Ando cansado, genuinamente cansado das criaturas humanas, ao menos daquelas que gritam o tempo inteiro as suas mesmas certezas imorredouras, nascidas sabe-se lá de qual horroroso e tosco ventre.
Já escrevi, aqui no blog, em mais de uma ocasião, sobre não suportar mais que a política partidária brasileira esteja relegada à polarização PT-PSDB, o que considero uma causa de estagnação. Mas o que me leva a escrever, hoje, não tem a ver com isso. Meu ponto de partida é um cidadão chamado Amarildo de Souza, que oficialmente é (ou, mais provavelmente, era) pedreiro, mas oficiosamente seria traficante de drogas.
Amarildo foi conduzido por policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha em 14 de julho e nunca mais foi visto. Evolou no ar. Naturalmente, a principal hipótese é de que tenha sido (mais um) caso de execução sumária por policiais, ainda quando o detido não seja nada além de um suspeito. A versão alternativa é de que foi assassinado por traficantes. De certo, mesmo, até o presente momento, não há sequer a sua morte, pois nenhum corpo foi encontrado. Amarildo pode estar vivinho da silva, neste exato momento, vendo um pocket show de Elvis Presley em companhia de Ulysses Guimarães. Que me perdoem a piada mórbida.
Polícia acuada de violação aos direitos humanos, os resultados são inevitáveis: tanto Amarildo quanto sua esposa seriam criminosos. Ela nega. Instituições de direitos humanos envolvidas no caso acusam a polícia de querer criminalizar a vítima, lançando uma cortina de fumaça sobre a verdade. E a opinião pública, como reage? Cheguei ao ponto que me motivou a escrever.
Dois dias atrás, o ator Wagner Moura ganhou uma homenagem no Festival de Cinema de Gramado e aproveitou a visibilidade para fazer uma distinção à família de Amarildo. Demonstrando empatia, falou que gostaria de almoçar com o pai no dia seguinte, dia dos pais, mas não poderia fazê-lo face ao falecimento do genitor em 2011. Almoçaria, entretanto, com seus filhos. Já os filhos de Amarildo sequer sabem do pai. Atitude bacana, bem recebida pelo público na ocasião, coerente com o perfil de engajado político de Moura.
E o que fizeram os comentaristas da notícia? Sem se preocupar em saber se o pedreiro desaparecido é mesmo bandido, admitiram que seja. Alguns mencionaram uma extensa ficha de crimes. Por conseguinte, era um despropósito homenageá-lo. Mas nem foi isso que me incomodou. O que me impressionou mesmo foi um sujeito que mencionou uma jovem profissional liberal desaparecida. Já me esqueci dos detalhes. Mas parece que o carro da moça foi encontrado crivado de balas. Dela não se sabe. Ela sim merece ser procurada.
Eu realmente não aguento mais a prontidão com que meus conterrâneos dividem o mundo em preto e branco, bom e mau, certo e errado, vício e virtude. Essa dicotomia insana incide sobre os próprios seres humanos. Há os bons e os maus. Aqueles merecem a atenção e o empenho dos poderes públicos e, no plano subjetivo, merecem a nossa solidariedade. E estes não merecem absolutamente nada, sequer um nome e uma recordação. Pensar neles já é uma ofensa aos direitos ultrajados do lado bom da sociedade.
É inacreditável, mas o brasileiro médio realmente acredita na existência de um conceito sólido de bom e mau. Sólido ou minimamente razoável. Crê que é possível identificá-los com clareza. É tão irracional que nem há como responder a uma tal premissa. Mas as pessoas pautam suas vidas com base nessa convicção e, pior, estabelecem bandeiras de ódio a partir dela. Com velocidade crescente, o conceito de humanidade vai-se esvanecendo. Não há mais o ser humano, que vale por si mesmo, por ser gente. Existe apenas o "de bem" e o "vagabundo", cujos valores vêm predeterminados pelo rótulo.
E eu trouxe uma criança para viver neste mundo. Meu Deus, eu quase me sinto culpado por isso! Que caminhos seguir para tentar minimizar o que fiz, não sei. Ainda estou sob o impacto de minhas reflexões. Não tenho respostas. Isto é apenas um desabafo.
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