terça-feira, 10 de abril de 2012

Planejamento criminoso: impressões preliminares

O Direito Penal atual reconhece o princípio da lesividade, segundo o qual uma conduta não pode ser incriminada a menos que represente um dano efetivo ou, no mínimo, um perigo concreto a um bem jurídico. Graças a isso, não deveriam mais existir os chamados crimes de perigo abstrato, que permitiriam a punição a partir de uma mera presunção de perigo. Consagrado na doutrina, tal princípio não é homenageado pelo sistema de justiça criminal, que é mais preocupado com números e resultados. Exemplo disso foi a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que validou os crimes de direção sob efeito de álcool e de porte ilegal de arma de fogo como tipos de perigo abstrato.

Uma das implicações do princípio da lesividade é a impunibilidade de atitudes internas, da simples cogitação ou de meras tendências criminosas. Por isso, o conceito de tentativa de crime sempre exigiu um começo de afetação ao bem jurídico. Na clássica sequência de passos para a prática de um delito, que chamamos de iter criminis, temos a cogitação, a preparação, a execução e a consumação. Como expressamente determina o art. 14, II, do Código Penal, uma conduta somente se torna punível quando ingressa na fase de executiva. Mas é o caso de perguntar: precisa ser realmente assim ou podemos ampliar a incidência da norma incriminadora?

Sem fazer juízos de valor, analisando apenas a técnica, não haveria nenhum impedimento absoluto a se instituir a punibilidade dos atos preparatórios, desde que passássemos a entender que eles já representam, ao menos, perigo concreto a um bem jurídico, o que certamente parecerá até óbvio ao cidadão comum. O projeto de lei sob comento é viável, portanto.

Lendo a justificativa do senador, que é bacharel em Direito, percebe-se que ele tomou cautelas para evitar os questionamentos que sem dúvida alguma seriam feitos. Concordando ou não com a iniciativa, já merece um elogio pelo extremo cuidado em prevenir atentados a valores basilares do Direito Penal. Veja-se:
  • Procurou esclarecer que os atos preparatórios puníveis seriam aqueles que, sem margem a dúvidas, indicam uma inequívoca intenção de delinquir e um começo de movimentação para a breve efetivação do crime, tais como a contratação de pistoleiro ou ajustes descobertos através de interceptação telefônica.
  • Em vez de criar uma regra esparsa de punibilidade, teve o cuidado de estabelecer um novo conceito, formalmente apresentado no mesmo artigo que define a consumação e a tentativa.
  • Manifestou preocupação em não banalizar o instituto (incluiu um "elemento temporal" como critério de punibilidade), assim como se reportou expressamente ao princípio da lesividade, embora chamando por outro nome e preocupando-se com eventual cunho autoritário da norma.
  • Recorreu ao princípio da taxatividade, para que a punibilidade dos atos preparatórios fique restrita às modalidades de homicídio doloso e aos crimes hediondos. Aqui vai uma crítica às opções do proponente, que recai num clichê. Por que esses delitos, apenas? Essa ridícula obsessão por crimes hediondos sempre recai no esquecimento de crimes asquerosos, como a redução à condição análoga à de escravo, o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e outros. Por exemplo, sugiro os crimes contra a Administração Pública.
  • Preocupou-se com o princípio da proporcionalidade, estabelecendo que a pena do crime planejado será menor do que a do tentado, o que corresponde à evidente menor atuação do agente. Mas se observa que há hipóteses em que as penas podem ser iguais. Isso é um problema, em tese.
Eu realmente não sou de todo contrário à proposta. Acho que, no atual estado de desenvolvimento da criminalidade, é razoável pensar-se em uma medida desse teor. E, no plano ético, realmente faz sentido que se penalizem certas condutas preparatórias, quando claramente graves. Aguardemos o desenrolar do processo legislativo. E eu aceito, é claro, opiniões diametralmente opostas, até mesmo para fins de convencimento.

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