O Procurador de Justiça gaúcho Lênio Luiz Streck escreveu, há alguns anos, um livro chamado Tribunal do júri: símbolos e rituais. Nele, explica a ritualística engendrada há séculos para essa instituição judiciária, que viabiliza a efetiva participação popular na administração da Justiça. Afinal, no sistema brasileiro, enquanto o Executivo e o Legislativo são compostos por mandatários eleitos, o Judiciário é composto por técnicos, recrutados através de suposta demonstração de habilidade (pelo menos após a consagração dos concursos públicos). Obviamente, o que escrevo agora está num plano ideal, para ser sintético. Sabemos que na prática a teoria é diferente.
O tribunal do júri é uma espécie de ícone da simbologia estatal. A mesa do juiz fica num plano mais alto e olha de cima o amesquinhado réu, minúsculo em sua cadeirinha, de costas para os seus julgadores e para a assembleia. Os jurados também se sentam de costas para o público, simbolizando a suposta isenção de ânimo. O Ministério Público fica à direita do juiz, deixando escapar o atrelamento que sempre houve entre o Estado que acusa e o Estado que julga. Atualmente, não pode haver diferença de tratamento entre acusação e defesa, mas isso sempre foi e continua sendo balela. Basta ver como os juízes se confraternizam com os promotores de justiça, ao passo que tratam os advogados em geral com desconfiança e frequente má vontade. O promotor chega para uma audiência e vai logo entrando, manuseando os autos, usando o telefone. O advogado precisa ser convidado e receber autorização para tudo. Distorções inconfessas, mas inegáveis.
Tudo que se faz no plenário do júri cumpre uma missão de influenciar o ânimo dos jurados que, vale lembrar, são leigos. De regra, nada entendem de Direito e estão ali para dar um veredito de acordo com sua própria miopia acerca do mundo. Por isso, muitos juristas propõem requisitos mais rigorosos para seleção de jurados, a fim de garantir um pouco mais de qualidade nas decisões.
Tudo isto é para manifestar meu desagrado diante do circo de horrores em que transformaram o tribunal do júri de Belém, com a exibição de blocos de concreto, camburões e demais artefatos usados para assassinar e ocultar os corpos dos irmãos Novelino. Naturalmente, do maior interesse do Ministério Público. A visão desses instrumentos bota os jurados a pensar no crime em si, a visualizar a cena e, assim, compreender melhor o sofrimento experimentado pelas vítimas. Com tais monstruosidades no pensamento, a condenação fica quase certa, porque o julgamento de questiúnculas jurídicas fica prejudicado pela emoção.
Não sei se faria isso, caso fosse o promotor do caso. Acho que não precisa e sou avesso a esse tipo de espetáculo. Mas o júri é o teatro do Direito. Está nele quem gosta de aparecer.
Por fim, se eu fosse o Cardias, teria negado simular o estrangulamento das vítimas. Em pleno salão, um voluntário se deitou no chão para reproduzir a cena. Horrível. Com certeza, Cardias aceitou isso de olho na delação premiada, que acabou não recebendo. Só conseguiu mostrar aos jurados como é mau. Assinou a própria sentença e, de quebra, ganhou um aumento de pena.
Mas circo é isso. Faz o melhor espetáculo quem não tem medo de ousar. Só que, neste caso, o final não é o aplauso.
terça-feira, 20 de novembro de 2007
segunda-feira, 19 de novembro de 2007
Quando não há Estado...
Reação
Sem polícia por perto, moradores de uma localidade à altura do km 28 da Alça viária deram jeito na violência, pelo menos por enquanto. Armados, eles botaram cinco assaltantes para correr e avisaram: quem for flagrado roubando vai levar chumbo.
(Repórter 70 de hoje)
Muita gente deve ter aplaudido a atitude que, não o nego, advém da necessidade. Todavia, isso não é coisa que se comemore. Não é o cidadão comum que deve viabilizar a segurança pública. Aliás, o cidadão comum sequer deveria possuir armas.
Quando o Estado se omite, o cidadão sofre. E se porventura o cidadão reage com êxito, sofrem os princípios éticos que deveriam nortear a sociedade, cada vez mais submetida à lei do Oeste. Além disso, o justiceiro que hoje impõe a sua vontade sobre o ladrão, amanhã a imporá sobre o vizinho que o aborrecer. Alguém duvida?
Criminalização da homofobia
A Constituição de 1988 dispõe que "a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei" (art. 5º, XLII). A lei em questão é a de n. 7.716, de 5.1.1989, que "define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor". Posteriormente, a Lei n. 9.459, de 1997, inseriu a punição, também, da discriminação decorrente de "etnia, religião ou procedência nacional".
