sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Apelar à emoção não vai adiantar

Justiça dos EUA discute meios de se obter confissões

A questão perante a Justiça do estado de Utah, nos EUA, foi: uma confissão de assassinato, obtida por um detetive da Polícia por chantagem emocional, é aceitável em um julgamento? Um tribunal do estado decidiu que não é. A Suprema Corte do estado decidiu que é.

Quando foi preso, em 2010, por matar uma "cliente", o traficante Delfino Arriaga-Luna foi interrogado, primeiramente, por um "mau" policial. Ele resistiu aos maus tratos e a todo tipo de pressão. Não admitiu o crime. Entrou em cena, então, o "bom" policial. Saiu com uma confissão escrita, de acordo com o jornal Salt Lake Tribune.

Essa é uma técnica antiga de interrogatório de suspeitos, bastante usada pela Polícia americana. Uma dupla de detetives representa o "bad-cop & good cop", ou o "mau policial" e o "bom policial". Um age com dureza, durante um longo e penoso interrogatório. O outro, que vem a seguir, mostra "compaixão" e procura consolar o suspeito, oferecendo-lhe cigarro, amizade e ajuda. As cenas já foram retratadas em filmes.

Exausto, Arriaga-Luna desabou quando o detetive "bom" começou a falar de suas filhas. Com toda "compaixão", o detetive explicou que, se não confessasse, poderia pegar prisão perpétua e passar o resto da vida distante das filhas. Se, em vez disso, confessasse, certamente pegaria uma sentença bem menor e um dia poderia sair sob liberdade condicional.

O detetive disse ainda ao suspeito que ele mesmo se encarregaria de explicar às filhas que cometeu um erro, mas que iria redimi-lo. E, com isso, manteria sua dignidade. Arriaga-Luna parou de resistir e fez o que o "bom" policial lhe pediu: confessou que matou Stephanie Williams, de 19 anos, por causa de uma dívida de US$ 200 dólares, decorrente da compra de drogas.

O tribunal não gostou da tática. Decidiu que o uso das filhas do suspeito para obter uma confissão equivale a coerção. Os advogados do réu haviam alegado que a conversa sobre as filhas equivalia a uma ameaça velada.

Mas a Suprema Corte do estado não concordou. Declarou que o detetive jogou limpo, porque a tática de trazer o assunto das filhas à baila não pode ser considerada coerciva. E que "o livre arbítrio de Arriaga-Luna jamais foi suprimido".

A decisão remete o caso a novo julgamento, em que os promotores poderão usar a confissão do réu à Polícia, porque, na opinião da corte, ela não foi obtida de maneira ilícita. O julgamento ainda não foi marcado.

O detetive sabia que Arriaga-Luna faria qualquer coisa pelas filhas, por causa de um episódio anterior. Depois do assassinato, ele foi denunciado pelo namorado da vítima, Victor Manuel Sanchez. Mas desapareceu. Contrariado, Sanchez teria sequestrado a mulher e as filhas do assassino de sua namorada e mandou espalhar a notícia de que elas só seriam libertadas se Arriaga-Luna se entregasse à Polícia. Ele se entregou.

Posteriormente, na Justiça, Sanchez negou que teria sequestrado a mulher e as filhas do réu. Declarou que apenas sugeriu a elas que viesse para a casa dele, porque ele arranjaria um encontro delas com Arriaga-Luna. Em seu julgamento, Sanchez foi absolvido da acusação de sequestro.

João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 29 de agosto de 2013

Apesar do discurso reinante de proteção às liberdades individuais, em um país que se considera a terra da liberdade, o punitivismo por lá dita as regras. Eles jamais deixariam de admitir esse meio de prova. Quanto a minha posição pessoal sobre o caso, estou meditativo.

Arriaga-Luna, aparentemente, é um criminoso de carreira. Não é bobo e sabe bem como agir em situações estressantes. Não o vejo como vulnerável, a ponto de precisar de especial proteção do sistema de justiça criminal. No entanto, incomoda-me profundamente que a polícia recorra a um método milimetricamente calculado de manipulação, pois denota uma opção político-criminal. Como sempre advirto, não podemos pensar em um "sistema" a partir de um caso isolado e, ainda por cima, um caso grave. Se assim for, estaremos instrumentalizando o indivíduo em favor do Estado.

A questão, portanto, é resolver se a manipulação emocional pode ser admitida como um meio probatório válido, independentemente do agente e do tipo de crime que lhe seja imputado. É nesse ponto que ainda me falta a necessária convicção.

2 comentários:

Anônimo disse...

Deve ser porque "o punitivismo dita as regras" que a situação de segurança lá é pior que por aqui, logo, as liberdades individuais não são garantidas, com a mera diferença de que por aqui os bandidos estão andando livremente nas ruas e as pessoas têm que viver trancafiadas em casas engradadas e por lá não. Que curioso e incoerente sistema, não?

Bacana mesmo são os juízes garantistas daqui, que deveriam sempre tomar medidas como essas aqui então, aí sim vamos para frente: http://www.conjur.com.br/2005-nov-25/soltar_presos_juiz_fez_opcao_dignidade_humana

Yúdice Andrade disse...

Desculpe, das 15h31, mas por uma questão de princípio eu só dialogo com alguém quando acho que existe alguma utilidade nisso. Dadas as premissas infantis e claramente tendenciosas que você assume - para esclarecer: haver muitos criminosos nas ruas não significa que eles andem "livremente nas ruas", porque mesmo sociedades lenientes e corruptas precisam passar a imagem de seriedade -, considero mais proveitoso que permaneçamos cada um de nós no próprio quadrado. Um abraço.