram, por exemplo, que em dezembro de 2012 saíram mais presos do que entraram das casas penais do Pará”, pontuou o superintendente. Na última sexta (07), por exemplo, enquanto André Cunha dava entrevista, mais um mutirão era realizado no complexo de Americano, para que presos condenados tivessem sua situação regularizada, e no caso de detentos que já tenham cumprido a lei, que possam ganhar a liberdade e liberar vaga no presídio.
Parte da superlotação se dá também pelo número de presos que ainda não foram julgados, conforme ele explicou. “Em 2001 o número de preso provisórios correspondia a 65% da população carcerária. Em março de 2013 é 46%, isso significa um enorme avanço do judiciário paraense, que tem feito enorme esforço para deixar em condições aceitáveis a quantidade de presos que ainda não foram julgados”, explicou.
A Susipe realiza palestras em escolas da periferia em parceria com a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) e com o Pro-Paz, para informar crianças em condição de vulnerabilidade a como medida de prevenção. Como exemplo de projetos de ressocialização há o projeto “Reconquistando a Liberdade”, realizado com detentos do regime semiaberto de Heleno Fragoso. “Até o final do mês de junho, um novo grupo de internos, entre eles 20 mulheres vão trabalhar na limpeza de praças e logradouros em um convênio fechado com a Secretaria Municipal de Urbanismo de Belém”, informou a assessoria de comunicação da Susipe.
Em relação à corrupção de agentes prisionais, o superintendente confirmou que objetos e substâncias proibidas entram nas casas penai ou por conivência ou por omissão de servidores, na maioria temporários, razão apontada por críticos como um dos elementos fundamentais para tanta corrupção. “Não é o fato do servidor ser temporário ou concursado que isso vai mudar o caráter da pessoa”, alegou o titular da Susipe, que alertou sobre possível demissão para trabalhadores pegos em conduta indevida e até mesmo indiciamento na justiça comum caso o delito seja criminoso.

Nova universidade

Já está em vigor desde quinta-feira passada (6.6.2013) a Lei n. 12.284, de 5.6.2013, que criou a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará.

A UNIFESSPA assumirá o campus de Marabá, outrora pertencente à UFPA. E ampliará a sua estrutura física por meio da criação de campi em Rondon do Pará, Santana do Araguaia, São Félix do Xingu e Xinguara. Com isso, o ensino superior público chegará mais perto de regiões que jamais contaram com tal possibilidade. Uma expansão já iniciada por meio da criação da Universidade Federal do Oeste do Pará, com sede em Santarém. Uma política de governo das mais louváveis, que foi iniciada há poucos anos. Se é que você me entende.

Em breve serão anunciados os nomes do reitor e vice-reitor pro tempore. Depois da posse destes, começa a contagem do prazo de 180 dias para aprovação do estatuto. Como se trata de desmembramento de uma universidade já existente, a nova instituição está bem perto de funcionar com as próprias pernas. Bom para todos.