Até onde me consta, não houve dificuldade para aprovação dessas matérias pelo Congresso Nacional. Todavia, no ano passado foi proposto o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n. 122, que pretende ampliar mais uma vez os termos dessa lei, criminalizando agora as condutas que importem em discriminação por motivo de "gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero". E adivinhem o que aconteceu? Em vez de mobilização em torno da aprovação de um diploma que pode favorecer a cidadania, tratando a todos como iguais, e apesar de o PL ter sido aprovado na Câmara ainda em 2006, no Senado a mobilização é da bancada evangélica, que deseja ver punido apenas o preconceito quanto ao sexo, mas não orientação sexual.
Em suma, os evangélicos não veem mal nenhum nos atos cotidianos de menosprezo aos homossexuais. E, de quebra, querem impor ao país a sua forma de ver o mundo, condicionada por sua miopia religiosa. Pelo que vi, navegando em algumas páginas da Internet, a preocupação da turma é não poder emitir opinião nenhuma contrária ao homossexualismo, coisa que poderia atrapalhar as suas pregações. Ah, o maldito Estado laico!
Enquanto alguns parlamentares despreparados agem como se o Brasil fosse uma teocracia fundamentalista, o Deputado Federal Iran Barbosa (PT/SE), relator do projeto, que fora da política é professor de educação básica (tendo formação em História e Direito), emitiu um parecer favorável que é um libelo pela justiça e pelo amor. Na íntegra, com meus agradecimentos a Aline Beckman, que me enviou o texto:
Todas as cores do amor
"Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e näo tivesse amor, (...) eu nada seria".
A principal mensagem do evangelho de Jesus Cristo é o amor. Isso está evidente na máxima segundo a qual devemos "amar o próximo como a nós mesmos". O amor também é o fundamento da maioria das religiões, cristãs e não-cristãs.
Infelizmente, o amor cedeu espaço à intolerância na análise do PL 122/2006, em trâmite no Senado Federal, que torna crime a prática da homofobia.
A polêmica é falsa. Primeiro, porque o pleno exercício da sexualidade, livre de preconceito, discriminação e violência é um direito de todas as pessoas em um Estado Democrático de Direito, onde religião e políticas públicas não se confundem.
Segundo, porque a lei não instituirá comportamentos. Eles já existem. O PL 122/2006 apenas assegurará que as individualidades das pessoas homossexuais não sejam violadas pelos que não aceitam a livre orientação sexual e a identidade de gênero.
O Brasil é campeão de homofobia. Mais de uma centena de seres humanos são barbaramente assassinados anualmente apenas por serem homossexuais. Milhares de outros sofrem agressões físicas e psicológicas, diariamente, somente porque amam seus iguais.
Homossexualidade não é doença! Os gays são mais de 18 milhões de cidadãos e cidadãs tratados como seres de segunda categoria, pois têm os mesmos deveres mas não podem usufruir dos direitos garantidos aos heterossexuais.
O que o PL 122/2007 faz é eleger a integridade física e psicológica das pessoas gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais (GLBT) à dignidade de bem jurídico tutelado pelo direito penal. Ou seja, ele criminaliza a homofobia, submetendo essa prática às mesmas penas previstas para o racismo. Seu grande mérito é desestimular comportamentos homofóbicos, em especial os crimes que hoje em dia são praticados com requintes de crueldade.
Interpretações baseadas em leituras fundamentalistas da Bíblia não podem inviabilizar a criminalização da homofobia. Os argumentos de que o PL atinge os princípios da liberdade de expressão e da liberdade religiosa também não se sustentam, já que o projeto apenas pune condutas e discursos discriminatórios. Se o racismo, a discriminação de gênero e a xenofobia já são crimes, por que não a homofobia?
O projeto não interfere na liberdade de culto ou de pregação religiosa. Essa liberdade é uma grande conquista da civilização contemporânea. Seu fundamento essencial é a separação entre Igreja e Estado, ou seja, o Estado laico. "A Deus o que é de Deus, a César o que é de César". Assuntos religiosos têm que ser tratados pelas religiões. Políticas públicas são questões de Estado.
O mesmo Estado laico que assegura a liberdade religiosa, impede que as crenças interfiram nas políticas públicas. Por esse motivo, as religiões podem manifestar livremente juízos de valor teológico sobre a homossexualidade, mas não podem impedir que o Estado brasileiro comece a pagar a dívida inaceitável que tem com a comunidade homossexual. Também não podem praticar condutas discriminatórias e incitação à violência.
