terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Desculpinha cínica

O patrão reúne seus empregados e avisa que dificuldades econômicas forçaram a redução dos quadros. Por isso, avisa, dos quatro, terá que despedir três. Uma mulher toma a palavra imediatamente:

— Eu não posso ser despedida. Sou negra e, se me despedirem, isso será um ato de racismo!

— Eu também não posso ser despedido! — fala o mais velho do grupo. — Se me despedirem, será preconceito contra um idoso!

— Olha, não quero nem saber — intervem o rapaz que puxa uma perna —, mas despedir um deficiente físico é crime, na forma da lei!

O último do grupo, um rapaz forte e saudável, olha para os lados e imediatamente começa a desmunhecar:

— Gen-tem, eu nunca falei nada para vocês, mas sabe o que é?...

A anedota acima, que me contaram outro dia, espelha um fenômeno que foi originalmente estudado em relação aos judeus e negros. Possui um nome científico, mas não consigo me lembrar qual é. Consiste em você se prevalecer da condição de membro de uma minoria social para obter privilégios, como não sofrer demissão. Sim, é uma forma de se fazer de vítima. Mesmo que a redução dos quadros se deva a razões estritamente econômicas, você acusa o empregador de antissemitismo ou de racismo e, com isso, coloca uma faca em seu pescoço. Em alguns países, como os Estados Unidos, onde o risco de processos é grande, tem gente que se apavora ante essa perspectiva.

Recordo-mo, por sinal, de um antigo episódio do seriado E.R. (Plantão médico, no Brasil) em que a enfermeira Jeanie Boulet (Gloria Reuben) é despedida pela chefe da Emergência, Kerry Weaver (Laura Innes) por razões diversas mas, sentindo-se injustiçada, procura a direção do hospital e avisa que dias antes contara à chefe que recebera um diagnóstico positivo para HIV. Portanto, se a demissão se consumasse, processaria o hospital por discriminação. O motivo da dispensa realmente não fora esse, mas o hospital fica acuado e a enfermeira consegue o que quer. Isso exemplifica o que ora abordo.

É assim que chego ao assunto do momento na Internet: o suposto estupro que teria ocorrido no pior programa da TV brasileira. A Globo, num primeiro momento, portou-se com a habitual arrogância e tentou botar panos quentes na situação. Depois sentiu o tamanho da pressão feita pela opinião pública e queimou o participante, declarando que, após rigorosa análise das imagens, concluíra pela prática de conduta "inadequada". Apesar de implicitamente lançar o sujeito à ação da polícia, com essa declaração, a emissora não prestou maiores esclarecimentos sobre sua decisão, que permanece tratada como segredo empresarial, além de não ter facilitado a diligência dos policiais que compareceram ao PROJAC.

E aí vem a mãe do rapaz — vá lá, é mãe, quer proteger o filho — e cria a tese de defesa: o filho não fez nada criminoso e está sendo vítima de racismo! Não explica por qual razão o racismo poderia ser vislumbrado no caso concreto; diz apenas que é o caso e pronto. Como os personagens da anedota acima. Uma vez feita a "denúncia", tratará a discriminação como verdade absoluta.

Numa palavra: ridículo. Não estou fazendo juízos de valor sobre a inocência ou culpa do acusado. Mas a tese de racismo é ridícula.

***

Todos devem saber o quanto abomino esse programinha repugnante, por isso alguém pode estranhar eu dar atenção a ele aqui no blog. Mas há uma razão. E a razão é eu querer que o povo brasileiro, que soube se indignar com este fato específico, saiba também aprofundar a discussão e investigar suas causas.

A baixaria é linda!
O Big Brother Brasil é um programa no qual pessoas supostamente anônimas (mas bem relacionadas na emissora) ficam confinadas numa casa confortável em total ócio e vagabundagem. O roteiro não lhes oferece um só ato de utilidade. Passam o dia malhando, nadando, fumando, bebendo e armando safadezas. Uma vez por semana, a produção realiza uma festa onde empurra bebida e estimula a licenciosidade, porque o objetivo da produção é ver o circo pegar fogo. Quanto mais baixaria, mais audiência. Tanto estimula que, segundo li, no dia do suposto estupro, o ex-jornalista e agora apresentador panaca Pedro Bial mostrou uma imagem dos dois e brincou, dizendo que o amor era lindo. Como assim, Bial? Amor?

Dá para entender se lembrarmos que Bial era chegado em embolachar a atriz Giulia Gam, quando eram casados. Forma curiosa de amar, sem dúvida.

