sexta-feira, 28 de junho de 2013

Réplica e tréplica sobre a incoerência

Acerca da postagem anterior, que ironizava a eleição de Fernando Henrique Cardoso à Academia Brasileira de Letras, um comentarista me escreveu este reproche:
Essa frase foi invenção. Ele já negou que tenha falado isso. Dá uma pesquisada. Muito provavelmente foi criada pelo PT pra embaraçar ele, simplesmente porque não se ganha eleição elogiando o adversário.
E sejamos justos: o Lula passou o tempo todo falando mal do FHC e, quando assumiu ao governo, manteve a mesma política econômica que ele estabeleceu, o que, na verdade, demonstra que as críticas eram só bravata eleitoral. Se o Lula, do jeito malandro dele, reconheceu o acerto do Plano Real, não tem o menor sentido o próprio FHC renegá-lo.
Calma aí, Yudice. A tua repulsa pelo PSDB acaba nublando o teu julgamento e acaba afetando a tua credibilidade.
Minha resposta:
Das 23h45, grato pelas ponderações, mas:
1. Nunca achei que FFHH tenha dito essa frase. Ele é um homem muito culto e jamais diria uma sandice dessas. No entanto, ele não disse, mas fez. Conheci sociólogos que se referiam a ele como "a vergonha da classe". Pode ser que esse mito tenha sido criado por sociólogos ou acadêmicos, não necessariamente pelo PT. Nesse caso, a prevenção é da sua parte.
2. Verdade que Lula manteve a política econômica do antecessor e essa foi uma das razões de eu me decepcionar com ele e logo me tornar um crítico de seu governo. Procure, no blog, postagens chamadas "Breve histórico de uma exaustão", em duas partes. Foram escritas logo no começo do governo Lula e mostram a minha frustração.
3. Se é para sermos justos, vale destacar que o Plano Real não é uma criação de FFHH, como os desinformados insistem em dizer, para louvá-lo. O cara era o ministro da Fazenda na época e acabou levando o crédito. Mas havia um time de economistas por trás da concepção do plano, à frente Pérsio Arida. Eles, sim, é que deveriam levar o mérito, mas seus nomes não são sequer conhecidos por quem não é do ramo. Além disso, do ponto de vista hierárquico, se alguém devesse ser elogiado por tal plano, deveria ser o presidente da República, não o ministro.
4. No mais, o plano Real teve seus méritos, mas não era tão inquestionável assim. Veja como a política neoliberal de FFHH, mantida por Lula, condenou o país a um crescimento econômico pequeno e, ainda por cima, sem desenvolvimento real. Lembre, também, que FFHH não conseguiu evitar o retorno da inflação. Nos dois últimos anos de seu mandato, a economia estava piorando lenta, porém inequivocamente. A estabilidade só veio depois, já com Lula. Contudo, para sermos justos, aprendi no mestrado que Lula é um cara de sorte: a estabilidade veio não por méritos de sua gestão, mas porque a conjuntura interna e internacional foram favoráveis, até a crise de 2008.
5. Tenho repulsa pelo PSDB, sim, porque não governa para seres humanos. São elitistas e arrogantes, pessoas diferenciadas que não toleram dividir lugar no avião com a empregada doméstica. Governam sob projetos grandiosos, para encher os olhos, mas não se ocupam de atender as necessidades basilares da população. Foi por se preocupar com este aspecto que o governo Lula, com seus muitos e horrorosos defeitos, aniquilou as chances de retorno dos tucanos ao poder. E ainda que "aniquilar" seja um termo forte, ele também se aplica para as eleições de 2014. Espere para ver.
6. Lembremos, também, do Consenso de Washington, o odioso protocolo econômico neoliberal, criado na década de 1980 e subscrito por FFHH em 2000. Assinado de caso pensado. Para sermos justos, também devemos lembrá-lo por isso.
7. Meu julgamento é menos obnubilado do que parece, meu caro. Tanto que reconheço os erros e os vícios das esquerdas. Não faço a linha maniqueísta direita má vs. esquerda boa. Tenho consciência de que a esquerda pode ser, e frequentemente é, péssima. O problema é que a direita sempre é péssima. Ainda não tive o prazer de ver um exemplo em sentido contrário. Se houver algum, por favor me conte.
Agora cabe a você, leitor, julgar.

4 comentários:

Anônimo disse...

Como, na postagem, consta que "Mas não foi justamente FFHH, o príncipe dos sociólogos, quem disse, ao assumir a presidência da República, "esqueçam tudo o que eu escrevi"?" acabei concluindo que você acreditava que ele realmente tinha dito essa frase. Mas, pelo jeito, interpretei errado. Achei que fosse o PT o autor da frase porque quem mais critica o FHC é ele. De qualquer forma, esse é o tipo de coisa que nunca vai se ter certeza, já que ninguém vai aparecer pra assumir a paternidade desse tipo de coisa.
O Plano Real, claro, não foi criação única do FHC, mas como ele era o capitão da equipe econômica, o mérito acabou sendo atribuído a ele, da mesma forma que o PAC não é criação só da Dilma, mas ela é a única que é chamada de "mãe do PAC". Todo grande projeto é resultado de esforço coletivo, mas apenas um ou outro acaba levando o reconhecimento, o que é injusto, mas acaba acontecendo.