A homossexualidade, para alguns, é pecado. Para outros, sem-vergonhice. Pensamos que não é nem uma coisa nem outra. É apenas uma das muitas faces da complexidade humana. À sociedade e ao Estado cabe respeitar a liberdade dos que possuem uma orientação sexual diferente. Diversas religiões entenderam isso, tanto que a Igreja Cristã Metropolitana e a Igreja Anglicana aceitam a homossexualidade, ordenando, inclusive, religiosos homossexuais para postos de destaque em suas fileiras.
As relações homoafetivas são um fato. Elas geram direitos e deveres. Em um Estado laico e democrático, podem e devem ser reconhecidas, como já aconteceu em diversos países social e juridicamente mais avançados.
O PL 122/2006 causa polêmica porque nossa sociedade ainda é marcada por traços machistas, sexistas e homofóbicos. Alguns setores ainda não aprenderam a conviver com o diferente, o que causa estranhamento em um país com tanta diversidade cultural, social e religiosa como o Brasil.
A "paz de cemitério" que reinava, até a década de 90, entre homofóbicos e as pessoas GLBT beneficiava apenas aos primeiros, em detrimento da dignidade e dos direitos humanos dos segundos. A invisibilidade dos homossexuais diminuiu sensivelmente com as paradas e as políticas públicas que, finalmente, começam a ser implementadas no Brasil. A maior parada gay do mundo reuniu mais de 3,5 milhões de pessoas em São Paulo, este ano, e mais de 30 mil aqui em Aracaju.
A visibilidade dos homossexuais trouxe consigo os conflitos. Mas o regime democrático não pode resolver esses conflitos oprimindo os homossexuais ou mantendo-os no anonimato. Ao contrário, deve fazê-lo alargando a cidadania, de sorte a incorporar os GLBTs.
Nesse contexto, o PL 122/2006 ajuda o Brasil a enfrentar a guerra desumana contra o preconceito e a discriminação. Representa um passo importante na caminhada em defesa da dignidade humana das pessoas GLBT. É, enfim, um projeto que homenageia o amor, em todas as suas cores.
Até onde me consta, não houve dificuldade para aprovação dessas matérias pelo Congresso Nacional. Todavia, no ano passado foi proposto o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n. 122, que pretende ampliar mais uma vez os termos dessa lei, criminalizando agora as condutas que importem em discriminação por motivo de "gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero". E adivinhem o que aconteceu? Em vez de mobilização em torno da aprovação de um diploma que pode favorecer a cidadania, tratando a todos como iguais, e apesar de o PL ter sido aprovado na Câmara ainda em 2006, no Senado a mobilização é da bancada evangélica, que deseja ver punido apenas o preconceito quanto ao sexo, mas não orientação sexual.
Em suma, os evangélicos não veem mal nenhum nos atos cotidianos de menosprezo aos homossexuais. E, de quebra, querem impor ao país a sua forma de ver o mundo, condicionada por sua miopia religiosa. Pelo que vi, navegando em algumas páginas da Internet, a preocupação da turma é não poder emitir opinião nenhuma contrária ao homossexualismo, coisa que poderia atrapalhar as suas pregações. Ah, o maldito Estado laico!
Enquanto alguns parlamentares despreparados agem como se o Brasil fosse uma teocracia fundamentalista, o Deputado Federal Iran Barbosa (PT/SE), relator do projeto, que fora da política é professor de educação básica (tendo formação em História e Direito), emitiu um parecer favorável que é um libelo pela justiça e pelo amor. Na íntegra, com meus agradecimentos a Aline Beckman, que me enviou o texto:
Todas as cores do amor
"Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e näo tivesse amor, (...) eu nada seria".
I Coríntios 13: 1-2.
A principal mensagem do evangelho de Jesus Cristo é o amor. Isso está evidente na máxima segundo a qual devemos "amar o próximo como a nós mesmos". O amor também é o fundamento da maioria das religiões, cristãs e não-cristãs.
Infelizmente, o amor cedeu espaço à intolerância na análise do PL 122/2006, em trâmite no Senado Federal, que torna crime a prática da homofobia.
A polêmica é falsa. Primeiro, porque o pleno exercício da sexualidade, livre de preconceito, discriminação e violência é um direito de todas as pessoas em um Estado Democrático de Direito, onde religião e políticas públicas não se confundem.
Segundo, porque a lei não instituirá comportamentos. Eles já existem. O PL 122/2006 apenas assegurará que as individualidades das pessoas homossexuais não sejam violadas pelos que não aceitam a livre orientação sexual e a identidade de gênero.
O Brasil é campeão de homofobia. Mais de uma centena de seres humanos são barbaramente assassinados anualmente apenas por serem homossexuais. Milhares de outros sofrem agressões físicas e psicológicas, diariamente, somente porque amam seus iguais.
