No ano passado, fez sucesso nas redes sociais o vídeo de uma capixaba de 19 anos que, altamente embriagada, envolveu-se num acidente de carro e, abordada por policiais, protagonizou uma cena ridícula, com direito a tentar fumar dinheiro e ligar o carro usando um canudo plástico. Para variar, a desgracenta era estudante de direito e prestou um desserviço à categoria colocando-se numa postura superior, acima da responsabilidade, além de dizer que estudantes de direito sabem encontrar as brechas da lei.
Na época, comentei com amigos que, fosse minha filha, essa moleca ia se arrepender do dia em que pôs a primeira gota de álcool na boca, mesmo que fosse um simples Listerine (só uso colutórios 100% sem álcool). E tinha curiosidade de saber que fim teve tão honorável criatura. Minha curiosidade, enfim, foi saciada.
A estudante não sofreu processo nem foi condenada, mas não foi necessário recorrer às brechas da lei; ao contrário, bastou aplicar a lei vigente. Como os delitos que contra ela pesavam eram de menor potencial ofensivo, foi possível recorrer aos benefícios da Lei n. 9.099, de 1995, e por meio de transação penal (a reportagem fala em "acordo"), ficou decidido que ela prestará 6 horas semanais de serviços à comunidade, durante 4 meses, no Hospital da Polícia Militar de sua cidade, Vitória.
Chamou-me a atenção que a reportagem, ao cometer um erro técnico, acabou dizendo uma verdade. A frase é: "Além dos serviços prestados à comunidade, a mãe de Luiza vai ter que pagar R$ 400 em cestas básicas..."
Como a responsabilidade penal é personalíssima, nenhuma pessoa além do próprio infrator pode sofrer as consequências de seus atos (princípio da intranscendência da pena e seus consectários). Na transação penal, não se pode assumir compromissos para terceiros cumprirem. No entanto, como se trata de uma garota que ainda depende financeiramente da família, é óbvio que os encargos não pessoais serão suportados pela mãe e não por ela, situação por sinal bastante corriqueira.
Essa é a razão pela qual há penalistas que se opõem às penas de natureza estritamente pecuniária, eis que são impessoais; não se pode garantir de onde sairá o dinheiro. Se o sujeito, p. ex., é condenado ao pagamento de uma multa e um parente abastado doa o dinheiro, a multa será paga e a questão penal, resolvida. Contudo, o infrator não terá sofrido qualquer consequência de sua má conduta, o que pode inclusive gerar um efeito nocivo de impunidade. O tiro pode sair pela culatra.
Enfim, a capixaba vai trabalhar pela comunidade. Espero que a experiência funcione para ela, fazendo-a se sensibilizar um pouco com os problemas do mundo, com vistas a perceber que não deve tornar-se mais um deles.
5 comentários:
dificílimo isto acontecer em outras sociedades. por experiência própria, de haver residido fora do país e por possuir parentes estrangeiros, sei que é incomum por demais isto ocorrer em outros lugares, especialmente na europa não-ibérica (infelizmente herdamos a maioria da nossa cultura dela...) por um simples motivo: o caboclo atingiu a maioridade, é atingido pelas responsabilidades dela decorrentes - vai trabalhar, vai estudar (sem ajuda financeira nenhuma dos genitores), vai viver a sua vida - papai e mamãe te amam, mas vá viver. um fato que contribui para isso é que é bem difícil se manter estudando lá sem trabalhar, a esmagadora maioria dos estudantes trabalham de verdade lá, nem q seja meio-período, não é o famoso brasileiro estudante-estagiário (sem deméritos nenhum aos estágios, mas é que estágio, pela sua finalidade, não paga como bolsa, na maioria dos casos, nem um salário mínimo, tanto aqui como lá, e desta forma é impossível se manter)!!!! graças aos meus pais fui assim tb criado, e criarei meus rebentos desta forma!
COLUTÓRIOS!!!! É o que sempre digo. Blog também é cultura. Pedi um colutório na farmácia e a balconista quase me bateu. Mas a gente vai aprendendo.
Abs
Kenneth
Eu de novo. R$ 400,00 em "cestas básicas" ?? Que mal lhe pergunte, dá para comprar mais de uma?
Kenneth
Das 12h04, sua afirmação é verdadeira. É difícil divergir de um elemento cultural tão arraigado, mas já faz algum tempo que o "desmame" do jovem brasileiro, tardio e prolongado, começou a me incomodar. Não pelo fato em si, mas por algumas implicações que acaba trazendo. Decerto é reflexo do fato de que, em minha família, não havia papai ou mamãe para resolver as broncas nas quais eu me metesse (e nas quais, felizmente, não me meti!). Hoje, penso que os jovens deveriam buscar a independência e não o extremo oposto.
Muitos querem a autonomia do dinheiro no bolso (ou do cartão), mas sem a obrigação de conseguir esse dinheiro. De dirigir um carro que não comprou e que não abastece. De badalar, namorar e transar como se nada disso tivesse um antes, um durante e um depois. Falta querer a autonomia de assumir as rédeas da própria vida, sem transferir ônus para pai e mãe, simplesmente porque estão nessa condição.
Essa eu aprendi com o meu ortodentista, Kenneth. Logo na primeira consulta, ele me mandou usar colutório diariamente. Fiquei muito aflito com essa recomendação, mas para minha sorte ele imediatamente recomendou as marcas que considerava melhores e até me exibiu um frasco, o que foi um alívio.
A palavra é estranha, mesmo. Mas este bloguinho de vez em quando ensina umas coisas bacanas, modéstia à parte!
Quanto à pergunta, acho que o texto queria dizer pagar cestas básicas no valor de 400 reais. Mas sou tão invocado com esse papo de cesta básica que nem sei se era mesmo isso...
Acho interessante que o jovem comece a trabalhar e ter suas responsabilidades, mas não concordo com o modelo americano de "fez 20 anos e mora com os pais, é um fracassado (ainda que trabalhe e estude)".
Esse individualismo me assusta um pouco, é melhor morar só do que com a família, mesmo sendo solteiro?
Marajoara.
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