quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Um homem bom

Se eu lhe indagasse sobre cineastas brasileiros trabalhando em produções de vulto fora do país, provavelmente você me responderia, de chofre: Fernando Meirelles e Walter Salles. Não lhe ocorreria o nome de Vicente Amorim, de quem só tomei conhecimento ao observar a abertura do filme Um homem bom, produção anglo-alemã de 2008.

De camiseta branca, Amorim com os atores
principais de
Um homem bom
Nascido em Viena, Áustria (1966), por ser filho do diplomata Celso Amorim, nosso protagonista dirigiu 8 filmes, dentre eles O caminho das nuvens (2003), com Cláudia Abreu e Wagner Moura, e foi assistente de direção em outros 11, destacando-se Luar sobre Parador (1998), Tieta do Agreste (1996) e Bossa nova (2000). Também trabalhou como editor e escreveu roteiros.

Formou-se em Cinema pela Universidade Federal Fluminense e trabalhou em TV (lembra o seriado A justiceira, da Globo, de 1997, aquele com a Malu Mader?) e publicidade.

O filme a que ora me reporto não é nenhum grande sucesso do cinema, o que pode ser percebido pelo pouco que se encontra sobre ele na Internet. Sites que publicam críticas confiáveis são omissos a seu respeito, o que é uma pena, pois valeria a pena trocar ideias sobre a obra, notadamente a sua interessante cena final. Quanto a Amorim, se você concluir que se trata de um cineasta menor, saiba que Um homem bom teve um orçamento de 15 milhões de dólares, muito, muito superior ao que se gasta nos atuais filmes nacionais, mesmo com o inegável crescimento do cinema nacional. Para comparar, um dos maiores triunfos de nosso cinema, Tropa de elite 2 (dir. José Padilha, 2010), foi orçado em 16 milhões de reais.

Não desmereça o rapaz, portanto. Além disso, chama a atenção que uma produtora estrangeira lhe dê espaço. E uma produtora da Europa, região onde ainda se privilegia o conteúdo, o valor humano da obra sobre os interesses meramente comerciais. Ele teve, assim, a oportunidade de trabalhar com atores como Viggo Mortensen (o Aragorn, da trilogia O senhor dos aneis, de camiseta vermelha) e Jason Isaacs (o Lucius Malfoy da série Harry Potter, que os fãs do bruxinho não reconhecerão na camisa azul, pela ausência da cabeleira loura lisérrima que ostentava como comensal da morte).

Adaptado de uma peça de teatro, Um homem bom (Good) conta a estória de John Harden (Mortensen), um professor universitário alemão da década de 1930, que escreve um romance no qual um homem ajuda sua esposa doente a morrer. Como o governo nazista exercia rigorosa fiscalização sobre tudo o que se produzia no país, para assegurar que as obras intelectuais se mantivessem fieis ao ideário do nacional-socialismo, Hitler e seu ministro da propaganda, Goebbels, tomam conhecimento da obra e se interessam pela relativização do conceito de dignidade da vida humana. Você não terá nenhuma dificuldade em entender o interesse do Führer nessa flexibilização.

Harden é convocado para escrever um artigo que, como podemos deduzir, deve abrir brechas ideológicas para hipóteses em que a vida não seja sacralizada. Até então avesso ao nazismo (considerava Hitler um idiota que logo passaria), Harden não tem como recusar o encargo e se vê compelido a filiar-se ao Partido, ideia que sempre rechaçara. Aceita sob o argumento de que teria apenas um "cargo honorário" no partido.

Com alguma sutileza, o filme mostra Harden se desincumbindo de diversas tarefas pontuais que os nazistas lhe impõem e, com isso, vai subindo de patente e melhorando de vida, ao mesmo tempo em que deixa a esposa por uma amante mais jovem e bonita e enfrenta a doença terminal da mãe. Em relação a esta, não apenas recusa as ideias de seu romance como chega a impedir o seu suicídio.

O psiquiatra proibido de trabalhar e o capitão
da SS, que preferia ser chamado simplesmente
de "professor".
À medida que a situação piora para os judeus, torna-se impossível a relação entre Harden e seu amigo e ex-terapeuta Maurice Gluckstein (Isaacs), que é judeu. Os dois rompem, mas Maurice retorna para pedir ajuda: precisa sair do país antes que seja tarde. É nesse momento que se instala o maior dilema moral do protagonista. Ele rejeita os valores do nazismo, mas tem medo. Creio ser melhor parar por aqui. Se eu prosseguir, inevitavelmente incorrerei em spoilers, prejudicando aqueles que porventura desejarem ver o filme.

Acredito que o maior mérito de Um homem bom é abordar os aspectos humanos dos anos imediatamente anteriores à eclosão da II Guerra Mundial, prosseguindo por ela, já que a trama termina no ano de 1942. Não se fala da guerra em si, não vemos personagens históricos e mesmo a questão central é tratada com certa superficialidade. Mas penso que isso nos permite preencher os espaços com nossas impressões e emoções particulares. Um filme simples, mas foi bom ter visto. E eu realmente gostaria de debater com alguém a cena final. Então, por favor, assista e volte aqui para me contar o que achou, por favor.

Fontes:

3 comentários:

Anônimo disse...

Já tinha visto e achei de fato um filme muito bom.Me leva a pensar a respeito de que não faz o mal somente quem o pratica,mas também quem o deixa ser praticado.Esse filme merecia bem mais do que teve.

Nathali

Anônimo disse...

Vou assitir, onde você locou, Fox? Tenho estudado a reação dos alemães que não concordavam com o nazismo, e refletido até que ponto a omissão generalizada dos não seguidores não pode ser considerada como uma ratificação tácita? Ou mesmo se ante a realidade da época, tal questionamento não é absurdo? Pois então, concordaríamos com o trabalho escravo no Pará, assunto de sua última postagem. Forte abraço!
Bruno Brasil.

Yúdice Andrade disse...

Nathali, numa frase simples você me fez entender melhor o mote do filme.

Pelo que vejo, Bruno, "A fita branca" te influenciou, não é? Vi o filme pela Sky, mas certamente é possível encontrá-lo para locação.