Reduzindo gente a nada

O número de processos judiciais no Brasil envolvendo o crime de tráfico de pessoas e o de
redução à condição análoga à de escravo chegou a 1.163 de 2005 a 2012. Desses, seguem
em tramitação 428. O levantamento foi feito a pedido do Conselho Nacional de Justiça junto
aos Tribunais Regionais Federais e contribuiu para subsidiar o primeiro relatório sobre o
Tráfico de Pessoas no Brasil elaborado pela Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da
Justiça em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), que
revelou a existência de 475 vítimas do tráfico no Brasil entre 2005 e 2011.
Segundo os dados apresentados pelos
tribunais, a maior incidência foi relativa ao
crime de redução a condição análoga à
de escravo. Nos últimos oito anos, foram
distribuídos 317 casos de exploração
servil nos cinco tribunais federais. No
mesmo período, os números de processos
iniciados sob suspeita de tráfico interno e
internacional de pessoa contabilizaram 73.
Os processos contabilizados dizem
respeito especificamente aos crimes
de tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual (Código Penal, artigo
231); tráfico internacional de pessoas (CP, 231); tráfico interno de pessoa para fim de
exploração sexual (CP, artigo 231 A); tráfico interno de pessoas (CP, artigo 231 A); redução
a condição análoga à de escravo (CP, artigo 149); crimes previstos no Estatuto da Criança e
Adolescente (ECA, artigo 239); e crimes de Lei de Remoção de Órgãos e Tecidos (Lei
9.434). Os dados foram coletados dos TRFs, uma vez que tais crimes são de competência
da Justiça Federal.
Dados por tribunal
No Tribunal Regional Federal 1ª Região, que engloba 14 estados sob sua jurisdição, estão em
tramitação 155 processos, sendo 111 tipificados no crime de condição análoga à escravidão e
44 em tráfico de pessoas. O Sul brasileiro, representado pelo TRF-4, apresenta 104
processos, todos referentes ao crime de condição análoga à escravidão.
O TRF da 2ª Região, que abrange os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, possui
atualmente 78 processos em curso, sendo apenas dois deles referentes a tráfico de pessoas
(um interno e um internacional); 41 processos tipificados como condição análoga à de escravo
e 35 por crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. O TRF da 3ª Região
informou 60 processos, sendo 39 sobre redução à condição análoga à escravidão e 12 sobre
tráfico internacional de pessoas.

Já o TRF da 5ª Região informou haver 31 processos em tramitação, sendo 22 relativos ao
crime de redução à condição análoga à escravidão.
Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.
Revista Consultor Jurídico, 8 de junho de 2013
Fonte: http://www.conjur.com.br/2013-jun-08/brasil-428-processos-trafico-pessoas-trabalho-escravo

Redução à condição análoga à de escravo e tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Duas contundentes manifestações do que há de pior na alma humana. Mas, no Brasil, nem são crimes tão graves assim.

Já que existem crimes hediondos, estes dois deveriam sê-lo. Mas não são. As penas máximas cominadas chegam a 8 anos, menos do que roubo. Puxar uma faca para alguém e levar-lhe 10 reais é mais grave do que submeter uma pessoa à escravidão. Apenas sob algumas circunstâncias, restritas, tais penas podem ser aumentadas de metade, chegando a 16 anos.

Não bastasse isso, tais práticas largamente disseminadas pouco se convertem em ações penais reais. A impunidade reina. Mas a imprensa não se mobiliza por essa causa, muito menos a sociedade, salvo setores muito específicos. Sintomático, não?

sábado, 8 de junho de 2013

71

Dona Jacimar Oliveira de Andrade deixou Óbidos, sua cidade natal, há mais de quatro décadas. Retornou uma ou duas vezes, ainda por aqueles tempos longínquos. Quando lhe ofereci uma viagem para lá, não quis. Sua mãe havia falecido, vitimada por um câncer. "Não fui quando minha mãe estava viva, agora não tenho mais nada a fazer lá", respondeu-me, deprimida. Hoje, acredito que ela voltaria lá. Ainda quero proporcionar-lhe esse retorno às origens.

Há muitas coisas que eu gostaria de lhe ter proporcionado, que não foram possíveis e não mais serão, simplesmente porque o tempo não volta. Mas ao menos a neta que ela gostaria de carregar "enquanto ainda tenho forças" (sempre guadalupiana!) já está aí, há quase cinco anos. São unha e carne. Toda sexta-feira Júlia me intima a levá-la para dormir na casa da avó. É como se fosse uma obrigação natural das sextas-feiras.

Hoje d. Jacimar chega aos seus 71 anos e, como é imprescindível para ela, vai comemorar a data com alguns amigos. Boa parte deles são amigos dos filhos, que ela adotou integralmente. Logo mais vamos para lá, tirar uma outra foto como essa aí de cima, do último dia das mães.

Feliz aniversário, minha mãe. Que passe mais este ano cercada de amor!

