Mesmo aqueles que repudiam os governos Lula são obrigados a reconhecer (ainda que apenas em seu íntimo, sem o declarar) que, nos últimos anos, por influência da visão adotada a partir de 2003, aumentou o acesso dos brasileiros mais pobres ao ensino superior. Isto se deu tanto nas instituições públicas, por meio da expansão das vagas (das já disponíveis e também pelo surgimento de novos cursos), quanto nas privadas, aqui graças a programas como o FIES e o ProUni.
Todos sabemos que educação, no Brasil, é um bem elitizado. Absolutamente básico e essencial, mas elitizado. Tanto que mesmo nas instituições públicas se encontram pessoas de alto poder aquisitivo, que ali foram procurar cursos de maior credibilidade e qualidade. Veja-se, p. ex., o caso de um curso aristocrático, como Direito: as universidades públicas estão cheias de alunos oriundos dos segmentos sociais mais afortunados.
Admitido isto, conclui-se que a visão de mundo das classes mais abastadas tem norteado os rumos da educação brasileira. Afinal, não existe saber isento: todo ele é comprometido pelos valores do indivíduo, mesmo quando as pessoas simplesmente ignoram isso ou, até mesmo, pensam o contrário.
Imagine um curso elitizado de Engenharia Civil. Você realmente acha que ele seria pautado por preocupações com programas de habitação popular, democratização do espaço urbano, segurança ambiental? Nunca. O que se quer é construir edifícios sofisticados e condomínios horizontais repletos de comodidades, onde a qualidade de vida seja um luxo de quem pode pagar por ele.
Veja-se, p. ex., no âmbito da Medicina, o crescimento nos últimos anos das especialidades ligadas ao culto ao corpo. Há cada vez mais dermatologistas, mas não por causa das micoses da periferia, e sim por conta da cosmiatria. Há cada vez mais cirurgiões: plásticos, é claro.
No mundo do Direito, os riscos da elitização do pensamento são gravíssimos e clássicos. O que dificulta abordar certos temas, tais como o reconhecimento de direitos de propriedade (inclusive intelectual) para indígenas, quilombolas ou outros povos tradicionais. No Direito Penal, então, as polêmicas de classe estão na base de todo o sistema.
Por isso, esta manhã, não sei a razão, amanheci com essa dúvida me martelando a cabeça: o que acontecerá com a educação brasileira, quando houver mais gente humilde frequentando as universidades?
7 comentários:
Este texto é leitura obrigatória para quem se incomoda com as quotas no ensino superior. Instigante.
Minha querida, muito obrigado pela recepção tão gentil.
Grande texto!!!
E as cotas, a favor ou contra?
Raciais ou por renda?
Abraços!
Daniel, para ser bem honesto, nunca fui simpático a políticas de gênero - qualquer gênero. Isso desde muito antes de se falar em políticas de cotas. Tenho aquela visão algo idealista de que as pessoas devem ser valorizadas como seres humanos e como cidadãos, e não porque são idosas, mulheres, negros, indígenas ou sei lá o quê. Mas não sei se o mundo está pronto para isso.
Resulta daí que as cotas podem ser um mecanismo de redução de desigualdades arraigadas na sociedade.
Não sou de ficar em cima do muro, mas o fato é que ainda não estou convencido de que as cotas devam mesmo existir. Posso ser convencido para ambos os lados, mas confesso que nunca me debrucei a fundo no assunto. Portanto, em princípio, não gosto delas, mas posso conviver com elas sem problemas. E, quem sabe, posso até um dia me convencer de que são realmente uma coisa boa.
Desculpe se não fui mais conclusivo.
Nossa, como gostei desse tema abordado.
Sinto falta desse tipo de debate em sala de aula, posto que nas raras vezes em que os direitos dos povos da floresta (quilombolas, entre outros) são discutidos, pouquíssimos alunos reconhecem a legitimidade de tais direitos. É triste.
Pode parecer hipócrita da minha parte dizer isso, já que estudo em uma instituição privada e gozo de uma situação socioeconômica confortável, mas não vejo alternativa pra esse país se não a plena democratização do ensino superior. Que todos possam estudar em instituições como a minha, é o que eu desejo pro nosso Brasil.
Yúdice,
Tomei a liberdade de compartilhar essa provocação e reflexão no facebook
Abraços
Não se trata, Maíra, do tipo de instituição onde estudamos. Se estivesses na UFPA, provavelmente verias o mesmo fenômeno (apenas com um provável maior número de colegas solidários às minorias, talvez). O objetivo de minha postagem foi ressaltar, justamente, que essas ideias são tão arraigadas que tanto faz ensino público ou privado, ambos são dominados por pessoas de melhor nível de renda e acesso a informações. E os segmentos mais baixos costumam ser movidos pelo desejo de alcançar o status e o modus vivendi dos grupos de cima.
O resultado é a reprodução, geração após geração, dos preconceitos e da falta de solidariedade.
Agradeço, Jean. Tomara que nos entendam.
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