Homossexualidade não é doença! Os gays são mais de 18 milhões de cidadãos e cidadãs tratados como seres de segunda categoria, pois têm os mesmos deveres mas não podem usufruir dos direitos garantidos aos heterossexuais.
O que o PL 122/2007 faz é eleger a integridade física e psicológica das pessoas gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais (GLBT) à dignidade de bem jurídico tutelado pelo direito penal. Ou seja, ele criminaliza a homofobia, submetendo essa prática às mesmas penas previstas para o racismo. Seu grande mérito é desestimular comportamentos homofóbicos, em especial os crimes que hoje em dia são praticados com requintes de crueldade.
Interpretações baseadas em leituras fundamentalistas da Bíblia não podem inviabilizar a criminalização da homofobia. Os argumentos de que o PL atinge os princípios da liberdade de expressão e da liberdade religiosa também não se sustentam, já que o projeto apenas pune condutas e discursos discriminatórios. Se o racismo, a discriminação de gênero e a xenofobia já são crimes, por que não a homofobia?
O projeto não interfere na liberdade de culto ou de pregação religiosa. Essa liberdade é uma grande conquista da civilização contemporânea. Seu fundamento essencial é a separação entre Igreja e Estado, ou seja, o Estado laico. "A Deus o que é de Deus, a César o que é de César". Assuntos religiosos têm que ser tratados pelas religiões. Políticas públicas são questões de Estado.
O mesmo Estado laico que assegura a liberdade religiosa, impede que as crenças interfiram nas políticas públicas. Por esse motivo, as religiões podem manifestar livremente juízos de valor teológico sobre a homossexualidade, mas não podem impedir que o Estado brasileiro comece a pagar a dívida inaceitável que tem com a comunidade homossexual. Também não podem praticar condutas discriminatórias e incitação à violência.
A homossexualidade, para alguns, é pecado. Para outros, sem-vergonhice. Pensamos que não é nem uma coisa nem outra. É apenas uma das muitas faces da complexidade humana. À sociedade e ao Estado cabe respeitar a liberdade dos que possuem uma orientação sexual diferente. Diversas religiões entenderam isso, tanto que a Igreja Cristã Metropolitana e a Igreja Anglicana aceitam a homossexualidade, ordenando, inclusive, religiosos homossexuais para postos de destaque em suas fileiras.
As relações homoafetivas são um fato. Elas geram direitos e deveres. Em um Estado laico e democrático, podem e devem ser reconhecidas, como já aconteceu em diversos países social e juridicamente mais avançados.
O PL 122/2006 causa polêmica porque nossa sociedade ainda é marcada por traços machistas, sexistas e homofóbicos. Alguns setores ainda não aprenderam a conviver com o diferente, o que causa estranhamento em um país com tanta diversidade cultural, social e religiosa como o Brasil.
A "paz de cemitério" que reinava, até a década de 90, entre homofóbicos e as pessoas GLBT beneficiava apenas aos primeiros, em detrimento da dignidade e dos direitos humanos dos segundos. A invisibilidade dos homossexuais diminuiu sensivelmente com as paradas e as políticas públicas que, finalmente, começam a ser implementadas no Brasil. A maior parada gay do mundo reuniu mais de 3,5 milhões de pessoas em São Paulo, este ano, e mais de 30 mil aqui em Aracaju.
A visibilidade dos homossexuais trouxe consigo os conflitos. Mas o regime democrático não pode resolver esses conflitos oprimindo os homossexuais ou mantendo-os no anonimato. Ao contrário, deve fazê-lo alargando a cidadania, de sorte a incorporar os GLBTs.
Nesse contexto, o PL 122/2006 ajuda o Brasil a enfrentar a guerra desumana contra o preconceito e a discriminação. Representa um passo importante na caminhada em defesa da dignidade humana das pessoas GLBT. É, enfim, um projeto que homenageia o amor, em todas as suas cores.
Sentimentos por decreto
Já pensou se o governo pudesse editar uma lei obrigando você a amar uma certa pessoa? Ou a deixá-la? Ou se a tal lei determinasse que todos os pais e mães devem amar os seus filhos na mais pura igualdade, sem o menor laivo de preferência? Ou, ainda, determinando que todos somos obrigados a nos sentir realizados no trabalho que hoje desempenhamos?
Você dirá que qualquer uma dessas proposições é absurda e simplesmente inviável, porque irreal, porque desatende ao que se passa no coração e na mente das pessoas. Concordo. E vou além: afirmo que a essas proposições se equivale à proposta de mudar a legislação de trânsito, para determinar que os causadores de acidentes sejam considerados autores de crimes necessariamente dolosos. O tema sempre vem à tona quando acidentes dramáticos magoam a sociedade. E o número de acidentes sempre aumenta nos feriadões.
