sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Psicografia como prova judicial

Certa vez, um aluno me procurou querendo que eu orientasse sua monografia de conclusão de curso, versando sobre a admissibilidade da psicografia como meio de prova no processo penal. Não me animei, mesmo sendo espírita. Aliás, justamente por ser espírita, é muito difícil, para mim, ficar empolgado com assuntos que me parecem objeto de seriedade e respeito. Não digo que o aluno estava sendo empolgado ou desrespeitoso, neste caso específico; apenas que ele precisaria refletir muito mais sobre um tema dessa natureza antes de apostar sua formatura nele.

Na verdade, a maior razão pela qual eu desestimulei a iniciativa foi considerar que, no corpo docente, haveria resistências à proposta, que era declaradamente de aceitação, correndo-se o risco de se avaliar o trabalho por lentes ideológicas ou de fé, em vez de avaliá-lo por critérios acadêmicos e metodológicos. Pessoalmente, penso que universidade é isso: ousar, não ter medo de enfrentar temas espinhosos, inusitados, até assustadores. Eu mesmo penso em me dedicar um dia a essa questão, mas não é minha prioridade, até porque o direito processual me aborrece.

A Federação Espírita Brasileira editou, há muitos anos, o livro A psicografia ante os tribunais: o caso Humberto de Campos. Na sinopse da editora: "É um livro que se constitui em documento histórico para a Doutrina Espírita no Brasil. Trata da ação judicial movida pela viúva e filhos de Humberto de Campos, contra a FEB e Francisco Cândido Xavier, na qual foram pleiteados os direitos autorais sobre a obra psicográfica recebida do Espírito Humberto de Campos. O autor da presente obra, o advogado Miguel Timponi, relata todo o processo, desde a inicial até a decisão final da justiça, ao reconhecer que, para fins legais, os direitos autorais não podem ser atribuídos a um Espírito desencarnado. Estabelece interessantes comparações entre a obra de Humberto de Campos encarnado e como Espírito, reunindo opiniões de professores, psiquiatras, poetas, cientistas e juristas, que atestam a autenticidade do estilo do escritor póstumo."

O interessante neste livro é que, ao contrário do habitual proselitismo das religiões, nele a argumentação reforça a ideia de Estado laico. Timponi, pare defender os demandados, alega que conceder direitos autorais aos familiares e herdeiros de Humberto de Campos exigiria que o Poder Judiciário se pronunciasse formalmente sobre a existência da imortalidade da alma, sobre a comunicabilidade dos Espíritos, sobre a mediunidade e sobre a identidade daquele que se apresentou a Chico Xavier como sendo o famoso escritor e ditou certas obras. E não cabe ao judiciário se pronunciar sobre tais assuntos, porque eles tocam à fé e não às relações civis. Muito, muito interessante de ler.

Lembrei-me do caso ao me deparar, casualmente, com a publicidade de um curso sobre o tema, no site Migalhas. Veja:

Psicografia e Prova Judicial
Data: 3/10
Horário: 19h às 21h
Local: Centro de Treinamento LEX (Av. Paulista, 1.337 - 23º/24º andares, SP - ao lado do Ed. da Fiesp, em frente ao metrô Trianon-Masp)

Objetivo
Desenvolver reflexões sobre a validade acerca das mensagens psicografadas valoradas como prova judicial, haja vista que o ordenamento jurídico tem-se deparado com casos em que essas mensagens foram admitidas como prova.

Público-alvo
Agentes de Direito em geral.

Programa do Curso
01. Serão desenvolvidas reflexões acerca da ciência, da filosofia da ciência e dos paradigmas científicos
02. Princípios Constitucionais do Processo e os Princípios Probatórios referentes ao desenvolvimento do assunto
03. Reflexões sobe o Direito à Prova
04. Desenvolvimento do termo psicografia como fenômeno mediúnico e posteriormente como prova judicial, analisando os assuntos acima tratados

Instrutor(es)
- Michele Ribeiro de Melo 
Mestre em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Eurípides de Marília - Univem (2012); Graduada em Direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília - Univem (2009); Coautora da obra Teoria Geral do Direito: Ensaios sobre Dignidade Humana e Fraternidade; Integrante do Grupo de Pesquisa Reflexões sobre o Ensino Jurídico Brasileiro, coordenado pela Profa. Dra. Raquel Cristina Ferraroni Sanches, pelo Centro Universitário Eurípides de Marília – Univem e Professora de cursinho preparatório para carreiras jurídicas

Forma de pagamento
Curso Gratuito

A LEX Cursos reserva-se o direito de alterar datas, horários e mesmo cancelar programas, de acordo com o número de interessados. Em caso de imprevisto com o docente, este será substituído sem alteração do programa.

Carga horária
2 horas

Realização
Editora Lex

Achei curioso e por isso prestei atenção aos dados da instrutora, mas não havia nenhuma indicação de atuação religiosa. Daí me chamou a atenção o nome da instituição em que ela leciona, que me fez pensar em Eurípedes Barsanulfo. Não era o Barsanulfo, mas o Centro Universitário Eurípedes de Marília é uma instituição confessional espírita e eu confesso minha ignorância: não sabia que havia instituições de ensino confessionais espíritas. A UNIVEM está reconhecida pelo Ministério da Educação desde 1974 e a fundação educacional que a mantém existe desde 1967. Oferece 12 cursos de graduação, pós-graduação lato sensu e mestrado em Direito, este desde 2000.

Acho que assuntos como este devem ser debatidos por pessoas que consigam administrar com seriedade o conhecimento da matéria, as habilidades acadêmicas e as características próprias da teoria do direito, sem empolgação e muito menos proselitismo.

Numa consulta rápida à internet, encontrei alguns escritos sobre o tema, que indico para eventuais interessados, destacando que não os li, por isso não posso opinar sobre suas virtudes:

3 comentários:

Anônimo disse...

Tanta besteira... fantasmas... crenças em reencarnação... pura fantasia... justiça não vai se preocupar com essas infantilidades...

Yúdice Andrade disse...

Você deveria ser mais flexível, das 18h11. Veja o seu caso: não tem nome, apelido, imagem, origem... É um fantasma!
Então você não existe?

Unknown disse...

Prezados, boa noite! Primeiramente, nossos agradecimentos pela postagem de assunto tão importante e que foi debatido na academia. Como diz um conhecido palestrante, magistrado mineiro, Haroldo Dutra Dias 'a ignorância tudo sabe e quanto mais estudamos, percebemos o quanto não sabemos nada, pois reconhecemos nossa ignorância'. O presente livro foi tema de dissertação de mestrado em direito, obtendo nota máxima na Academia, fazendo parte da banca examinadora ninguem menos que um Magistrado, professor da Unicamp, um Procurador do Estado, doutor em Direito e o PHD, filósofo e professor da UNESP, UNICAMP, Oswaldo Giacóia Jr...Mas o bom debate sempre é importante...Sugestiono a comprarem a obra e quem sabe, quem se interessar vir discutir o mesmo tema na academia...O livro aborda aspectos históricos,científicos, filosóficos e jurídicos...Conhecereis a verdade e ela vos libertará! Já dizia o grande Mestre. O restante é preconceito, incompreensão e intolerância. O que é inadmissível nos dias de hoje. Eu tenho o livro, li e recomendo! Abraços a todos!