segunda-feira, 9 de maio de 2011

A lucidez de Hamilton Carvalhido

Ele não ignora que, se for perguntado a qualquer membro da sociedade brasileira o que ele espera da legislação e da justiça, a resposta será sempre penas mais duras, mais rigorosas, com uma justiça penal mais efetiva e essa efetividade seria na segregação a mais duradoura possível ou a mais rigorosa possível para aqueles que cometem crime.

“É plenamente justificável esse grito pela segurança, essa busca pela segurança indispensável ao exercício daqueles direitos que fazem do indivíduo uma pessoa. Todavia tem que se interpretar adequadamente esse reclamo social. Na verdade, o reclamo pela prisão, pelo agravamento das penas é o reclamo por um sistema penal dotado de efetividade, por um sistema penal que efetivamente atribua segurança a cada uma das pessoas da nossa sociedade, às relações da vida. Não é o amor ou o apelo pela prisão, é um grito de socorro pela necessidade de segurança perante uma violência progressivamente crescente. Eu penso que essa é a interpretação possível desse reclamo”, acredita.

O excerto acima é apenas um aperitivo. Clique aqui, para ler, na página do Superior Tribunal de Justiça, uma excelente análise sobre o sistema penal brasileiro, feita pelo Ministro Hamilton Carvalhido, que em breve se aposentará.

Mãos ao alto!

Um amigo compartilhou comigo sua angústia frente a um período financeiro complicado em sua vida. Mostrando os documentos, mencionou que, por razões diversas, a fatura de seu cartão de crédito deste mês está em R$ 3.005,79, o que o levou a cogitar a possibilidade de parcelar o débito junto ao banco. A própria fatura indica que o débito pode ser parcelado em até dez vezes. Mas sabe quanto seria a prestação? R$ 454,95!
Ou seja, o amigo pagaria nada menos que R$ 1.543,71 além do devido, pelo parcelamento. Chocado, perguntou-me se isso estaria "certo"?
Entendi que a pergunta era retórica — na verdade nem uma pergunta, mas um desabafo. Como é possível que os encargos bancários elevem a dívida num patamar desses? Fui obrigado a responder com sinceridade:
No Brasil, exploração de jogo de azar e de loteria não autorizada são contravenções penais (arts. 50 e 51 da Lei de Contravenções Penais), salvo se praticada pela Caixa Econômica Federal, que é devidamente autorizada.
No Brasil, extorsão é crime (art. 158 do Código Penal), salvo se praticada pela Fazenda Pública.
No Brasil, usura é crime (art. 4º da Lei n. 1.521, de 1951), salvo se praticada por bancos, esses grandes financiadores de campanhas à presidência da República, independentemente de partidos, pessoas ou credos. Aliás, o próprio Lula disse a empresários, em recentíssimo evento na Casa Fasano, em São Paulo, que desafiava qualquer um a provar se algum empresário ganhou mais dinheiro neste país do que em seu mandato; se algum banco teve mais lucro neste país do que em seu mandato.
É, estou certo de que não. Enquanto eles comemoram, nós pagamos a conta — para o governo, para os bancos, para os planos de saúde, para os esquemas em assembleias legislativas, para os ladrões de rua, etc.

domingo, 8 de maio de 2011

Como um sacerdócio

Sempre fico desconfiado quando alguém diz que sua carreira é uma espécie de sacerdócio. Juízes e, pasmem, políticos gostam de usar esse artifício para dar a entender que são pessoas abnegadas, que renunciaram a uma vida normal e mais fácil em prol do bem alheio, como se essas carreiras implicassem em alguma forma de doação. Um deboche, é claro, considerando que são atividades muito bem renumeradas e tratadas como funções honoríficas, que enchem seus titulares de privilégios.
Também entre nós, professores, essa autoglorificação a título de sacerdócio aparece de vez em quando. Mas vamos combinar que um professor da rede pública, dos ensinos fundamental e médio, bem merece ser considerado um heroi e, quando verdadeiramente apaixonado pela profissão, sacerdote é pouco. Afinal, ganha menos do que um vendedor de CD pirata, trabalha feito um condenado, é maltratado, não ganha reconhecimento e, ainda por cima, apanha dos alunos (a moda do momento).
Não incorrerei no vício que acabei de criticar. Mas direi que, sim, um bom professor precisa apresentar características análogas às de um sacerdote. A docência é uma atividade que envolve doação, de forma inerente. Pode até haver transmissão intersubjetiva de informações sem entrega pessoal, mas não educação.
E hoje em dia, com a garotada chegando cada vez mais cedo e imatura ao ensino superior (aliás, a imaturidade parece ser a grande marca da juventude, de um modo geral, revelada inclusive por uma postura arrogante quanto ao próprio estado de desenvolvimento), mesmo alguém como eu, que não sou um professor da rede pública do ensino fundamental ou médio, preciso volta e meia agir para além de minhas funções óbvias. Observar além do aparente, escutar, administrar.