Para quem não está habituado à linguagem jurídica, uma síntese rasteira: dolo é a vontade de praticar uma conduta (ação ou omissão) que se avalia como danosa a alguém. Como toda vontade, pressupõe um conhecimento sobre o objeto, porque não se pode querer aquilo que se desconhece. Já a culpa é a efetiva prática de um dano que não se desejou, mas que acabou ocorrendo porque o indivíduo realizou conduta descuidada e perigosa, abdicando de procedimentos de cautela que qualquer um tomaria na situação em que o agente se encontrava.
Uma pessoa que manipula uma arma de fogo carregada e permite que ela dispare, matando alguém às proximidades, tanto pode ter agido com dolo quanto com culpa. O mesmo se diga de quem, no mês de julho, solta um balão e provoca um incêndio de largas proporções. Ou quem convida uma pessoa para atravessar um rio, ciente de que a mesma não se sentia segura para nadar, e cria as condições para um afogamento, que acaba se consumando. Somente em cada caso concreto podemos avaliar se o agente teve dolo ou culpa. Não posso predeterminar isso por lei. À toda evidência, nos delitos de trânsito, o mesmo raciocínio deve ser utilizado. Por que seria diferente?
Esclareço que não tenho nenhum interesse na prevalência de qualquer tese, seja profissional, seja pessoal. Não sou vítima nem causador de acidente, nem parente ou amigo de vítimas ou de causadores de acidentes. Jamais advoguei nessa área. Minha preocupação advém da minha condição de professor e significa tornar clara a racionalidade que deve presidir as decisões penais. Em qualquer caso, contudo, sou solidário às vítimas e a quem as cerca e entendo que os culpados devem ser punidos exemplarmente, porém de acordo com o que realmente fizeram.
Além da perda de racionalidade, custaria caro à clientela do Direito Penal se pré-estabelecêssemos este ou aquele estado mental para um indivíduo. Aqui não há espaço para agir com o coração. Podemos ter o desejo de ver o assassino de nosso ente amado 20 anos na cadeia. Mas se o crime foi culposo, foi culposo e ponto final. No máximo, 3 anos de detenção. Da mesma forma que quem surrupia nossa carteira, furtivamente, levando todo o salário do mês e nos deixando na indigência, deve ser condenado por furto e não roubo, já que não praticou violência.
Estas são alegações muitíssimo incipientes. À medida que as pessoas se manifestem, podemos conversar mais demoradamente a respeito.
Você dirá que qualquer uma dessas proposições é absurda e simplesmente inviável, porque irreal, porque desatende ao que se passa no coração e na mente das pessoas. Concordo. E vou além: afirmo que a essas proposições se equivale à proposta de mudar a legislação de trânsito, para determinar que os causadores de acidentes sejam considerados autores de crimes necessariamente dolosos. O tema sempre vem à tona quando acidentes dramáticos magoam a sociedade. E o número de acidentes sempre aumenta nos feriadões.
Para quem não está habituado à linguagem jurídica, uma síntese rasteira: dolo é a vontade de praticar uma conduta (ação ou omissão) que se avalia como danosa a alguém. Como toda vontade, pressupõe um conhecimento sobre o objeto, porque não se pode querer aquilo que se desconhece. Já a culpa é a efetiva prática de um dano que não se desejou, mas que acabou ocorrendo porque o indivíduo realizou conduta descuidada e perigosa, abdicando de procedimentos de cautela que qualquer um tomaria na situação em que o agente se encontrava.
Uma pessoa que manipula uma arma de fogo carregada e permite que ela dispare, matando alguém às proximidades, tanto pode ter agido com dolo quanto com culpa. O mesmo se diga de quem, no mês de julho, solta um balão e provoca um incêndio de largas proporções. Ou quem convida uma pessoa para atravessar um rio, ciente de que a mesma não se sentia segura para nadar, e cria as condições para um afogamento, que acaba se consumando. Somente em cada caso concreto podemos avaliar se o agente teve dolo ou culpa. Não posso predeterminar isso por lei. À toda evidência, nos delitos de trânsito, o mesmo raciocínio deve ser utilizado. Por que seria diferente?
Esclareço que não tenho nenhum interesse na prevalência de qualquer tese, seja profissional, seja pessoal. Não sou vítima nem causador de acidente, nem parente ou amigo de vítimas ou de causadores de acidentes. Jamais advoguei nessa área. Minha preocupação advém da minha condição de professor e significa tornar clara a racionalidade que deve presidir as decisões penais. Em qualquer caso, contudo, sou solidário às vítimas e a quem as cerca e entendo que os culpados devem ser punidos exemplarmente, porém de acordo com o que realmente fizeram.
