A mulher humilde pediu licença ao patrão: queria ir para casa, a fim de comemorar com o primogênito a aprovação no vestibular. Foi liberada, mas antes de sair levou um golpe: o contador da empresa achou que devia precavê-la: "filho de pobre não faz faculdade". Se chega lá, não se forma. O comentário, feito como uma espécie de advertência caridosa, foi recebido como um tapa na cara pela mulher, que se disse imensamente humilhada por ele. Mas foi comemorar com o filho.
Quatro anos mais tarde, a mulher teve a oportunidade de comunicar ao contador: "Olhe, vim lhe dizer que um filho de pobre está se formando". Ele entendeu o recado; não havia ressentimentos entre eles. Além disso, a mulher ainda podia comemorar que seu segundo filho também fora aprovado no vestibular. Passados cinco anos, ele também contrariou a regra sobre os filhos de pobre no ensino superior.
Esta história tem mais de 20 anos e somente foi possível porque os dois jovens mencionados deram a sorte de nascer em uma capital, onde havia uma universidade federal. Não fosse isso, teriam estagnado no ensino médio, porque lhes seria impossível pagar pela instrução superior. Talvez o fizessem mais tarde, quando tivessem algum salário suado para lhes abrir essa porta.
De lá para cá, muita coisa mudou. Os dois jovens viveram a universidade pública da década de 1990, um período crítico de desmantelamento do ensino público e de explosão das instituições privadas, muitas delas sem o menor compromisso com o conhecimento. Era o modelo educacional implantado pelo príncipe dos sociólogos, presidente Fernando Henrique Cardoso, e por seu ministro da educação, Paulo Renato Souza (já falecido), que se jactava de ter instituído um programa de universalização do acesso ao ensino fundamental. Só que, ao menos em uma primeira fase, o programa "Toda criança na escola" adotava como parâmetro o número de matrículas. Não havia, entre os indicadores de qualidade, o controle da frequência escolar, evasão e muito menos do nível de aprendizagem.
Ainda são ingentes as dificuldades que muitos brasileiros enfrentam para conseguir estudar (veja alguns exemplos nesta reportagem aqui, que nos faz repensar a mania de viver reclamando). Contudo, o povo parece cada vez mais convicto de que precisa da educação para crescer como gente e para ter novas e melhores oportunidades existenciais. A figura do lavrador que sentia raiva do filho que pedia para estudar, pois o lugar do moleque era na roça, ajudando a família, ficou no passado. Felizmente.
Em que pese tudo que pode ser dito contra os governos petistas (e meu desencanto com eles começou ainda no primeiro mandato de Lula, como você pode confirmar pelo histórico do blog), entendo que o Brasil deve ser muito grato pela nova política educacional, que está longe do ideal, mas que promoveu uma indiscutível ampliação do acesso dos mais pobres. Tudo bem, a política impede a verdade. O Jornal da Ciência, órgão da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, ainda no ano de 2010, desvelou algumas falsidades do discurso governamental sobre a criação de novas universidades. Mas, enfim, algumas foram criadas. E houve ampliação de vagas nas já existentes. A expansão do ensino privado caiu de ritmo.
Além disso, houve a percepção de que não adianta haver vagas se o indivíduo não possui condições de estudar. Por isso, merecem elogios os programas ProUni e FIES (este, substituto do crédito estudantil). Em minha limitada experiência pessoal, de 14 anos em uma instituição particular, posso assegurar que o perfil do corpo discente mudou bastante ao longo desses anos. A oportunidade do ensino bateu em portas onde antes quem tinha razão era aquele antigo contador.
Filho de pobre faz faculdade, sim. E se forma. Muitas vezes com louvor. Já estive em solenidades de formatura (não de Direito, por enquanto) em que os três premiados com a placa de honra ao mérito, pelas maiores notas ao longo do curso inteiro, eram acadêmicos viabilizados pelo ProUni. Dá gosto ver isso. Mostra como a educação transforma de verdade as vidas e isso não é clichê nem exagero.
E saiba: além das bolsas concedidas pela CAPES (programa PROSUP), o MEC está anunciando ProUni para programas de mestrado.
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