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Canicídios no Pará

Enquanto as redes sociais fervem com o caso de uma suposta política de saúde pública no Município marajoara de Santa Cruz do Arari, consistente em exterminar cachorros de rua, a jornalista Franssinete Florenzano informa que a medida não é inédita no Pará. Ela menciona dois precedentes, em Tucuruí e em Jacareacanga. Em todos os casos, a iniciativa teria sido do poder público.

Eu não entro nessa histeria pequeno-burguesa de pedir pena de morte para quem maltrata animais, ciente de que os mesmos críticos pouco se importam com o sofrimento e a morte de seres humanos pobres. Também sei que este comentário tem toda a cara de clichê, mas também é verdadeiro. Precisamos respeitar a vida dos seres humanos e dos animais, é óbvio, e não podemos tolerar nenhuma forma de violência. Justamente por isso, há que se reclamar mais atenção aos humanos que sofrem sob a invisibilidade a que foram relegados pelo conjunto da sociedade.

Independentemente disso, caso se confirme que os prefeitos ou seus prepostos determinaram a morte dos cães, estão sujeitos a processo pelo crime tipificado no art. 32 da Lei n. 9.605, de 1998 (Lei de Crimes Ambientais): "praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos". A pena é de 3 meses a 1 ano de detenção, aumentada de 1/6 a 1/3 em caso de morte do animal, além de multa.

O art. 37 da mesma lei afasta a responsabilização nas hipóteses em que o abate do animal foi determinada por necessidade alimentar; para proteção de lavouras, pomares e rebanhos de animais predadores (neste caso, dependente de autorização do órgão ambiental competente); ou "por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente".

Esta última situação poderia ser, forçando muito a barra, a brecha para os suspeitos tentarem escapar à responsabilidade penal. Mas, a meu ver, não se sustenta. Sobre essa norma, leciona Silvio Maciel:
Essa excludente é alvo de críticas, porque segundo alguns não existem animais nocivos, já que todos possuam uma função e utilidade no sistema ambiental. Conforme o professor LUIZ REGIS PRADO, "a doutrina biológica ressalta que o termo 'nocivo' é relativo e subjetivo, pois todos os animais possuem uma função no equilíbrio do ambiente e concordam que essa terminologia deve ser revista porque são raras as espécies que, verdadeiramente, podem ser consideradas nocivas.Ademais, o simples fato de algumas espécies predadoras (v.g., jacarés, onças) atacarem o gado em fazendas (isso porque a destruição dos habitats pelo homem força esses animais e buscar alimentos em outros locais), não constitui argumento suficiente para incluí-los na lista de animais nocivos". (MACIEL, Silvio. "Meio Ambiente". In: GOMES, Luiz Flávio e CUNHA, Rogério Sanches (coord.). Legislação criminal especial, Coleção Ciências Criminais, vol. 6, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 769)
Conclui-se, portanto, que a norma em apreço foi concebida para animais selvagens, peçonhentos, transmissores de doenças (como os caramujos africanos que viraram praga por aqui, lembram?). Mas mesmo assim é necessária uma avaliação expressa do caso, a ser feita pelo órgão ambiental. Não se pode simplesmente sair exterminando, ainda mais em se tratando de animais domésticos, simplesmente porque estão nas ruas. Seria necessário provocar o órgão ambiental e demonstrar que os cachorros se tornaram um problema real e grave de saúde pública, ou que enlouqueceram e estão atacando as pessoas na rua mais do que os assaltantes.

Sem isso, a situação dos acusados deve piorar. Esse o meu prognóstico.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Agora a coisa vai!


Agora só falta o BRT!

Observação: A notícia e a imagem estão disponíveis no site da Prefeitura de Belém.

Estagiários de direito, animem-se

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, em caráter conclusivo, projeto de lei que antecipa do sétimo para o quinto semestre do curso a possibilidade de o acadêmico se inscrever como estagiário junto à Ordem dos Advogados do Brasil. Há escritórios que só contratam estagiários habilitados, uma forma de cobrar maior responsabilidade.

Não vejo mal algum na medida. Neste mundo frenético em que vivemos, algumas coisas precisam mesmo ser antecipadas. E os estudantes precisam entender logo que uma formação profissional é para valer. Afinal, é "só" o resto da vida de cada um de nós.