O Itamar tem o mérito de ter permitido a implantação do Plano Real, mas a parte técnica foi toda da equipe econômica. Uns anos atrás, lembro do próprio Itamar dizendo (acho que foi no Manhattan Connection, mas não tenho certeza) que não entendia, na época, exatamente de que forma o plano resultaria no controle da inflação, principalmente a parte da instituição da URV. Mas como nada mais tinha dado certo, ele preferiu tentar. Esse tipo de confissão, em que se reconhece as próprias limitações, tem que ser elogiada. Se fosse outro, sairia dizendo que tinha tudo sob controle, pra posar de salvador messiânico.

O Plano Real, claro, tem as suas falhas e merece algumas críticas. O problema que eu vejo nisso é que se espera dele mais do que ele se propôs a fazer. O seu objetivo era derrubar a inflação e reequilibrar as contas públicas. E isso ele fez. Agora, outras questões, como gerar um crescimento econômico grande e consistente dependem de outras reformas estruturais, que fogem ao Plano Real. Sozinho, ninguém faz milagre.

Anônimo disse...

Pessoalmente, acho que a escolha do Lula de manter a política econômica do FHC foi positiva, porque garantiu o controle da inflação e, considero que aspectos macroeconômicos saudáveis são essenciais para que se possa progredir, mas, claro, isso, por si só, não é suficiente para transformar um país.

Aliás, a Dilma sempre criticou o Plano Real e teve uma coerência quanto a isso que o Lula não teve. Ao assumir o governo, relegou o sistema de metas de inflação ao segundo plano, deixou de se preocupar com o superávit primário (que só é alcançado através de mudanças na contabilidade pública) e passou a mitigar o regime de câmbio flutuante (o Mantega já deixou escapar que não deixa o dólar cair abaixo de R$1,85). O resultado disso foi crescimento de 0,9% e inflação de 6,5%, algo que não pode ser atribuído a fatores externos, já que outros países da América Latina cresceram mais, como o Peru (6,5%)e Uruguai (3,9%). Em 2012, tivemos o segundo pior crescimento da região, só perdendo para o Paraguai, que teve recessão (-1,2%). Este desempenho baixo está se repetindo esse ano.

Nos dois últimos anos do FHC, a economia realmente sofreu uma deterioração gradativa é isso foi resultado de um aumento do câmbio, que levou a diminuição das reservas. De qualquer forma, isso tem um certo desleixo dele como um das causas.

Sobre o fato de serem elitistas e arrogantes, isso é uma questão de percepção pessoal e vai de cada um. Acho que isso se deve a própria imagem dos figurões do partido, que estão sempre engomadinhos e falando em tom professoral e acadêmico e não tem nenhum carisma(o Alckimn é um grande exemplo disso). O Lula, pelo contrário, é carismático e fala numa linguagem bem coloquial, o que favorece a imagem de "sujeito bacana e gente boa". Acho que a questão do elitismo é mais de forma do que conteúdo. Não acho que, internamente, eles desejam o aumento da desigualdade social, mas, novamente, entramos em uma área de opinião bem pessoal.

Sobre o Consenso de Washington, não conheço bem as circunstâncias sobre as quais ele foi acatado. A minha memória desse evento é bem superficial. Então não tenho como avaliar até que ponto ele é positivo ou negativo.

Eu posso tá enganado, mas acho que o fato de considerar que o PSDB governa para os ricos enquanto o PT governa para os pobres decorre da percepção de que o FHC se preocupou mais com aspectos macroeconômicos (que parecem distantes das necessidades do cidadão comum, como equilíbrio orçamentário) enquanto o Lula se focou na microeconomia (elementos que tocam mais concretamente a população, como aumento da renda). O problema é que uma coisa tá ligada a outra. Para que o Lula pudesse melhorar o cotidiano do brasileiro, era necessária uma etapa anterior de ajuste, que coube ao FHC. Sem fazer um, não tinha como fazer o outro.

Yúdice Andrade disse...

Meu caro, é que você não está acostumado a minha ironia permanente. Mas tudo bem, estamos entendidos.
Você tem razão em suas ponderações, sim. Aliás, quando escrevo esse tipo de manifestação, espero mesmo que alguém venha aqui oferecer o contraponto, pois só assim aprendemos mais, evitamos deslumbramentos, ganhamos uma dimensão maior de fenômenos complexos.
O melhor é que você o fez com educação e informações concretas, em vez de partir para a agressão, que é o mais comum. É de comentaristas assim que precisamos. Grande abraço.

Yúdice Andrade disse...

O Consenso de Washington é inerentemente péssimo, por ser a cartilha neoliberal: os países pobres abrem os seus mercados aos grandes, que não abrem os seus; o FMI e nações estrangeiras ditam políticas econômicas que afetam e até aniquilam a soberania nacional; e quem comanda o jogo são os banqueiros, no pior tipo de capitalismo, o financeiro, que gera apenas lucros para essa canalha, sem investir em produção e sem construir nada nos países em que está operando.