Poucas coisas hoje nos colocam tanto na linha de tiro da opinião geral quanto defender a racionalização do punitivismo, a minimização do direito penal. Não fazemos isso porque desejamos ser lenientes com criminosos, muito menos estimular a criminalidade e a violência. Fazemos isso porque acreditamos que um sistema jurídico deve ser melhor do que os indivíduos que merecem punição e, para tanto, deve ser mais humano, mais piedoso, menos passional. Contudo, não há argumento que seja ouvido pelos que já estão de cabeça feita e pelos que, não fazendo jamais a própria cabeça, estão sempre prontos a deixar que ela seja comandada por terceiros.
No começo deste mês, um caso horroroso comoveu a cidade: uma mulher, doente mental, teria estrangulado a própria filha de 6 anos. No alvoroço que se seguiu, a mulher se armou com um terçado e tentou se matar, ferindo a si própria. Acabou presa, sendo levada pelos policiais presa com um lençol ensanguentado. Por decência, não colocarei nenhuma imagem disto.
Dias se passaram e, enfim, o laudo necroscópico foi emitido, atestando que a pobre criança morreu em decorrência de um edema pulmonar agudo, causado por alguma doença não tratada que possuía. Não houve homicídio. O que se especula, agora, é que a mulher teria surtado ao ver a filha morta, que teria tentado reanimá-la. A confusão posterior piorou o seu estado e ela atentou contra si mesma. A ausência de indícios de crime já começou a produzir efeitos e a suspeita foi liberada da prisão.
O primeiro questionamento a fazer é: se havia notícia de que a mulher sofre de problemas mentais, por que a mandaram para uma prisão comum? Não poderiam, ao menos, colocá-la numa ala hospitalar? Mas a colocaram em contato com outras detentas e estas, seguindo o código de conduta da prisão em relação a quem mata crianças, espancaram a suspeita. Ao menos é o que a advogada está afirmando.
Agora pense um pouco: não fosse esse laudo necroscópico, o que seria feito dessa mulher? Como ela seria tratada pelo sistema penitenciário, pelo poder judiciário, pela imprensa, pelas outras presas? O que a sociedade diria dela e o que pediria que fosse feito com ela? Pena de morte, no mínimo. Essa é a consequência de falar do que não se sabe e de colocar o fígado e não o cérebro como o órgão que deve comandar os nossos atos.
Então, mais uma vez, lembro que um sistema penal de garantias existe e deve ser assegurado, pelo ordenamento e pelas instituições, com apoio de toda a sociedade, porque os fatos são obscuros, as provas são por vezes inconclusivas e os sentimentos não são bons conselheiros. Esta é uma exigência da razão, mas é também uma exigência da Constituição de 1988. Pense nisso.
Fonte: http://www.diarioonline.com.br/noticia-242453-.html
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