Mas calma: o projeto de lei ainda vai ao Senado.

À beira de um apagão

Até posso reconhecer que a desgraceira da Rede CELPA, ou sabe lá como se chama essa josta hoje em dia, após trocar de comando, estava dando um tempo. Mas pelo menos desde o último final de semana o negócio voltou a ficar difícil.

Começa com oscilações na corrente elétrica. O estabilizador que uso para proteger a TV e outros equipamentos simplesmente enlouquece, disparando sem parar. No domingo, depois de meia hora ininterrupta daquele barulho, eu queria estrangular um! Parou e voltou, parou e voltou, de modo mais breve, até que a uma hora da madrugada a energia se foi totalmente. Ficamos no escuro por cerca de 15 a 20 minutos. Uma sorte, digamos assim.

De lá para cá, faltou energia todos os dias, geralmente à noite, mas em diferentes horários. Vale a pena gastar um pouco com proteção elétrica, porque aqui estamos sujeitos a perder todo e qualquer equipamento que se ligue numa tomada.

Ô dureza de vida, essa do brasileiro...

Minha vida é um noema

Em meio aos meus estudos da madrugada, deparo-me com uma anotação que fiz há alguns dias. Acerca do vocábulo noema, escrevi a seguinte definição, pinçada de algum lugar virtual: "tentativa de expressar uma ideia não suficientemente compreendida".

De repente eu me identifiquei em um sentido bastante profundo.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

A brecha não funcionou

No ano passado, fez sucesso nas redes sociais o vídeo de uma capixaba de 19 anos que, altamente embriagada, envolveu-se num acidente de carro e, abordada por policiais, protagonizou uma cena ridícula, com direito a tentar fumar dinheiro e ligar o carro usando um canudo plástico. Para variar, a desgracenta era estudante de direito e prestou um desserviço à categoria colocando-se numa postura superior, acima da responsabilidade, além de dizer que estudantes de direito sabem encontrar as brechas da lei.

Na época, comentei com amigos que, fosse minha filha, essa moleca ia se arrepender do dia em que pôs a primeira gota de álcool na boca, mesmo que fosse um simples Listerine (só uso colutórios 100% sem álcool). E tinha curiosidade de saber que fim teve tão honorável criatura. Minha curiosidade, enfim, foi saciada.

A estudante não sofreu processo nem foi condenada, mas não foi necessário recorrer às brechas da lei; ao contrário, bastou aplicar a lei vigente. Como os delitos que contra ela pesavam eram de menor potencial ofensivo, foi possível recorrer aos benefícios da Lei n. 9.099, de 1995, e por meio de transação penal (a reportagem fala em "acordo"), ficou decidido que ela prestará 6 horas semanais de serviços à comunidade, durante 4 meses, no Hospital da Polícia Militar de sua cidade, Vitória.

Chamou-me a atenção que a reportagem, ao cometer um erro técnico, acabou dizendo uma verdade. A frase é: "Além dos serviços prestados à comunidade, a mãe de Luiza vai ter que pagar R$ 400 em cestas básicas..."

Como a responsabilidade penal é personalíssima, nenhuma pessoa além do próprio infrator pode sofrer as consequências de seus atos (princípio da intranscendência da pena e seus consectários). Na transação penal, não se pode assumir compromissos para terceiros cumprirem. No entanto, como se trata de uma garota que ainda depende financeiramente da família, é óbvio que os encargos não pessoais serão suportados pela mãe e não por ela, situação por sinal bastante corriqueira.

Essa é a razão pela qual há penalistas que se opõem às penas de natureza estritamente pecuniária, eis que são impessoais; não se pode garantir de onde sairá o dinheiro. Se o sujeito, p. ex., é condenado ao pagamento de uma multa e um parente abastado doa o dinheiro, a multa será paga e a questão penal, resolvida. Contudo, o infrator não terá sofrido qualquer consequência de sua má conduta, o que pode inclusive gerar um efeito nocivo de impunidade. O tiro pode sair pela culatra.

