Quando me disseram que o Ministério Público recorrera de uma sentença absolutória, porém nas razões recursais pedira a manutenção da dita sentença, sustentando os mesmos argumentos da peça recorrida, achei que era brincadeira. Afinal, devido à exigência do interesse de agir, você só pode recorrer de uma decisão que pretende modificar. Para piorar, o defensor do réu concordou com as razões, porém pediu o não provimento do apelo.
O jeito foi manusear os autos para entender a curiosa situação.
Uma moça fora denunciada pelo crime de porte ilegal de munição de uso permitido (art. 12 da Lei n. 10.826, de 2003). Após a instrução, o juízo decidiu absolvê-la sumariamente, reconhecendo a atipicidade da conduta. O motivo era a abolitio criminis temporária trazida pela Lei n. 11.706, de 2008, que prorrogou o prazo para que o cidadão comum se desfizesse de armas e munições, sem ser incriminado. Inconformado, o promotor de justiça apelou, mas não apresentou imediatamente suas razões. Talvez tenha entrado de férias ou de licença. Por isso, as razões foram apresentadas por outro promotor, que discordou do rigor do colega e reconheceu que a sentença estava correta. Admitindo implicitamente a estranheza da situação, pediu a manutenção do julgado, invocando o princípio da independência funcional.
Restou ao defensor da ré, coitado, ao se manifestar sobre o surto esquizofrênico ministerial, pensar nas manifestações como peças distintas, pedindo o improvimento do recurso em si, devido a sua concordância com as razões sustentadas posteriormente.
Com efeito, a instituição Ministério Público é una, mas cada promotor de justiça é independente. A não é obrigado a concordar com B. No entanto, é forçoso reconhecer que esse tipo de situação inquieta; provoca surpresa em quem é acostumado aos meandros jurídicos e provável insegurança em quem está em fase de formação. Sobretudo, deixa estarrecido um leigo, com a sensação de que o sistema é uma bagunça total. E não é, evidentemente, se não a esta altura estaríamos todos mortos.
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