Para quem achou que a onda de manifestações pelo Brasil afora são mera agitação da juventude, sem consequências práticas, que lhes parece a presidente da República receber os líderes do Movimento Passe Livre, convocar governadores e alguns prefeitos e anunciar medidas que tocam em feridas bem severas da realidade brasileira? Alguém acha que isso não é nada? Mais dramático do que isso, só a Globo deixando de exibir duas novelas para acompanhar, em tempo real, as agitações em diferentes cidades!
Criticada pelo silêncio acerca do principal acontecimento no país, ontem Dilma Rousseff falou. Se fosse tucana, viria com algum discursinho de união pelo Brasil, elencaria suas muitas realizações e coisa e tal. Mas Rousseff não é assim. Em vez disso, chegou chutando o balde, fazendo umas propostas com cara de inócuas, com cara de cortinha de fumaça, mas uma delas muito séria: a reforma política.
Reforma política é assunto velho na pauta das grandes discussões republicanas e apareceu como item das reivindicações dos atuais manifestantes das ruas. Ela nunca ocorre por razões óbvias: os congressistas, investidos do poder de reformar a constituição, não têm o menor interesse em promover mudanças que dificultem os desmandos, o oportunismo, o fisiologismo, a corrupção, o tráfico de influência e tudo mais que serve de recurso habitual para locupletamento.
A proposta de reforma política, contudo, chegou incendiando o mundo jurídico. Afinal, os grandes constitucionalistas imediatamente se pronunciaram alertando que não existente constituinte parcial, pela metade, temática, etc. Só existe Assembleia Nacional Constituinte, com poderes para elaborar uma nova constituição, do zero, tratando sobre tudo, absolutamente tudo. Esta interpretação foi sustentada inclusive por ministros do Supremo Tribunal Federal, na ativa, aposentado e ainda por tomar posse. Recado dado.
E aí a oposição e os críticos começam a dizer que Rousseff é burra e despreparada. Será? Sem dúvida, a proposta está incorreta e causa estupefação, eis que o caminho correto seria uma emenda constitucional. Mas não é motivada por burrice. A presidente, com esse gesto, deixa clara sua visão de que os atuais senadores e deputados federais não têm estatura moral para bulir com a constituição. A constituinte seria a única forma de convocar outros brasileiros para tão relevante missão, deixando os atuais titulares de mandatos eletivos cuidando apenas das tarefas de sempre.
Infelizmente, a boa finalidade não se reveste de uma forma jurídica adequada. Não vai dar para fazer assim e Rousseff terá que lidar com o desgaste decorrente de suas intenções. E, imagino, não será um desgaste pequeno.
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