quinta-feira, 26 de julho de 2012

Juízes sem rosto

Parece, mas não estou falando de nenhum filme de ação. A expressão "juízes sem rosto" está sendo usada para exprimir a composição de um órgão jurisdicional colegiado, atípico, que deverá funcionar em ações penais relacionadas a organizações criminosas. Trata-se de uma inovação trazida pela Lei n. 12.694, de 24.7.2012, publicada ontem e com vigência a partir do próximo dia 23 de outubro.
Além de criar o aludido colegiado, a nova lei modifica pontualmente o Código Penal (no que tange aos efeitos da condenação), Código de Processo Penal (alienação antecipada de bens relacionados aos crimes), Código de Trânsito (adoção temporária de placas especiais em veículos, impedindo a identificação das autoridades que neles trafeguem) e Estatuto do Desarmamento (porte de arma para servidores públicos encarregados da segurança de autoridades).
O objetivo, como facilmente se percebe, é melhorar a proteção de juízes, membros do Ministério Público e de outras autoridades, vinculadas a investigações criminais relativas a organizações criminosas. Várias dessas autoridades estão sob ameaça, não se podendo esquecer o assassinato da juíza Patrícia Acioli, em Niteroi, há um ano, e as recentes mortes de duas pessoas ligadas às investigações sobre Carlinhos Cachoeira et caterva, que também registram um juiz e uma procuradora sob ameaça.
Bem intencionada, a lei já está sofrendo severas críticas, fundadas na violação de garantias constitucionais. Questiona-se o prejuízo ao dever de fundamentar decisões judiciais e até mesmo a transgressão ao princípio da integridade física do juiz (aquele que conheceu das provas, durante a instrução processual, é que deve sentenciar), princípio este que não me convence; eu realmente não o considero relevante, num mundo de conhecimentos mais especializados e de maior facilidade de comunicação.
Nova polêmica estabelecida, vamos ver como os lados opostos organizam seus argumentos. Mas que não há dúvidas quanto à necessidade de proteger autoridades públicas dos criminosos que investigam, ainda mais quando se trate dos particularmente perigosos, certamente não há. Isto ninguém refuta.

PS Um problema ainda não resolvido no Direito brasileiro é o conceito de organização criminosa, que é impreciso mesmo na doutrina internacional. Mais uma vez o legislador brasileira tenta evitar dificuldades interpretativas e se sai com essa definição:

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.
Suspeito que a nova tentativa de conceito não escapará às críticas, ainda mais por se prender a um critério quantitativo relacionado à pena. Continuemos a ver os debates.

2 comentários:

Anônimo disse...

O problema é que os colegas penalistas do garantismo já devem estar com um ADIn pronta pra inviabilizar mais um avanço na prestação jurisdicional, garantindo a segurança de julgadores e serventuários da Justiça, enquanto os réus, pobres coitados, serão julgados por um tribunal de exceção, ferindo o princípio do juiz natural, etc.

Anônimo disse...

Não pretendo ser vidente, mas acho que demorou muito pouco para que viessem à tona os argumentos que havia dito que iam ser usados pelos garantistas contra medidas mais eficazes de persecução criminal: http://www.oab.org.br/noticia/24217/oab-ve-pontos-polemicos-em-lei-de-protecao-a-juizes-e-mp

Continuamos na sequência de que as autoridades públicas são culpas até que se prove o contrário e os bandidos e organizações criminosas são suspeitos e inocentes até que se prove o contrário.