Então me pergunto: alguém vai cobrar da Globo a sua responsabilidade por criar as condições para que um episódio desses tenha acontecido? Porque festa, cansaço, bebida e ausência de valores nunca produziu bons resultados.

Querem saber? Desejo que esse episódio, qualquer que seja o desfecho quanto aos envolvidos diretos, traga como consequência uma revisão da imagem que esse público jeca possui do entretenimento que lhe é oferecido. Que a ficha caia. Quem sabe. Vamos espiar mais um pouquinho (o noticiário, não essa josta).

6 comentários:

Anônimo disse...

Estupro mesmo é o que a GLOBO fez com seus telespectadores. Quem se presta a ver uma porcaria dessas, esse verdadeiro lixo, não pode querer nada a mais. Dedicar horas de seu tempo, meses a fio, para aguentar essas subcelebridades, não é para qualquer um.

Todos eles só têm o primeiro nome e o sobrenome é igual, só mudando o número, que certamente não é de alguma linhagem real. É a Maria do BBB3, o Beto do BBB 5 , o Euclides, aquele do BBB 31, etc. O legal é que todos se acham no direito de reivindicar um "programa" na TV, e todos têm agentes, já notaram?

O escritor mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, morto na 2ª feira, disse em recente entrevista algo mais ou menos assim : é uma pena que todas as casas brasileiras têm TV, mas poucas delas possuem um livro que seja.

É isso. O Brasil é televisivo, e o que nos oferecem é só porcaria. Será que esses alienados que assistem a esse programa não se tocam da porcaria que assistem? Que lazer é esse? O que soma para melhorarmos nossa sociedade?

E o pior é milhares deles ainda pagarem uma grana para "assistir" integralmente a edição na TV paga. Não sabia que havia tantos masoquistas assim.

Kenneth Fleming

Vitor Martins Dias disse...

Yúdice, a questão é: como conversar seriamente sobre regulação do conteúdo da mídia sem cair no medo da censura? E isso não tô falando do lobby contrário, das emissoras contra o governo, que, pelo pouco que tenho contato, está lutando para implementar um programa sério nesse tema. Tenho amigos que abominam completamente a ideia de controle midiático, afirmando que isso é um golpe populista do PT e por aí vai...enquanto isso, estamos vendo o que vemos.

autor disse...

Muito bom, Yúdice!


GEnte, isso sim é controle social! O programa chegou a níveis tão insuportáveis de baixaria que levou a uma mobilização inimaginável e a emissora foi forçada a tomar medidas. E já li por aí que até os patrocinadores do programa estão avaliando os impactos do vexame que foi esse fato em suas marcas.

Anônimo disse...

Queria saber a sua opinião: ante as evidências, o senhor acha que ocorreu mesmo um estupro?
Sei que essa análise depende de um estudo minucioso do caso. Porém, gostaria de saber se, pelo menos, aparentemente, houve estupro ou não.

Anônimo disse...

Não esqueçam que em televisão existe controle remoto e aqueles que não se satisfazem com o conteúdo do progranma exibido basta clicar e mudar de canal. Simples assim, pelo menos na suposta democracia que se busca, deve ser assim ,liberdade para que o cidadão assista aquilo que lhe convem e não assista aquilo que não lhe convem.

Yúdice Andrade disse...

Kenneth, vivo repetindo que o governo deveria assegurar psicoterapia gratuita para todos os brasileiros. Há razões para eu sugerir isso e você aponta algumas delas.

E um controle terrível, Victor, porque se presta a oferecer o quê? A produzir cidadãos de que tipo? Sugiro a leitura do livro "Fahrenheit 451", de Ray Bradbury. É a comparação que faço.

Das 22h58, considerando a redação atual da lei, se o rapaz praticou atos libidinosos, tais como toques genitais (para destacar que não é necessário haver penetração), com a moça desacordada, tem-se em tese o estupro de vulnerável, sim. As imagens dão a entender que foi essa a situação, mas prefiro não fazer uma afirmação categórica, ainda mais com a própria garota declarando à polícia que estava acordada e que foi consensual.
Imagino a razão de ela fazer isso.

Ninguém se esqueceu de que cada um assiste ao que quer, das 10h15. Mas não é proposta deste blog ser condescendente com as fraquezas alheias. Assim como eu recebo críticas aos meus textos, você terá que aceitar que a vida em sociedade lhe traga críticas aos seus hábitos. É assim que funciona.