***

É engraçado, mas eu não pretendia dizer nada do que consta acima. Foi apenas um devaneio. Minha intenção era, apenas, dizer que as experiências mais marcantes que tenho como professor não podem chegar ao blog. Algumas delas são engraçadíssimas, outras altamente reflexivas, outras raivosas, outras emocionam até às lágrimas. Mas simplesmente não podem ser comentadas, porque isso de algum modo exporia indevidamente os protagonistas da história. Minha preocupação em preservá-los é tanta que eu não conto a história nem disfarçada, porque sempre haveria uma testemunha mais atenta a fazer relações. E a rádio-cipó é um perigo para a intimidade de qualquer um. A coisa vira uma espécie de segredo de confessionário.
Já pensei em guardar essas histórias e contá-las um tempo no futuro, quando os eventos já não fossem lembrados. Mas nunca anoto nada e as lembranças se esvaem. Talvez seja melhor assim. O que vem ao blog é aquilo em que a experiência me transformou, não ela em si.
Muitas dessas transformações me fazem crescer como pessoa. E isso torna a docência uma experiência singularmente enriquecedora.

Em más condições

Sempre gozei de boa saúde e já houve épocas em que quase toda Belém parecia estar gripada e eu atravessava a epidemia incólume. Com o tempo, a conjuntura começou a mudar, mas nada que se compare a essa temporada que começou em dezembro do ano passado. Ao longo desses cinco meses, não houve um só dia em que eu estivesse integralmente livre de qualquer agravo. E não foi por falta de zelo: já estive umas cinco vezes em consultas médicas, nesse período, e cumpri as prescrições que me fizeram, sem grande sucesso.
Até aqui, os tratamentos foram basicamente para conter infecções virais e bacterianas, além de alergia. Da última vez, tive bons resultados, mas não cabais nem duradouros. Na metade da semana passada, veio uma gripe, que se intensificou com gosto. Há muitos e muitos anos que não sofria de uma gripe capaz de me derrubar como esta tem feito, o que se traduz no silêncio que passou a reinar no blog desde a última sexta-feira. A indisposição elimina as condições, e principalmente a vontade, de fazer qualquer coisa. Junto com o ânimo, foi-se também o sabor dos alimentos.
Em suma, assim que o combate aos sintomas der resultado, será hora de fazer uma investigação mais profunda. Como está, não dá para prosseguir.
Espero que estejam todos com saúde, que o dia das mães esteja sendo adorável e que tenham uma boa semana.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Se você achava pouco...

Sei que o seu amor à pátria é enorme e que você adora pagar impostos, para contribuir com o desenvolvimento do país. Por isso, anime-se: a Fazenda estadual vai cobrar diferenças da alíquota de ICMS de mercadorias compradas através da Internet ou telemarketing.
Existe um protocolo do Conselho Nacional de Política Fazendária que regulamenta a cobrança e o repasse, entre os Estados, de valores arrecadados a título de ICMS. Contudo, nada menos que 20 das 27 unidades federativas não o subscreveram (Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia, Sergipe e Distrito Federal). Por conta disso, a SEFA decidiu cobrar o tributo no momento em que este ingressa no território paraense, inclusive por meio da retenção pelo tempo que se fizer necessário.
Para arrematar, a alíquota do ICMS no Pará é uma das mais elevadas do país, na casa dos 17%. Alguns tributam em 12% e outros, em 7%. É o caso, p. ex., do Estado de São Paulo, onde se encontram sediadas as maiores empresas de comércio eletrônico. Que tal?
No final das contas, aquilo que você comprar na comodidade de sua casa vai ficar mais caro e demorar mais a chegar. Não é uma delícia ser brasileiro e, de quebra, paraense?

