sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Contra a dublagem

Anthony Hopkins como Hannibal Lecter em O silêncio dos
inocentes (1991): exemplo de atuação primorosa. Tom,
inflexão, ritmo da voz seduziram público e crítica. Não é
qualquer dublador que poderia chegar ao menos perto.
A progressiva substituição de filmes legendados por dublados é controversa, mas é uma realidade. Eu, que em geral escolho o lado mais radical e menos popular das controvérsias, me inscrevo entre os que odeiam filmes dublados, mesmo sabendo que os dubladores brasileiros são reconhecidos como dos melhores do mundo. Se o filme é dublado, eu desisto de ver, seja no cinema, seja em casa.

Começa que eu não tenho preguiça de ler. Mas, acima de tudo, quero ter a oportunidade de conhecer a obra como ela realmente foi feita. Isto inclui não apenas a interpretação dos atores, mas a própria edição do som original (ainda que haja uma faixa de som exclusiva para as vozes). Infelizmente, é a preguiça que está ditando o novo estilo. Cheguei a pensar que havia alguma determinação oficial nesse sentido, mas quando procurei informações a respeito, descobri com pesar o que temia: segundo reportagem de 2012, que li, a questão é mesmo de mercado.

Nos filmes de animação, as dublagens oferecem abordagens
peculiares, que costumam ser bem interessantes. Contudo,
nos últimos anos têm sido degradadas pelo horroroso
sotaque carioca, suas gírias e erros de português ("mó
comédia" e "tu casô", em
Os Incríveis [2004], são exemplos
gritantes). Chegou-se ao absurdo de colocar Luciano Huck,
que não é ator, para dublar o personagem Flynn Ryder
(
Enrolados, 2010), só por causa de uma piadinha sobre nariz.
Insuportável escutar.
Os autores da matéria relacionam o fato à "ascensão de uma nova classe média", acostumada a ver filmes dublados em casa e que agora quer servir-se da mesma conveniência nos cinemas. O resultado é o grande aumento de cópias dubladas. E quanto mais popular o filme, maior o problema, chegando em alguns casos a ser difícil encontrar uma sessão legendada. Eu já deixei de ver filmes porque não havia uma só sessão legendada na cidade.

A dita reportagem informa que, segundo  pesquisa do Datafolha, 56% dos entrevistados prefere filmes dublados! Certos filmes são lançados com 2/3 de cópias dubladas e estas faturam mais. As trevas estão dominando.

O drama se estende à TV a cabo, que muitas vezes exibe programas sem a opção do som original. De novo, muitas vezes fico sem assistir. E nem adianta reclamar que isso é coisa de país subdesenvolvido. Pelo contrário: trata-se de uma tendência mundial. Em países como Alemanha e Itália, raro é encontrar uma sessão legendada. A França age de modo semelhante, para valorizar o próprio idioma. Na Espanha (1941), atitude semelhante foi decretada pelo ditador Francisco Franco e durou cinco anos.

Sabemos que existem pessoas com necessidades especiais ou simplesmente analfabetas (esta última uma realidade que deveria, mas ainda não foi erradicada). Em respeito à igualdade de oportunidades, não proponho a limitação de dublagens públicas somente aos filmes infantis. Isso seria tolice. O que proponho é o equilíbrio, para quem leitores e ouvidores tenham idêntico acesso ao lazer. É inaceitável que certos filmes não ofereçam dublagens nem em sessões tardias, que normalmente não são frequentadas por crianças e idosos.

Enfim, o filme que quero ver ainda conta com algumas sessões legendadas. Mas já não posso escolher o cinema como antes. Triste.

Um comentário:

Edyr Augusto Proença disse...

Além de tudo, uma imensa e trágica falha de Educação. As pessoas não conseguem ler as frases rápidamente e nem bem estão na metade em seu tatibitate e já há outra fala. Um absurdo monumental.