sábado, 1 de dezembro de 2012

Etnocentrismo

Em resposta ao chamado que lhe fiz via Facebook, meu amigo e colega de docência Paulo Rabelo, que em seu mestrado pesquisou sobre a questão indígena, escreveu esta manifestação a minha postagem "As crianças Suruwahás mortas":


Yúdice, etnocentrismo é a tradução desse senhor. O grande problema é que ele representa uma parcela significativa de nossa sociedade, achar que é melhor do que outro por ser diferente. Na realidade ele revela um desconhecimento absurdo acerca do que venha ser a riqueza e diversidade cultural dos povos indígenas e acho que nunca entendeu o conceito de bem viver. Por que ele ou qualquer outra pessoa irá decidir o que é melhor para quem é protagonista de sua história e já demonstrou pelos usos e saberes estar muito longe do conceito equivocado de primitivo ou selvagem? Nós é que precisamos aprender com eles, por exemplo, que a sobrevivência das espécies depende muito mais de compreensão da linguagem da natureza do que de dominação. Fiquei intrigado com essa ideia de viver na idade da pedra, será que o genocídio dos aborígenes é sinônimo de civilização? A autodeterminação é muito mais do que uma norma ou preceito constitucional é a essência dessa organização social etnicamente diferenciada, Carlos Mares diz que queremos enquadrar as categorias indígenas em nossos olhares, tarefa impossível, seria como colocar um balão numa gaveta. Geertz, um antropólogo estaduniense, seria útil a esse senhor, para que despertasse nele uma sensibilidade jurídica diferenciada, entendendo que a cultura deve ser lida como um texto, dentro de um contexto. Fico a me perguntar porque iríamos intervir num grupo para retirá-los do seu modo tradicional de se organizar quando eles caçam, pescam, dançam, promovem seus saberes curativos e equilibrantes pelas energias da floresta, vivem a propriedade de forma coletiva, resolvem suas situações a luz da sabedoria dos mais velhos e são felizes sem colesterol elevado, fast food e outras neuroses advindas da dita civilização. Será isso viver na idade da pedra? Sem contar que as terras indígenas, dados estatísticos, são as mais preservadas da amazônia, isso é selvageria?
Você está coberto de razão, o tema das crianças é polêmico e demanda muita discussão, posso até oferecer o meu ponto de vista, que tenho certeza você conhece, mas tenho o direito de desconsiderar uma organização e violentar a cultura a partir do que eu entendo como correto? Não estou defendendo o infanticídio, até porque essa é uma categoria nossa, o tipo penal é descrito a partir da nossa carga valorativa, apenas engrosso o coro com você para que o debate seja amplo e não se tente, como quer esse senhor, retornar ao paradigma assimilacionista, que foi banido do nosso ordenamento com a CF/88. Os indígenas são senhores de seus destinos e não mais tutelados ou administrados pela FUNAI, quanto ao Magno Malta, faço minhas as suas palavras: "cala boca Magda".

5 comentários:

Anônimo disse...

O debate é bom. Ainda que algumas coisas do texto do Paulo sejam inatacáveis, como a necessidade de sensibilização à diferença e tolerância, permanecem ao menos para mim pontos obscuros:

okay, não vamos intervir na vida da comunidade, mas o que acontece "na fronteira"? O que acontece, por exemplo, quando um não-índio é exposto às práticas de um determinado povo indígena CASO tais costumes sejam totalmente coerentes para aquele povo, mas atentatórios às categorias da legislação nacional? Há um conflito normativo; como resolvê-lo?

a comparação pode soar - e ser mesmo, sei lá- superficial, mas por que razão somos contrários ao trabalho infantil em comunidades rurais? "Por que iríamos intervir num grupo para retirá-los do seu modo tradicional"? Suponhamos que a organização ali também atribui um valor e uma importância ao trabalho, havendo muitos sentidos em aprender o ofício e ajudar no sustento familiar, mesmo que com prejuízo da educação formal;

os índios têm autonomia, diz o Paulo. Não são mais tutelados. Então por que inúmeros acontecimentos precisam ainda de chancela do órgão? Por que persiste a legislação que determina ser necessária autorização da Fundação para ingresso em TI? Por que não basta o mero convite de liderança? Por que, p.ex, contratos têm que ser assistidos pela Funai, sobretudo se forem questionados judicialmente? Por que ainda há ideia de hipossuficiência? Tudo isso é, para mim, zona cinzenta - ou vai ver que é só deficiência da minha massa cinzenta, falta de leitura.