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Belo universo


NGC 2442

UGC 1810 e UGC 1813
 Fontes: http://noticias.terra.com.br/ciencia/noticias/0,,OI5087243-EI301,00-Hubble+celebra+anos+com+foto+de+galaxia+em+forma+de+rosas.html e http://noticias.terra.com.br/ciencia/noticias/0,,OI5110229-EI301,00-Telescopios+da+Nasa+e+ESO+captam+imagem+de+galaxia+distorcida.html

Esquizofrenia legislativa

[Senhores leitores, esta postagem é para os iniciados em Direito Penal. Lamento excluir alguns dos gentis visitantes do blog, mas estas temáticas fazem parte de nossa razão de mantê-lo no ar.]

Caso o Projeto de Lei n. 4.208/2001 efetivamente se torne lei, o parágrafo único do art. 310 do Código de Processo Penal passará a ter a seguinte redação:

Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições do art. 23, I, II e III, do Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.

O art. 23 do Código Penal lista as hipóteses de excludentes da ilicitude: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito (lembrando que estes dois últimos institutos, para a doutrina mais atual, estão relacionados à tipicidade conglobante, não à ilicitude). Na verdade, o dispositivo acima apenas atualiza uma previsão que já existe (redação ora vigente do caput do art. 310), mas isso não diminui o problema. Antes, demonstra que o legislador perdeu a oportunidade de ser coerente.
Explico: se o juiz acredita, pelas peças de informação de que dispõe, que o acusado agiu protegido por uma justificativa, por que conceder-lhe liberdade provisória? Até se compreende que a subsistência do processo se explique pela indisponibilidade da ação penal pública, pela necessidade de confirmar se houve mesmo a suposta justificativa. Mas se os elementos presentes indicam que a conduta do acusado não foi ilícita, qual a lógica de submetê-lo a restrições sobre sua liberdade? Observe-se que, mesmo estando em liberdade, o réu deverá firmar um compromisso e corre o risco, ao menos em tese, de revogação do "benefício", podendo ser preso novamente.
Em suma, o réu parece ser inocente, mas é tratado como possivelmente culpado. Doido isso, não?
A meu ver, numa hipótese assim, a ação penal deveria ser extinta, até que o Ministério Público (ou o ofendido, em caso de ação penal de iniciativa privada) fosse capaz de oferecer elementos mais seguros da prática de uma conduta configuradora de crime em tese.

Restrições à prisão cautelar

Não poderia ser objeto de discussão menos acalorada o Projeto de Lei n. 4.208/2001, que reforma o Código de Processo Penal e restringe as possibilidades de decretação de prisão preventiva. Confira um interessante debate sobre o tema aqui.
O projeto aguarda a sanção (ou veto) presidencial. A briga está só começando.

Mundo perigoso

Osama bin Laden morreu. Isto é um fato. Mas se quisermos entender o que realmente aconteceu, não podemos dizer simplesmente que ele "morreu". O correto seria dizer "Osama bin Laden foi assassinado". Executado sumariamente seria ainda mais específico.
Para o sujeito que existe no mundo sem a preocupação de marcar presença, foi bem feito e só. Tudo é uma questão de as vítimas justiçarem o terrorista malvado, a velha luta do bem contra o mal. Às vezes eu até queria que o mundo fosse tão simples assim, mas não é. O fato é que os Estados Unidos invadiram um outro país e executaram sumariamente um indivíduo estrangeiro. A operação foi concebida com o objetivo de extermínio, não de captura. Pensar que um país — ainda mais o país com uma das piores folhas de antecedentes do mundo — possa se arvorar um direito desses me apavora. É nisso que as pessoas deveriam pensar.