Enfim, a capixaba vai trabalhar pela comunidade. Espero que a experiência funcione para ela, fazendo-a se sensibilizar um pouco com os problemas do mundo, com vistas a perceber que não deve tornar-se mais um deles.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Banco de dados genéticos para combate ao crime

Inicialmente, a notícia:

EUA autorizam polícia a fazer exame de DNA de suspeito

A Suprema Corte dos EUA decidiu, nesta segunda-feira (3/6) que a polícia pode colher
amostras para exame de DNA de qualquer pessoa suspeita de haver cometido um crime
"sério" — e não apenas de pessoas já condenadas, como era a prática adotada
nacionalmente até agora, de acordo com o Washington PostLos Angeles Times e
Boston.com.
Aparentemente, a polícia decide o que é crime "sério" e quem será submetido a um exame
de DNA, porque não terá necessidade de conseguir um mandado judicial para isso.
"Quando um policial faz uma prisão e leva um suspeito à delegacia, colher uma amostra da
bochecha da pessoa com um cotonete passa a ser um procedimento comum, tal como
obter impressões digitais e tirar fotografias", escreveu o ministro relator Anthony Kennedy
pela maioria.
A decisão foi tomada pelo tradicional placar de 5 a 4, mas, desta vez, um ministro
conservador votou com a minoria liberal e um ministro liberal votou com a maioria
conservadora. Além de Kennedy, votaram com a maioria o presidente da corte John Roberts,
os ministros Samuel Alito, Clarence Thomas, todos conservadores, e o ministro liberal
Stephen Breyer. O ministro conservador Antonin Scalia escreveu o voto da minoria e foi
apoiado pelas ministras liberais Ruth Bader Ginsburg, Sonia Sotomayor e Elena Kagan.
Scalia não apenas votou com a minoria, mas amplificou sua discordância lendo um sumário
de seu voto no Plenário. "A corte abandonou um preceito fundamental da Quarta Emenda da
Constituição, que proíbe o governo de fazer buscas em cidadãos para obter provas, sem
uma causa razoável para acreditar que essas provas serão encontradas", ele escreveu.
"E não se enganem: a partir de agora, se você for preso por qualquer razão, esteja a polícia
certa ou errada, ela vai colher amostras para fazer um exame de DNA e vai colocá-lo em um
banco de dados nacional", afirmou Scalia em sua declaração.
Só o FBI já tem um banco de dados nacional com resultados de exames de DNA de 11 milhões
de pessoas, das quais 1,1 milhão foram efetivamente condenadas por crimes. Agora, esse
número deve crescer muito, dizem os jornais, porque os órgãos de segurança de todos os
estados vão adotar o procedimento.
Até agora, 28 estados e o governo federal autorizavam a colheita de amostras de suspeitos
para exame de DNA. Com a decisão da Suprema Corte, o procedimento passará a ser
nacional, como já era o caso de exames de DNA de pessoas condenadas.
Os ministros vencedores argumentaram que o exame de DNA vai ajudar a polícia a vincular
criminosos a seus crimes e também a identificar inocentes. Mas a melhor utilidade dos exames
de DNA de todas as pessoas que são levadas à delegacia, por qualquer razão, é tentar
encontrar autores de crimes que nunca foram resolvidos.

Esse foi o caso que chegou perante a Suprema Corte. Em 2009, Alonzo Jay King Jr., de
Maryland, foi preso por roubo. Um exame de DNA, feito antes mesmo de ele ser julgado, o
vinculou a um crime de estupro de uma mulher de 53 anos. O estupro, seguido de roubo,
ocorrera há seis anos, mas a polícia ainda não havia encontrado o culpado.
Um tribunal superior de Maryland decidiu que os direitos de King Jr. à privacidade e também
de não ser submetido a buscas irrazoáveis, suspeitas e sem mandado judicial foram violados.
Com a decisão desta segunda-feira, a Suprema Corte anulou a decisão do tribunal de
Maryland e restabeleceu a condenação de King Jr. à prisão perpétua.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

Revista Consultor Jurídico, 3 de junho de 2013
A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos pode surpreender alguns, porque aquele país é muito convicto no que tange à proteção das liberdades individuais. Essa é a sua perspectiva político-jurídica originária. Contudo, aquele também é o país berço dos chamados movimentos de lei e ordem, dentre os quais se destaca a mundialmente conhecida política de tolerância zero, que os brasileiros querem porque querem importar.

