domingo, 22 de abril de 2012

Reforma do Código Penal VIII: furto, tráfico de pessoas e abuso de autoridade

A Agência Brasil informou sobre as mudanças aprovadas na sexta-feira pela comissão de notáveis que elabora o anteprojeto de novo Código Penal. Na reunião, as propostas foram estas:
  • Em casos de furto simples, especialmente se a coisa furtada for de pequeno valor, a pena prisional seria substituída por multa.
Parabéns aos notáveis pela iniciativa de descarcerizar o furto. Não é de hoje que defendo a extinção da punibilidade de todo e qualquer crime patrimonial não violento, desde que haja a reparação do dano, podendo-se admitir ainda um limite temporal para a atitude espontânea do furtador. Continuo achando esta uma iniciativa bem melhor do que simplesmente sancionar a conduta com multa, até porque a multa é paga ao Fundo Penitenciário Nacional e não à vítima, deixando de atender a algo que, penso, deveria ser o objetivo maior da norma. Mas nada impede que as duas medidas sejam aplicadas cumulativamente.
O grande problema é que a esmagadora maioria dos condenados, neste país, é de gente que não tem um pau para atirar no gato, portanto a punição através de multa pode se tornar simplesmente inútil. De acordo com a lei brasileira, quem não pode pagá-la não paga e nada lhe acontece. Por conseguinte, a medida deve se fazer acompanhar de uma alternativa. E penas não prisionais deveriam ser aplicadas também a um número bem maior de crimes.
Outras medidas também relacionadas ao furto dizem respeito à redução da pena máxima, de 4 para 3 anos (a fim de viabilizar a proposta de suspensão condicional do processo, em caso de réus primários), além de condicionar a ação penal pública à representação do ofendido. As duas ideias tendem a reduzir o número de ações penais em tramitação por furto.
  • Criação de um novo tipo de furto, qualificado por ser cometido em situações de calamidade pública ou de desgraça alheia, furto de bens públicos ou de execução usando meios que possam ensejar perigo comum, notadamente o uso de explosivos, para atingir a recente onda de ataques a caixas eletrônicos.
As hipóteses de qualificação são justas, porque correspondem à evidente maior gravidade das condutas. A maior punibilidade dos ataques a caixas eletrônicos era uma medida esperada, já que esse é o crime da moda há algum tempo. Muito melhor que a medida seja implementada numa reforma geral do CP do que nessas leis autorizadoras que surgem de repente e mais atrapalham do que ajudam, como ocorreu com a criação do tipo de "sequestro-relâmpago".
  • Aumento da pena para o crime de tráfico de pessoas, que deixa de ser limitado à finalidade de exploração sexual e passa a cobrir, também, as finalidades de tráfico de tecidos humanos e de submissão a condições análogas à escravidão.
Um dos dois crimes para os quais sempre clamei aumento de penas. A ampliação do tipo penal também era necessária, já que não fazia sentido criminalizar o tráfico apenas para fins sexuais, quando pessoas são tratadas como mercadorias também com outras finalidades. Os juristas foram bastante sensatos em suas escolhas. Contudo, a notícia não informa, por isso deduzo que tal crime não foi classificado como hediondo, o que é um absurdo que acabará sendo perpetuado. Se há um crime que merece ser hediondo e ainda não é, trata-se do tráfico de pessoas, para qualquer finalidade. Fico realmente atônito em pensar que não há nenhuma mobilização social em torno disso, mas não falta quem defenda até o linchamento para o ladrãozinho de rua.
  • Aumento da pena do crime de abuso de autoridade para 2 a 5 anos de prisão.
Outro aumento de pena absolutamente indispensável. Atualmente, o abuso de autoridade está tipificado pela Lei n. 4.898, de 1965. Uma lei com esse conteúdo elaborada em plena ditadura militar não poderia mesmo ser levada a sério. Veja que as penas são exíguas (10 dias a 6 meses de detenção, que pode ser aplicada cumulativamente ou não com multa e perda do cargo, com inabilitação para o exercício de qualquer função pública por até 3 anos), o que já as torna inócuas caso aplicadas, além de aumentar consideravelmente o risco de prescrição, ainda mais num contexto em que o corporativismo engaveta os processos, sobretudo disciplinares, instaurados para apurar faltas funcionais.
É sumamente absurdo que uma prisão ilegal, que o tratamento violento e desnecessário, dentre outras situações perpetradas habitualmente por autoridades públicas, estivesse submetido a uma punibilidade tão exígua.

***

Lembremos que os trabalhos da comissão devem ser encerrados no próximo mês, com a entrega do anteprojeto ao Senado. A partir daí, o surgimento da nova lei dependerá da diligência das duas casas do Congresso Nacional, em ano de eleição.
No mais, destaco que o objetivo destas postagens sobre a reforma do Código Penal é analisar as propostas enquanto elas são inteligentes e não passionais, porque conduzidas por juristas sérios. A partir do momento que houver um projeto no Congresso Nacional, aí a irracionalidade, o foco nos resultados eleitoreiros e as próprias valorações subjetivas amalucadas podem por muita coisa a perder. Aí caberão outras análises, mas pode ser que menos jurídicas...

2 comentários:

Anônimo disse...

Tá certo então. Se eu conseguir furtar a tua carteira, te devolvo uma da mesma marca nova, só que sem nada do que tinha antes dentro e não serei punido por isso. Depois me conta das horas perdidas para cancelar cartões, emitir 2ª via de todos os docs., e etc, compensam pagar uma multa.

Yúdice Andrade disse...

Tá bom, tá bom. Vamos instituir a pena de morte, então, para todo e qualquer delito, sem distinção. Está feliz, agora?
PENA DE MORTE JÁ!