Daniel Scortegagna disse...

o debate deve ser amplo e blá blá blá etnocentrismo blá blá blá whiskas sachê, mas o que importa MESMO é não deixar crianças indígenas desamparadas e sendo comidas por onças... é ou não é???
por favor.....

o nobre yúdice deve saber, mas não custa deixar aqui, acerca da lei muwaji:

http://leimuwaji.blogspot.com.br/2009/06/quem-e-muwaji-suruwaha.html

no mais, ótimo blog

abraços

Yúdice Andrade disse...

Das 22h17, suas ponderações são muito boas. Gostei mesmo. Enquanto lia, minha mente de penalista já começou a funcionar e pensei que você pode estar mais certo do que imagina.
Realmente, se estivermos falando de uma verdadeira comunidade tradicional, o raciocínio a ser empregado deve ser exatamente o mesmo do aplicado aos indígenas. Porque o fato de não criminalizarmos os indígenas não se baseia em falta de conhecimento dos fatos ou em incapacidade mental, mas no aspecto antropológico de acreditar em certo "modus vivendi", como condição de sobrevivência do grupo. E esse raciocínio pode ser aplicado aos povos tradicionais - claro que não em relação a um homicídio, mas certamente em relação a casos como o que você sugeriu: exploração de trabalho. Creio que também seria aplicável, em tese, para caso de castigos corporais ou até mesmo para casamentos de menores de 14 anos, que nos termos da lei implicariam em estupro de vulnerável.
Ótimo questionamento. Quisera eu que todos os comentaristas tivessem o seu nível!

Daniel, acessei o link e, sem dúvida, é uma história triste, que nos faz refletir. Agradeço a sua fé em mim, mas eu desconhecia o caso. Contudo, ele é um recorte. Mesmo admitindo a sua premissa, de que acima de tudo devemos proteger as crianças, fora das situações limite, precisamos definir modos de interagir com os povos indígenas para o cotidiano. E aí o debate terá que seguir os caminhos por onde temos enveredado.
Abraços.

Anônimo disse...

Oi, Yudice. O das 22 sou eu, Anna. Volto de madrugada, insone mãe de recém-nascido!

Aproveitando: não sei se tens como reparar, mas há um pequeno problema na caixa de comentários: à medida que escreves, não é possível apagar os caracteres eventualmente errados; tens que "refrescar" a página e começar tudo de novo.

Anônimo disse...

a história do link do é um recorte, fato, mas que ocorre em números alarmantes, muito maiores do que nossa vã filosofia possa imaginar, uma vez que os grupos indígenas são, mesmo os "aculturados" e com maior contato, isolados e os casamentos endogâmicos são prática recorrente e, de certa forma, não se pode escapar deles, pelo número de indivíduos de um grupo ... é só ver desta forma: as probabilidades de que falhas genéticas ocorram em grupos de cruzamentos fechados aumenta exponencialmente, o que faz com um número maior de crianças indígenas nasçam com problemas, somados ao fato que não existe acompanhamento pré-natal e e temos ai um número alarmante de casos de onças com crianças na barriga... falou-se tanto em aborto de anencéfalos e esquece-se destas terríveis mortes de crianças NASCIDAS, assassinatos frios, e não existe antropólogo, historiador, filósofo, psicólogo, indiólogo e o que mais seja que faça este fato mudar: são crianças, protegidas constitucionalmente pelo estado brasileiro... mas, como são indígenas, relegadas a segundo plano... o discurso relativista é belo, mas falso, a mesma pessoa que condena a morte por apedrejamento no irã releva o assassinato de inocentes em seu quintal... mas deixa pra lá né, índio é índio, eles que se entendam - o problema é o politicamente correto, não se pode falar que o índio, neste caso, frise-se, deve se abster de seu comportamento tradicional