Além da perda de racionalidade, custaria caro à clientela do Direito Penal se pré-estabelecêssemos este ou aquele estado mental para um indivíduo. Aqui não há espaço para agir com o coração. Podemos ter o desejo de ver o assassino de nosso ente amado 20 anos na cadeia. Mas se o crime foi culposo, foi culposo e ponto final. No máximo, 3 anos de detenção. Da mesma forma que quem surrupia nossa carteira, furtivamente, levando todo o salário do mês e nos deixando na indigência, deve ser condenado por furto e não roubo, já que não praticou violência.
Estas são alegações muitíssimo incipientes. À medida que as pessoas se manifestem, podemos conversar mais demoradamente a respeito.
domingo, 18 de novembro de 2007
Parado na blitz
Pedro Álvares Cabral, entre Júlio César e Rodolfo Chermont, sentido Centro-Entroncamento, antes das dez da manhã. Avistei os cones na pista e os policiais militares. Logo um deles me fez sinal. Encostei. Dois agentes haviam gesticulado, por isso fiquei olhando de um para o outro, esperando que me esclarecessem com qual deveria falar. Nenhum me esclareceu nada. O mais próximo, ao meu lado, deu uns passos em minha direção, com uma cara de bunda (diria o meu irmão). Parou e ficou me encarando. Aguardei uns segundos, mas como ele não se dirigiu a mim, abri o vidro. Somente aí ele me pediu os documentos. Nenhum bom dia, nenhuma explicação.
Entreguei minha habilitação e o documento do carro. Ele os examinou e me devolveu, fitando-me com aquela mesma expressão que eu definiria como desprezo. Não agradeceu, não me deu bom dia nem me mandou prosseguir. Enfim, não me disse absolutamente nada.
Por considerar importante que tais blitzen ocorram, pois elas são necessárias para coibir e desarmar criminosos, inviabilizar crimes em andamento e, mesmo, flagrar os félas que andam sem placas, agradeci e desejei bom dia ao policial, o qual já me dera as costas.
Em um país civilizado, o agente abordaria o cidadão com uma saudação respeitosa e explicaria o motivo da diligência. Diria que o incômodo é necessário para a segurança de todos. Já fui abordado dessa forma e posso assegurar que você se sente muito melhor. Pode sentir até alguma simpatia pelo policial, já que você se sente atendido, de algum modo, pelo Estado, normalmente omisso.
Temos muito a avançar. Vivemos a repetir isso. Mas em um lugar onde até bem pouco tempo atrás mal se via polícia na rua, topar com policiais mal educados já é lucro. Deprimente dizer isso, mas é melhor do que nada. Pelo menos, por alguns metros, quero crer que fiquei livre do risco de ser assaltado.
Quem sabe na próxima eu ganho um bom dia?
Entreguei minha habilitação e o documento do carro. Ele os examinou e me devolveu, fitando-me com aquela mesma expressão que eu definiria como desprezo. Não agradeceu, não me deu bom dia nem me mandou prosseguir. Enfim, não me disse absolutamente nada.
Por considerar importante que tais blitzen ocorram, pois elas são necessárias para coibir e desarmar criminosos, inviabilizar crimes em andamento e, mesmo, flagrar os félas que andam sem placas, agradeci e desejei bom dia ao policial, o qual já me dera as costas.
Em um país civilizado, o agente abordaria o cidadão com uma saudação respeitosa e explicaria o motivo da diligência. Diria que o incômodo é necessário para a segurança de todos. Já fui abordado dessa forma e posso assegurar que você se sente muito melhor. Pode sentir até alguma simpatia pelo policial, já que você se sente atendido, de algum modo, pelo Estado, normalmente omisso.
Temos muito a avançar. Vivemos a repetir isso. Mas em um lugar onde até bem pouco tempo atrás mal se via polícia na rua, topar com policiais mal educados já é lucro. Deprimente dizer isso, mas é melhor do que nada. Pelo menos, por alguns metros, quero crer que fiquei livre do risco de ser assaltado.
Quem sabe na próxima eu ganho um bom dia?
sexta-feira, 16 de novembro de 2007
Crianças do século XXI
Esta é verídica e foi contada a minha esposa por uma amiga.
Estava ela em casa, tomando café da manhã com o neto, uma criança de 3 anos. Em dado momento, o menino disse que faria o café e perguntou à avó se ela compraria o café dele. Concordando, a avó pegou uns papeis e disse que aquele era o seu dinheiro.
— Não, vovó — retrucou o garoto, em seu jeito infantil de falar.
