A execução penal, historicamente, é implementada de forma progressiva,
ou seja, à medida que o tempo passa, o apenado que mantém bom comportamento
ganha tratamento mais brando, podendo adquirir direitos que flexibilizam a
privação de liberdade, tais como as saídas temporárias, ou antecipam a própria
libertação, como o livramento condicional ou o indulto.
De um modo geral, as medidas próprias da execução penal, genericamente
chamadas de "benefícios" (embora nem todas sejam benefícios, porque
isto sugere mera liberalidade), são portanto condicionadas ao requisito
objetivo do cumprimento de uma fração da pena e ao subjetivo, que é o mérito do
apenado (ou do preso provisório, já que o absurdo da antecipação de pena é uma
realidade naturalizada neste país).
Uma questão de ordem prática que não é resolvida na doutrina (no Brasil,
preso é tão discriminado que até a doutrina o menospreza: basta comparar a
quantidade de obras sobre direito e processo penal frente às específicas sobre
execução, além de que estas costumam ser meros comentários sobre o texto da
lei, enfeitados com julgados dos tribunais) e que me dei ao trabalho de
perguntar a pessoas que trabalhavam na vara de execução penal, há alguns anos,
sem que soubessem me esclarecer, é a seguinte: como fazer a contagem dos prazos
quando o indivíduo está condenado por dois ou mais crimes distintos, sendo que
há um hediondo pelo meio?
Em artigo
bastante esclarecedor, dois especialistas sustentam o ponto de vista que, a meu ver, é o
único que cumpre tanto a literalidade da lei quanto, sobretudo, os fins
declarados da execução penal. Entendamos: a Lei de Execução Penal prevê prazos
diferenciados para acessar certos benefícios, se a condenação se deu por crime
hediondo. O entendimento esposado no artigo, com o qual comungo totalmente, é o
seguinte:
Para ser elaborado, o chamado cálculo discriminado (ou diferenciado) de
pena depende necessariamente da existência simultânea de condenações pela
prática de crimes hediondos (ou equiparados) e não hediondos. Tem-se, como
exemplo, a condenação de uma pessoa primária às penas de cinco anos de reclusão
pela prática do delito de tráfico, previsto no artigo 33, da Lei 11.343/06 (sem
direito à redução prevista no parágrafo 4° do mesmo artigo) e três anos de
reclusão pela prática do delito de porte ilegal de arma de fogo de uso
permitido, previsto no artigo 14, da Lei 10.826/03. Para fins de progressão de
regime, o indivíduo deverá cumprir 2/5 da pena imposta pela prática do crime
previsto no artigo 33, da Lei 11.343/06, mais 1/6 da condenação de três anos
oriunda do crime previsto no artigo 14, da Lei 10.826/03. Ou seja, no caso em
tela, o requisito objetivo para a progressão de regime prisional estará a
princípio preenchido com o cumprimento de dois anos e seis meses da reprimenda.
A discussão que se coloca aqui é a de definir como deve ser feito o
cálculo das frações necessárias aos direitos da execução penal (notadamente
livramento condicional, progressão de regime, indulto e comutação de pena) nas
hipóteses de continuidade delitiva entre delitos hediondos (ou equiparados) e
não hediondos.
Transformemos as assertivas do artigo em números. A progressão de regime
está subordinada ao cumprimento de um sexto da pena (LEP, art. 112) mas, em se
tratando de crime hediondo, esse prazo será de 2/5 ou 3/5, conforme o condenado
seja ou não reincidente (art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072, de 1990). Assim,
teríamos:
Tráfico de drogas:
crime equiparado a hediondo
|
Porte ilegal de arma de fogo de
uso permitido: crime não hediondo
|
Pena: 5 anos de reclusão
|
Pena: 3 anos de reclusão
|
Prazo legal para progressão: 2/5,
portanto 2 anos
|
Prazo legal para progressão: 1/6,
portanto 6 meses
|
Tempo total para progressão: 2 anos e 6
meses
|
Se, entretanto, somássemos as penas e lhes déssemos um tratamento uno,
como já vi ocorrer, teríamos:
Pena somada: 8 anos de reclusão
|
|
1/6 de 8 anos: 1 ano e 4 meses
|
2/5 de 8 anos: 3 anos, 2 meses e 12 dias
|
O apenado seria indevidamente beneficiado, pela
possibilidade de progressão mais de um ano antes do que seria admissível para
a condenação sofrida
|
O apenado seria prejudicado, pela permanência no
regime fechado por mais tempo do que permite a lei, configurando-se
constrangimento ilegal, sanável, inclusive, via habeas corpus
|
O cálculo acima demonstra, de maneira objetiva, os graves inconvenientes
de não se estabelecer, de uma vez por todas, qual o procedimento correto de
contagem de prazos para fins de execução penal. Folgo em ver que o cálculo
discriminado, como chamam os autores do artigo, ganha força.
O artigo segue tratando da questão especial trazida pelo crime
continuado. Acadêmicos e profissionais que atuam na área criminal, vale a pena
ler.
Um comentário:
Boa tarde,
gostaria de uma informação, no caso de uma condenação 9A4M por tráfego de drogas e 3A6M por associação ao tráfego, para obter a condicional, o cáclculo do crime de associação seria de 1/6?
Grata
Esther Mourão
Postar um comentário