segunda-feira, 31 de março de 2014

Cinquetenário do golpe

Há 50 anos, os militares iniciavam o golpe de Estado, debochada e ridiculamente classificada como "revolução", que de efetivo trouxe a supressão da democracia no país; a ruptura do modelo republicano, centrado na separação de poderes independentes; a implementação de uma política econômica que culminou no descalabro da década de 1980, a "década perdida"; a institucionalização da violação de direitos individuais, através de prisões ilegais, tortura e execuções, atingindo inclusive parentes dos verdadeiros suspeitos; a contaminação do sistema educacional por disciplinas ideológicas e moralizantes, ao lado da depauperação das universidades, além de outras mazelas.

Tudo isto junto, o Brasil chega ao ano de 2014 com indicadores gerais bastante atrasados, notadamente uma parcela significativa de sua população que continua acreditando em uma suposta ameaça comunista da qual o país precisava ser salvo; em um mundo dividido entre bons (a direita ultraconservadora) e maus (qualquer um que questionasse a direita ultraconservadora); em governos militares nos quais não existiria corrupção e outras falácias e absurdos, mais atrozes do que a burrice desbragada e que tanto custou à nação, ainda não pacificada.

Após ler a biografia de Carlos Marighella, escrita pelo jornalista Mário Magalhães, não fiquei com grande estima pela figura de João Goulart. Concordo com aquele autor que Goulart tinha o ordenamento jurídico do país e forças atuantes em defesa da legalidade, mas preferiu submeter-se à humilhante instauração artificial do parlamentarismo, implantado apenas para solapar-lhe o poder, e o resultado foi que isso não protegeu nem Goulart, muito menos o Brasil.

Mesmo assim, reconheço que o discurso proferido por Jango no Automóvel Clube (Rio de Janeiro), horas antes da deflagração do golpe, permanece absolutamente atual:


A minoria (numérica) de privilegiados continua aí, embora haja outros protagonistas. O olhar cravado no passado, que é onde estão fincadas as raízes de um modelo societário aristocrático e excludente, explica a persistência de discursos escandalosamente incondizentes com a realidade. A democracia segue sendo um valor respeitado mais por quem ainda não conseguiu dela beneficiar-se. E as forças reacionárias querem, com renovados ódio e energia, impedir a integração das classes mais baixas à divisão dos bens, materiais e imateriais, que ensejam o verdadeiro desenvolvimento.

As palavras acima poderiam ser ditas hoje, em qualquer foro, e seriam atuais. E o pior: hoje, o pensamento retrógrado e segregatório está amplamente disseminado por toda a sociedade, causando estupor que os alijados das benesses defendam os mesmos pontos de vista, notadamente a violência. Mas é como acontece.

A noite da exceção pode ter acabado, mas o dia não raiou. Até porque os mecanismos democráticos ainda são severamente incipientes, na realidade. Então é como se estivéssemos no final da madrugada, vendo os albores ao longe. Mas bem ao longe. Só podemos desejar que a luz vença.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ótimo comentário
Kenneth