Ele se levantou, pegou um pedaço de cartolina e começou a passá-lo na fresta da madeira de uma cadeira e disse:
— Passa cartão!
É, as crianças do século XXI nos surpreendem com esse tipo de comportamento, mas talvez porque nós ainda estejamos com a cabeça um pouco no passado. Se pararmos para pensar, a atitude do menino não é verdadeiramente surpreendente, pois ele agiu de acordo com o que vê ao seu redor, cotidianamente. As crianças de hoje são naturalmente mais adaptadas a tecnologias que pessoas de nossa geração só conheceram a certa altura da vida.
Se não nos cuidarmos, acabaremos obsoletos. Não com a tecnologia e sim com as crianças.
Estava ela em casa, tomando café da manhã com o neto, uma criança de 3 anos. Em dado momento, o menino disse que faria o café e perguntou à avó se ela compraria o café dele. Concordando, a avó pegou uns papeis e disse que aquele era o seu dinheiro.
— Não, vovó — retrucou o garoto, em seu jeito infantil de falar.
Ele se levantou, pegou um pedaço de cartolina e começou a passá-lo na fresta da madeira de uma cadeira e disse:
— Passa cartão!
É, as crianças do século XXI nos surpreendem com esse tipo de comportamento, mas talvez porque nós ainda estejamos com a cabeça um pouco no passado. Se pararmos para pensar, a atitude do menino não é verdadeiramente surpreendente, pois ele agiu de acordo com o que vê ao seu redor, cotidianamente. As crianças de hoje são naturalmente mais adaptadas a tecnologias que pessoas de nossa geração só conheceram a certa altura da vida.
Se não nos cuidarmos, acabaremos obsoletos. Não com a tecnologia e sim com as crianças.
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
A culpa é da Veja
Como todos sabemos, a revista Veja enxerga o mundo em tons de marrom. Dentre as suas muitas preocupações diuturnas, está infernizar o PT, Lula e outras pessoas que, sabe-se lá por quê, pisaram no calo da insuspeita publicação. A governadora Ana Júlia é uma delas. Por isso, no início do ano, foi dada enorme repercussão a um decreto de ponto facultativo que, segundo teria explicado a governadora, apenas sacramentava uma praxe estabelecida há anos no Estado. Ou seja, da noite para o dia o paraense virou um vagabundo de carteirinha. A explicação da autoridade, de fato, não foi lá muito feliz.
Amanhã, quando milhares de servidores públicos estaduais tiverem que acordar para trabalhar, numa sexta-feira imprensada, porque o governo do Estado se recusou a facultar o ponto, agradeçam à Veja. Há pedradas que o governo pode evitar de levar.
PS — Deixo claro que, pessoalmente, desaprovo essa institucionalização brasileira da malandragem. Se o feriado é na quinta, ele termina à meia-noite de quinta. Não há razão para enforcar a sexta-feira. Mesmo sabendo que me odiarão por dizer isso, sinto-me à vontade para fazê-lo, pois sou da raia miúda e não empregador. A vagabundagem generalizada custa caro ao desenvolvimento do país. E aumenta as mortes nas estradas.
Amanhã, quando milhares de servidores públicos estaduais tiverem que acordar para trabalhar, numa sexta-feira imprensada, porque o governo do Estado se recusou a facultar o ponto, agradeçam à Veja. Há pedradas que o governo pode evitar de levar.
PS — Deixo claro que, pessoalmente, desaprovo essa institucionalização brasileira da malandragem. Se o feriado é na quinta, ele termina à meia-noite de quinta. Não há razão para enforcar a sexta-feira. Mesmo sabendo que me odiarão por dizer isso, sinto-me à vontade para fazê-lo, pois sou da raia miúda e não empregador. A vagabundagem generalizada custa caro ao desenvolvimento do país. E aumenta as mortes nas estradas.
Técnica de convencimento
Nesta cidade, em diversos cruzamentos, quando paramos, somos abordados por uma miríade de vendedores, limpadores de vidro, malabaristas, pedintes, etc. A novidade para mim, hoje, foi encontrá-los na Júlio César com a Pedro Álvares Cabral uniformizados. O uniforme consiste numa camiseta branca com a legenda JUSTIÇA! e a conhecida fotografia dos irmãos Novelino, que também estampa alguns outdoors.
Camisetas aludindo a vítimas de crimes rumorosos ou a movimentos surgidos em decorrência deles não são novidade. Mas costumam ser envergadas pelos familiares e amigos próximos, pessoas que assumem a causa ou, ainda, por quem tenha ligação com instituições especialmente interessadas.
