domingo, 13 de novembro de 2011

"A família é eterna"

Confirmando a fama de produtora de excelentes telefilmes, o canal estadunidense HBO produziu Cinema Verité (no Brasil, com o sub-título "A saga de uma família americana"), dirigido por Shari Springer Berman e Robert Pulcini e lançado este ano. A obra narra a história verídica do primeiro reality show de que se tem notícia: An american family, apresentado ao grande público no ano de 1973. O objetivo era, oficialmente, mostrar o dia a dia de uma autêntica família americana, na qual todas as demais famílias americanas pudessem espelhar-se, naqueles tempos de guerra fria. Para tanto, o autor da ideia e produtor do programa, Craig Gilbert (James Gandolfini) escolheu a família Loud, composta pelo marido bonito e economicamente bem estabelecido, pela esposa bonita e moderna e pelos cinco filhos bonitos, populares e com um futuro promissor.

O filme é estrelado por Diane Lane (Procura-se um amor que goste de cachorros, Sob o sol da Toscana, Mar em fúria, etc.) e pelo oscarizado Tim Robbins (Sobre meninos e lobos, Um sonho de liberdade, O jogador, etc.), que vivem o casal Pat e Bill Loud, que parecem prósperos e felizes ao aceitarem se tornar um paradigma para a sociedade, sem ganhar dinheiro para isso. Mas como diz o próprio Gilbert, em tom profético, na frente de uma câmera, as verdades aparecem. E diante das câmeras, começa a se desenrolar um drama familiar que culmina com um divórcio assistido por 10 milhões de pessoas. Parte desse drama, o primogênito do casal, Lance, é hostilizado por sua homossexualidade.

Após a exibição da série, um ano depois das gravações e do rompimento nada amistoso entre Pat Loud e Craig Gilbert, os americanos começam a ver como uma família perfeita pode ser bem diferente do esperado, com suas mentiras, traições, frustrações e preconceitos. Os Loud caem em desgraça e precisam reagir, o que fazem através de programas de TV.

Cinema Verité é um O show de Truman sem o elemento absurdo. É um evento possível (tanto que aconteceu), no qual um cineasta e produtor inescrupuloso mente e manipula pessoas ingênuas com um único propósito: conquistar audiência e retorno financeiro para seu programa, ainda que ao custo da perda da privacidade de uma família, cujo sofrimento é explorado impiedosamente. Lembre-se que nunca antes fora feito um programa do gênero, por isso os Loud simplesmente não têm onde se agarrar.

À esquerda, a versão 2011. À direita, os verdadeiros Loud.
É interessante ver como Craig Gilbert chega todo cheio de boas intenções, propondo aos Loud inspirar os americanos com seu modelo perfeito de família. Para tanto, promete assegurar um limite de privacidade e editar o filme, que só exibiria aquilo que os protagonistas quisessem. Mas os conflitos que surgem com a equipe de filmagem contratada revelam uma verdade bem diferente. O casal Raymond se afeiçoa à família e age sempre com profundo respeito, alegando razões éticas. Gilbert exige que eles filmem os momentos mais constrangedores dos conflitos. O debate entre ética e interesses econômicos em um programa de TV está inaugurado e segue atualíssimo até os nossos dias.

Gilbert desenvolve com Pat uma relação de confiança que beira a sedução e, graças a isso, consegue dirigir suas emoções para culminar no divórcio, manipulando-a em nome das mulheres que precisam de sua ajuda para se livrar de casamentos fracassados. Um cínico, que acabou sofrendo sua própria desgraça: An american family foi seu último trabalho.

Sorrindo, Gilbert engana a família Loud
No final, ficamos com a sensação de que o bem vence o mal, ainda que não seja muito evidente o que isso significa. Considero altamente valioso, porém, que o filme aparentemente mostra algo em que acredito. Aplicado ao tema família, a lógica seria esta: perfeita não é uma família sem problemas, mas uma que consegue enfrentar com dignidade todos os que surgem. Após a tormenta, cada indivíduo se torna mais forte e sincero e o grupo, mais unido. Isso permitiu que o filho gay da polêmica família, que se tornou cantor de punk rock e morreu aos 50 anos devido a complicações da AIDS, sob os cuidados incessantes de uma irmã, emitisse uma sentença bela e emocionante:

"A família é eterna. Ela é vista no formato das orelhas ou nas iniciais esculpidas nas árvores. Nem divórcio ou TV podem destruí-la. Nós continuamos de pé. Com orgulho."
Lance Loud, 1997

Você entenderá perfeitamente o filme se ler esta resenha.

Um comentário:

Lili disse...

Filme incrível com ótimos atores. Mostra a dignidade de uma família nada perfeita mas que se mantém unida e apostando na verdade.
Uma mãe sensacional.
Vale a pena ver.