Manifestantes demonstram a técnica conhecida como
"waterboarding" durante protesto na Islândia, em
maio de 2008. Para muitos, a técnica não configura
tortura. A CIA a classifica como "interrogatório
forçado". Ah, tá.
 A situação, já terrível por si mesma, conseguiu ficar pior: os Estados Unidos usaram tortura para encontrar o paradeiro do inimigo estadunidense nº 1. Práticas proscritas pela consciência humana — mas usadas em várias ocasiões na guerra ao terror, o que inclusive ensejou o escândalo da prisão de Guantânamo — continuam uma realidade. Os fins justificam os meios.
Sacramentou-se o direito de uma nação de torturar e matar. Fica pior do que isso? Fica: os autores do absurdo se orgulham do que fizeram. Mas, por incrível que possa parecer, a coisa fica pior ainda.
Por todo lado, não falta quem apoie o que aconteceu, como aconteceu.
Aqueles que, como eu, inquietam-se com os rumos da política internacional, estremecem: o conflito é de proporções globais. Não há para onde fugir.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Saiba sobre A onda

No Flanar, meu outro blog, reproduzi uma ótima crítica sobre o filme alemão A onda, que vi neste final de semana. Recomendo-o entusiasticamente, sobretudo aos meus colegas de docência e alunos.
Para saber mais, leia aqui.

Chega de regionalismo barato

O advogado Daniel Coutinho da Silveira me deixou este oportuno comentário, em relação à postagem "Provincianos e rancorosos", do último dia 27 de abril:

Independentemente de qualquer discussão específica, sempre achei absurda essa coisa de considerar paraenses que alcançam algum destaque como nossos legítimos representantes ou vergonhas inomináveis. Meus dedos não encolhem quando o Mike do Mosqueiro vai em cadeia nacional dizer que é paraense, nem meu peito estufa quando a inteligente Letícia alcança a final do concurso.

Os paraenses se sentem diminuídos por vários motivos (alguns deles legítimos) e buscam se afirmar nessas ocasiões, tentando demonstrar que aqui há algo de bom ou excomungando aqueles que nos fazem vergonha. Certamente é importante ressaltar nossas qualidades, mas é que acho ainda mais importantes aumentar a abrangência delas.
Assim poderemos brigar pela nossa inclusão em discussões nacionais e internacionais, não como um favor, mas como imposição por aquilo que podemos oferecer.
Chega desse regionalismo barato. O caminho mais curto para crescermos é admitirmos nossas falhas. Sabendo delas, devemos agir para superá-las. E nunca mais teremos de analisar as pessoas pelo local em que elas nasceram, mas quanto aquilo que se propuseram assim por fazer.

Ratifico as impressões do comentarista sobre o jeito paraense de ser, inclusive por que é propositiva: em vez de ficarmos nos lamuriando e sofrendo de mania de perseguição, temos mais é que arragaçar as mangas e produzir.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O tempore, o mores

No sábado, a versão light:



No domingo, a versão hard:


E as crianças brincam
Com a violência
Nesse cinema sem tela
Que passa pela cidade
Ah, que tempo mais vagabundo
É esse
Que escolheram pra gente viver!

A canção é "Milagres", de Cazuza.

Não adianta chorar sobre o leite derramado

Ontem, domingão, 1º de maio. Uma amiga se queixou, no que recebeu ampla solidariedade, pelo fato de o feriado do dia do trabalho cair num domingo. Para se consolar, disse que, pelo menos, sabemos que ano que vem ele cairá numa segunda-feira, dia usualmente odiado por muita gente.
A moça estava errada: 2012 será um ano bissexto, de modo que o dia do trabalho ocorrerá numa terça-feira. Bom só para quem tiver a possibilidade do enforcamento.

sábado, 30 de abril de 2011

Água e pão

Como o sol no fim do dia
Quando o mar bebe o seu fogo
Entre as ilhas e a Bahia
Como um rio, como fonte
Como um belo horizonte
Como porto, como o mar
Como o ar da madrugada
Como as pedras da calçada
Como o vento e a maresia
Como água, como pão
Como é bom tudo que vem
Sem se pedir
Céu lavado, luz de abril
Como quando estás aqui


Como o dia que amanhece
Com a luz criando espaços
Entre a sombra e a escuridão
Entre formas que se movem
Entre lábios que se beijam
Entre corpos que se dão
Como as flores nas varandas
O perfume de jasmim
Acordando a cidade
Como água, como pão
Como é bom tudo que vem
Sem se pedir
Céu lavado, luz de abril
Como quando estás aqui.