O fato é que, aparentemente, existe uma tendência mundial ao incremento da repressão penal. Embora tal tendência seja muito mais perceptível e raivosa nos países menos desenvolvidos socialmente, como o Brasil, ela também pode ser percebida em nações de grande desenvolvimento social e educacional, como a Noruega. Quando Anders Breivik, aquele psicopata atirador que matou 77 pessoas numa só ação, foi condenado a 21 anos de prisão, pena máxima prevista na lei penal norueguesa, houve quem propusesse mudanças na lei, para torná-la mais severa. A diferença em que os escandinavos não têm sangue nos olhos nem necessidade de impor sofrimento, por isso a discussão, lá, deve ser feita em termos civilizados. Espero.

O maior problema da decisão ora sob comento é que, como o sistema jurídico estadunidense pertence à common law, a matéria não aparece disciplinada em lei. Não existe uma norma geral e abstrata dispondo sobre os casos em que a coleta de DNA é possível, ficando a cargo do policial de serviço no dia fazer esse julgamento, baseado na única premissa estabelecida: o crime precisa ser "sério".

De um lado, vemos o perigosíssimo fenômeno do Estado policial. Conceder poderes excessivos às polícias é um dos passos mais resolutos para a oficialização da violência e a supressão de direitos individuais, mesmo os mais comezinhos. Isso pode não ser uma realidade tão flagrante nos Estados Unidos, onde as instituições são mais sérias e respeitáveis, de um modo geral (o que não impedem os abusos, obviamente em relação aos grupos mais vulneráveis), mas aqui no Brasil é uma porta larga e aberta para o inferno.

A par disso, a "seriedade" do crime está longe de ser um critério razoável. Ninguém discutirá que um homicídio, um estupro ou um sequestro são crimes graves. Mas, pensemos, p. ex., numa violação de domicílio. No Brasil, é classificado como crime contra a liberdade individual e tem pena máxima cominada de 3 meses de detenção. Tecnicamente, constitui infração de menor potencial ofensivo, nos precisos termos da Lei n. 9.099, de 1995. Mas não duvide que muitos policiais interpretariam a ação de invadir uma residência como crime sério. Afinal, mesmo que nenhum outro dano seja causado a terceiros (o sujeito, sei lá, invadiu porque queria tirar uma soneca embaixo de uma árvore no quintal), poucas coisas impactam tanto o indivíduo quanto descobrir que sua própria casa não é segura como se pensava. E aí vêm as elucubrações consequentes: ele não roubou nem feriu ninguém, mas podia tê-lo feito.

Fica a advertência do ministro Antonin Scalia: a partir de agora, haverá mais investigações iniciadas sem causa provável. Esta não é uma iniciativa que se deva copiar. Mas logo surgirá, por aqui, gente entusiasmada com a ideia.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Moleza

Esta noite, mais uma vez Júlia disse, com convicção, que não quer crescer.

"Eu entendo", disse-lhe. "Vida de criança é só brincadeira."

"É moleza!", respondeu-me. E tive que rir, porque não sei onde ela aprendeu a se referir desse jeito à própria vida. E considerando que ela, ao ser lembrada de que amanhã irá à escola (não foi hoje porque adoeceu, pela enésima vez este ano), disse que não precisava ir, para depois emendar dizendo que precisava sim, mas que esses dias de folga foram tão legais... Comecei a me preocupar.

Mudanças visuais

Meio que por acaso descobri que o Blogger já disponibilizou (sabe-se lá há quanto tempo) novas opções de leiaute para os nossos blogues (gostaram do português politicamente correto?). Antes, as opções eram parcas e como sou totalmente dependente da coisa semipronta, porque não sei lidar com nada do universo da informática e Internet, nunca pude fazer grandes personalizações.

