"A inserção da fotografia do acusado na peça da denúncia só é admissível se houver necessidade específica, devidamente demonstrada e fundamentada. Afinal, o Estado não pode ser o violador do direito de imagem, garantido pela Constituição."
Com esse entendimento, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul confirmou decisão do primeiro grau, que mandara excluir a fotografia do réu da denúncia, porque compete ao réu determinar o uso de sua imagem.
Quem me conhece sabe o quanto prezo as liberdades individuais e o quanto me bato por um direito e um sistema judiciário que respeitem a constituição. Por outro lado, irrito-me profundamente com o excesso de prurido em torno do tema dos direitos, que reputo uma consequência de nossa incapacidade de amadurecer frente ao nosso passado ditatorial. Um fenômeno social que se repete no modo como muitas famílias, hoje, educam seus filhos: lutou-se tanto por liberdade que, no dia em que conseguiram alcançá-la, tal qual o cachorro que corre atrás do automóvel, não souberam o que fazer com ela.
No caso dos direitos, o grande problema é que sua consagração não trouxe junto a noção de que deveres fazem parte do pacote. Ou como dizia Montesquieu, "até a liberdade deve ser restringida, a fim de ser possuída".
Sou totalmente avesso ao sensacionalismo contra acusados de crimes e defendo que os mesmos têm o direito de preservar a sua imagem frente a esses programas tétricos de TV, matérias jornalísticas e congêneres. Em geral, eles são obrigados a mostrar o semblante para as câmeras e até a conceder entrevistas. Policiais seguram seus rostos para cima, a fim de que sejam filmados. É essencial que sejam vistos, para que possam ser reconhecidos no futuro. Isso é violência.
A denúncia, contudo, é a peça por meio da qual o Ministério Público demonstra a sua convicção preliminar em torno de certo crime e pede que o indivíduo seja julgado e condenado pelo fato. Dados qualificativos são apresentados: nome completo, filiação, sinais particulares, etc. Por que não uma fotografia? É somente mais uma forma de qualificação, para cumprir a finalidade da lei: assegurar que a pessoa certa está sendo processada e não um homônimo ou alguém parecido. Mas se o direito à imagem é assim tão absoluto, então até mesmo a qualificação pessoal deveria ser questionada. E aí como viabilizar a ação penal?
E em relação a perícias? Laudos de exame de corpo de delito ou reconstituições, p. ex., hoje cada vez mais documentados em mídia eletrônica. Eventualmente, o acusado pode aparecer nessas imagens. Elas não podem ser usadas? Não posso capturar uma tela para incluir no meu arrazoado, para tentar demonstrar algum aspecto relevante? Ou, no máximo, tenho que borrar a imagem? São diversos questionamentos, problemas que simplesmente não existiriam se as pessoas fossem um pouco mais razoáveis.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que tantas contribuições já deu ao avanço do direito penal, agora se excedeu, a meu ver. Lamento muito por essa decisão exagerada, que tomo por um sintoma de nossa sociedade atual, onde todo mundo é altamente suscetível, se ofende com tudo, se magoa, sofre, chora, arranca os cabelos e exige compreensão de Deus e do mundo. Em suma, um cenário em que todo mundo tem muitos direitos e dever nenhum.
Anote aí: isso não vai dar certo.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2013-out-27/foto-reu-denuncia-agride-direito-fundamental-decide-tj-rs
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