Pedro Guerra & Nelson Motta

Fica perfeita na interpretação de Maria Bethânia (abstraia o vídeo brega).
Para me despedir sem mágoas do mês de abril.

Visitas íntimas: discriminação contra a mulher

A minha querida e sempre bem informada sobre assuntos ligados ao sistema penitenciário, Anna Cláudia Lins Oliveira, forneceu mais uma ótima contribuição, desta vez a respeito da postagem "Visitas íntimas homossexuais", anterior a esta. Eis:

Quanto ao tema, ressalto que quanto à sexualidade feminina ainda há uma atitude discriminatória no campo da execução penal feminina maior ainda que a dos homens. Em muitas unidades prisionais femininas no Brasil o direito sexual é visto como uma regalia, não sendo permitido dentro de espaços intramuros; quando a visita íntima é permitida, é realizada dentro de rigoroso sistema de normas e critérios com traços bastante excludentes, enquanto se sabe que na prisão masculina tal procedimento é mais informal, mais operativo e mais aceitável, inclusive moralmente.
Enquanto diretriz de política criminal, somente no ano de 1999, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP, por meio da Resolução nº 01, de 30 de março de 1999, recomendou aos Departamentos Penitenciários Estaduais ou órgãos congêneres que fosse assegurado o direito à visita íntima aos presos de ambos os sexos, recolhidos aos estabelecimentos prisionais, entendendo que este direito é constitucionalmente assegurado às pessoas sob privação de liberdade. Ressaltamos que as detentas com orientação sexual homoafetiva não tinham o direito á visita íntima de suas companheiras no CRF aqui no Pará até outubro de 2009 quando este direito foi regulamentado pela SUSIPE, o que consideramos um avanço.
A iniciativa partiu de um pedido de uma detenta do Centro de Recuperação Feminino (CRF), localizado em Ananindeua, em outubro de 2009 sendo concedido pela justiça estadual e a partir desta autorização judicial de um caso isolado a SUSIPE decidiu regulamentar através de portaria em novembro de 2009 que o direito, já consagrado na Constituição Federal fosse estendido para todo o Estado e em todas as unidades prisionais e assim com esta regulamentação, não será mais necessário que nenhuma detenta recorra à Justiça para que seja garantido o direito à visita íntima de sua parceira.
Enfim, os preconceitos são muitos, mas temos avançado (mesmo que a passos de cágado).

Obrigado mais uma vez, Anna.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Visitas íntimas homossexuais

O tema das visitas íntimas a indivíduos em cumprimento de penas privativas de liberdade já é controverso por si só. No geral, as pessoas adoram abrir a boca para dizer que presos não merecem esse "privilégio"; que se quisessem levar uma vida normal, bastaria não ter delinquido e outras simplificações estúpidas do gênero.
Tratei deste tema muito recentemente com minhas atuais duas turmas de Direito Penal II. Naquela oportunidade, procurei fazê-los entender que, por trás da simples atividade sexual, existe um componente muito mais importante, que é a manutenção de vínculos emocionais com os parceiros e, a partir daí, com as famílias. O desejo de retornar ao convívio familiar, estimulado por essas visitas, pode ser um importante elemento a favorecer a desejada (supostamente) ressocialização.
Para o sistema penitenciário, as visitas íntimas são uma questão resolvida. Mas apenas as de cunho heterossexual. E aí identificamos um outro problema, quando o Estado, representado por um mero preposto, no caso um diretor de casa penal, acaba por impor aos detentos as suas concepções de moralidade. Um acinte, obviamente. Por conseguinte, as visitas íntimas devem ser asseguradas independentemente de orientação sexual, para respeitar o princípio constitucional da isonomia.
Apesar de óbvia, a questão ainda é tratada de forma titubeante, tanto que a imprensa deu destaque, hoje, a uma iniciativa da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro, que finalmente regulamentou as visitas íntimas homossexuais. Ou seja, a ideia é assegurar esse direito daqui por diante, o que implica num atraso de apenas 22 anos e meio, tempo de existência da Constituição da República.