Hoje, enfim, descobri novas fontes à disposição e, como acontece nessas horas, decidi experimentar. Faz tempo que eu andava cansado da fonte Trebuchet, então apliquei uma outra com jeitão de impressão de livro antigo. Visualmente bonita, mas me preocupo com o aspecto prático: ela é bem legível? Vocês me dirão.

Pelo sim, pelo não, aumentei um tanto o tamanho da fonte padrão, já que eu mesmo, que tanto me orgulhei de ser emétrope, agora estou a um passo de usar óculos, eis que meus olhos fraquejam sem que eu possa mentir para mim mesmo a respeito.

Como já fiz em outras ocasiões, apliquei as primeiras mudanças. Esperarei eventuais manifestações sobre a... (como é que minha esposa fala?) usabilidade do blogue. Qualquer coisa, farei ajustes. O importante é que todo mundo se enxergue e se entenda. E eu possa mudar um pouquinho, porque adoro uma novidade.

Em meu outro blog...

...um arbítrio sobre a gestão de Zenaldo "Não Sou Mágico" Coutinho.

Senado e maioridade penal

O tema do momento ganha discussões oficiais:

A redução da maioridade penal será tema de três audiências públicas promovidas pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) nas próximas semanas. O objetivo é aprofundar o debate sobre o assunto polêmico, levando em consideração três enfoques: a maturidade e o desenvolvimento mental do adolescente; a eficácia da medida; e a constitucionalidade da modificação legislativa.
A primeira audiência está marcada para esta segunda-feira (3), às 15h, no Plenário 3 da ala Alexandre Costa. Os primeiros pontos a serem debatidos serão a eficácia da medida, suas consequências, e a constitucionalidade da modificação legislativa. A iniciativa das audiências públicas partiu do presidente da CCJ, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB). Sua intenção é criar um ambiente nacional de discussão do assunto
Entre os convidados deste primeiro encontro estão o procurador-geral de Justiça da Paraíba, Oswaldo Trigueiro do Valle Filho; o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coêlho; o subprocurador-geral da República Eugênio Aragão; e o promotor de Justiça de São Paulo Thales de Oliveira.
Participação do público
As duas audiência seguintes serão realizadas nos dias 10 e 17 de junho. Os três eventos serão transmitidos ao vivo pelo portal e-Cidadania. Qualquer cidadão poderá participar com perguntas ou comentários diretamente aos senadores e convidados pelo linkbit.ly/maioridadepenalemdebate.
Como as audiências estão marcadas para o mesmo horário da sessão do Plenário, não serão transmitidas ao vivo pela TV Senado – uma vez que, pelo Regimento Interno, a sessão plenária tem prioridade de exibição. Mas será possível acompanhar o debate, além de pelo e-Cidadania, também pelo canal 2 da página do Senado, pelo Facebook ou pelo Twitter. Também é possível participar dos eventos pelo Alô Senado (0800-612211).
Notícia de Agência Senado.

Antecedentes criminais

Brasileiros têm uma verdadeira obsessão pelo passado desviante dos outros. Não à toa, o inconstitucional conceito de reincidência faz o maior sucesso por estas bandas. Não ouse pensar em aboli-lo, como se tentou, em vão, conforme comentamos recentemente.

Enquanto isso, está em curso, na Suprema Corte do Reino Unido, uma ação que pretende julgar a inconstitucionalidade do registro de antecedentes criminais. Veja a notícia:

A Suprema Corte do Reino Unido aceitou julgar se a lista de antecedentes criminais viola
direitos fundamentais da pessoa. Os juízes do tribunal, instância máxima da Justiça do Reino
Unido, vão analisar se a legislação britânica sobre o assunto respeita o direito à privacidade
e intimidade de cada um. As audiências preparatórias para o julgamento foram marcadas
para os dias 24 e 25 de julho.
O tribunal vai julgar recurso do governo contra decisão tomada pela Corte de Apelação
em janeiro deste ano. Na ocasião, a corte decidiu que as regras que ditam o que entra e 
o que sai da ficha criminal violam a Convenção Europeia de Direitos Humano e pediu ao
Parlamento para reescrever a lei sobre o assunto. O governo não concordou com o
julgamento e apelou à Suprema Corte.
A lista de antecedentes criminais foi questionada na Justiça por duas pessoas que
reclamaram que o passado negro estava atrapalhando suas vidas profissionais. No Reino
Unido, assim como no Brasil, a ficha criminal de todos é pública e pode ser solicitada por
quem se interessar. A exigência dessa ficha é pré-requisito para a contratação de
profissionais para determinados cargos, especialmente aqueles que vão lidar diretamente
com crianças ou com adultos incapazes. Qualquer item nessa lista é suficiente para acabar
com a carreira de um professor ou psicólogo, por exemplo.
T. e JB., que tiveram seus nomes preservados pelos juízes, receberam uma advertência da
Polícia por furto há mais de 10 anos. A advertência policial está prevista pela legislação
britânica para crimes considerados inofensivos. Casos que no Brasil seriam desconsiderados
pela Justiça com base no princípio da insignificância, na Inglaterra, nem chegam aos tribunais.
A Polícia reconhece a insignificância do crime e adverte formalmente o infrator. Essa
advertência é considerada um antecedente criminal.
T., hoje com 23 anos, foi advertido duas vezes pela Polícia quando tinha 11 anos por roubar
bicicletas. JB. recebeu a advertência aos 40 anos por tentar furtar de uma loja um pacote de
unhas postiças. Nos dois casos, passados 10 anos, as advertências continuam a fazer parte
da ficha criminal dos dois. T. foi impedido de trabalhar numa escola de futebol e JB. teve de
desistir de sua carreira no serviço social.
Ao analisar os relatos, os juízes da Corte de Apelação reconheceram que há uma flagrante
violação de direitos fundamentais dos dois envolvidos. Eles consideraram que a falta de regras
claras que determinem até quando uma condenação ou uma advertência deve integrar lista de
antecedentes criminais é uma interferência indevida na vida privada de cada um, o que viola o
previsto no artigo 8º da Convenção Europeia de Direitos Humanos. O dispositivo garante o
respeito à vida privada e familiar e estabelece que as autoridades públicas só podem interferir
nesse direito para garantir a segurança nacional, o bem-estar social e econômico do país e os
direitos de terceiros.
Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.

Revista Consultor Jurídico, 2 de junho de 2013
Tratando-se de uma questão constitucional, com fortes efeitos sobre a vida das pessoas em geral, o judiciário britânico teve o bom senso de submeter o caso ao crivo da própria sociedade, por meio de audiências preparatórias ao julgamento. Por aqui, esse tipo de cautela ainda é recente. O primeiro caso foi o da ADPF 54, sobre abortamento de fetos anencéfalos. Suspeito que não foi exatamente por espírito democrático, e sim pela pressão dos religiosos, que insistem em querer administrar o país.

Moralistas e avessos ao perdão (desde que o foco sejam terceiros, é claro), os brasileiros não tolerariam, de modo algum, uma proposta semelhante por aqui. Saber que o sujeito um dia bateu ou ameaçou alguém pode ser essencial para, sei lá, contratá-lo para servir mesas. Essa informação pode ter um peso maior do que saber que ele amadureceu, constituiu família, tem filho para sustentar e precisa de um emprego, etc. Enfim, as pessoas mudam, segundo consta.

Vale destacar, ainda, que a legislação brasileira é bem mais restritiva que a britânica. Por aqui, as tais certidões de antecedentes criminais voltam a ser negativas depois da reabilitação (dois anos após a extinção da pena, nos termos dos arts. 93 a 95 do Código Penal), além de que é proibido exibir qualquer anotação referente à adolescência. Mas os prejuízos são genuínos e graves.

Vamos ver o que decidem os súditos da rainha. Quem sabe isso não inspira outros países a discutir a questão.