Acertando as contas com o maldito

Termina dentro de algumas horas o prazo para acertar as contas com esse bicho sanguinário aí ao lado, sempre de boca aberta, sempre faminto, sempre rugindo sobre o nosso suado dinheirinho. Serão, decerto, horas de site congestionado, o que me leva a agradecer por já ter resolvido o meu problema. Isto é, uma parte dele, porque o problema mesmo é continuar pagando imposto após tudo o que já me retiveram na fonte.
É engraçado, mas a cada ano que passa pago mais imposto, mesmo agora dispondo de uma dependente. Você talvez dirá que isso acontece porque estou ganhando mais, portanto não tenho do que reclamar. Infelizmente, não é bem assim. Pode até acontecer de o brasileiro receber um salário nominalmente maior, porém se as despesas sobem junto, dá no mesmo que sofrer uma redução salarial. Além disso, temos tantas despesas que não são dedutíveis do imposto! E temos muitas outras distorções. Penso, p. ex., que uma pessoa que sofresse um crime nitidamente por falha na segurança pública deveria ser indenizada pelo Estado. Mas isto é, obviamente, um delírio meu, consequência do estresse que o mês de abril me provoca. Felizmente, ele está por acabar.
No final, minha quota (engraçado chamar para isso de quota...) de sacrifício ficou num patamar que eu já esperava. Não me assustei: estou aprendendo a me resignar. Sei lá se é a sabedoria da velhice chegando ou se é só cansaço, mesmo. Cansaço de saber que todo o dinheiro que me extorquiram financiará a burrocracia, a corrupção, as futuras campanhas eleitorais, as negociatas das obras da copa de 2014 e por aí vai.
O negócio é pegar o DARF e depositar a graninha. Afinal, o nome "imposto" não veio do nada.

Paisinho de m... onarquia!

Há dois dias, escrevi que o Pará é provinciano. Mas o dia de hoje (aliás, as últimas semanas) mostrou que o país inteiro é provinciano e deslumbrado.
Só espero que não haja uma cobertura da lua de mel real...

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Quando a cabeça mudar

Mesmo aqueles que repudiam os governos Lula são obrigados a reconhecer (ainda que apenas em seu íntimo, sem o declarar) que, nos últimos anos, por influência da visão adotada a partir de 2003, aumentou o acesso dos brasileiros mais pobres ao ensino superior. Isto se deu tanto nas instituições públicas, por meio da expansão das vagas (das já disponíveis e também pelo surgimento de novos cursos), quanto nas privadas, aqui graças a programas como o FIES e o ProUni.
Todos sabemos que educação, no Brasil, é um bem elitizado. Absolutamente básico e essencial, mas elitizado. Tanto que mesmo nas instituições públicas se encontram pessoas de alto poder aquisitivo, que ali foram procurar cursos de maior credibilidade e qualidade. Veja-se, p. ex., o caso de um curso aristocrático, como Direito: as universidades públicas estão cheias de alunos oriundos dos segmentos sociais mais afortunados.
Admitido isto, conclui-se que a visão de mundo das classes mais abastadas tem norteado os rumos da educação brasileira. Afinal, não existe saber isento: todo ele é comprometido pelos valores do indivíduo, mesmo quando as pessoas simplesmente ignoram isso ou, até mesmo, pensam o contrário.
Imagine um curso elitizado de Engenharia Civil. Você realmente acha que ele seria pautado por preocupações com programas de habitação popular, democratização do espaço urbano, segurança ambiental? Nunca. O que se quer é construir edifícios sofisticados e condomínios horizontais repletos de comodidades, onde a qualidade de vida seja um luxo de quem pode pagar por ele.
Veja-se, p. ex., no âmbito da Medicina, o crescimento nos últimos anos das especialidades ligadas ao culto ao corpo. Há cada vez mais dermatologistas, mas não por causa das micoses da periferia, e sim por conta da cosmiatria. Há cada vez mais cirurgiões: plásticos, é claro.
No mundo do Direito, os riscos da elitização do pensamento são gravíssimos e clássicos. O que dificulta abordar certos temas, tais como o reconhecimento de direitos de propriedade (inclusive intelectual) para indígenas, quilombolas ou outros povos tradicionais. No Direito Penal, então, as polêmicas de classe estão na base de todo o sistema.
Por isso, esta manhã, não sei a razão, amanheci com essa dúvida me martelando a cabeça: o que acontecerá com a educação brasileira, quando houver mais gente humilde frequentando as universidades?