Nunca antes vira gente ser cooptada para usar uma roupa expressiva de uma mensagem que, convenhamos, não deve ser preocupação de quem a veste. Acredito que seja uma teste de marketing criada pela família, a fim de criar em toda a população a percepção de que cada indivíduo, sem exceção, está pessoalmente interessado no desfecho do julgamento. Por mais respeito que tenhamos pela família enlutada, isso não é verdade. Se perguntarmos ao próprio vendedor que usa a camiseta se ela pensa no assunto, talvez escutemos que ele tem mais urgência em conseguir dinheiro para levar para casa. Ou em vender suas frutas, antes que estraguem.
Essa manobra para nos convencer de que estamos todos empenhados num grito por justiça poderia ter, creio, apenas um efeito: influenciar no ânimo dos sete jurados que decidirão a sorte dos réus. Quanto mais eles acreditarem que precisam condenar exemplarmente os réus, maior a chance de isso se concretizar.
Não recrimino a família Novelino. No lugar deles, e dispondo dos recursos de que dispõem, talvez fizesse a mesma coisa. Só me incomoda a manipulação. Por isso, é mais provável que eu usasse a penetração que possuem junto aos meios de comunicação e instituições públicas para fazer apelos ostensivos por justiça. Mas sem a necessidade de tentar convencer cada motorista de ônibus, motoboy ou desempregado da cidade de que é nisso que ele está pensando hoje,
Camisetas aludindo a vítimas de crimes rumorosos ou a movimentos surgidos em decorrência deles não são novidade. Mas costumam ser envergadas pelos familiares e amigos próximos, pessoas que assumem a causa ou, ainda, por quem tenha ligação com instituições especialmente interessadas.
Nunca antes vira gente ser cooptada para usar uma roupa expressiva de uma mensagem que, convenhamos, não deve ser preocupação de quem a veste. Acredito que seja uma teste de marketing criada pela família, a fim de criar em toda a população a percepção de que cada indivíduo, sem exceção, está pessoalmente interessado no desfecho do julgamento. Por mais respeito que tenhamos pela família enlutada, isso não é verdade. Se perguntarmos ao próprio vendedor que usa a camiseta se ela pensa no assunto, talvez escutemos que ele tem mais urgência em conseguir dinheiro para levar para casa. Ou em vender suas frutas, antes que estraguem.
Essa manobra para nos convencer de que estamos todos empenhados num grito por justiça poderia ter, creio, apenas um efeito: influenciar no ânimo dos sete jurados que decidirão a sorte dos réus. Quanto mais eles acreditarem que precisam condenar exemplarmente os réus, maior a chance de isso se concretizar.
Não recrimino a família Novelino. No lugar deles, e dispondo dos recursos de que dispõem, talvez fizesse a mesma coisa. Só me incomoda a manipulação. Por isso, é mais provável que eu usasse a penetração que possuem junto aos meios de comunicação e instituições públicas para fazer apelos ostensivos por justiça. Mas sem a necessidade de tentar convencer cada motorista de ônibus, motoboy ou desempregado da cidade de que é nisso que ele está pensando hoje,
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
Com a palavra, as mulheres

(...) Toda mulher tem que ser despudorada na cama, se não for, o casal se trava, ainda mais hoje em dia que tudo é tão aberto. Mas sei que sou uma minoria. Na nossa sociedade, ainda deve ter muita mulher infeliz, que não sabe o que é gozar, que não tem fantasias realizadas".
Flávia Alessandra, 33, atriz carioca, em entrevista recente
Vida sem perspectivas
Ontem, quase à meia noite, eu e minha esposa paramos em frente a uma loja, a fim de entrar no carro. Lancei um breve olhar à vitrine. Apesar de breve, esse olhar foi percebido pelo flanelinha que se aproximava e foi logo explicando que o traje composto no manequim custava, ao todo, mais de 900 reais. Tratava-se de camisa, uma jaqueta (para o clima de Belém?) e calças jeans. Ele sabia dizer o preço de cada peça e o somatório.
Perguntamo-nos, no trajeto para casa, se ele conhecia aqueles valores apenas porque os via o tempo todo, porque passa muitas horas em frente à loja, ou se, talvez, ele já se postou diante da vitrine sonhando em, um dia, poder cobrir o corpo com uma beca daquelas.
Se sonhou, convenhamos, é um sonho com remotas possibilidades de realização. E isso sempre foi algo que me assustou muito: pior do que ter ou não ter dinheiro para alguma coisa, é não ter a perspectiva de mudar a conjuntura em que nos encontramos, não vislumbrar uma vida diferente, uma melhoria à frente. Já pensou? Você se imagina daqui a cinco, oito anos, e o que vê é a mesmíssima situação de agora. Para mim, é assustador.
Assim pensando, até senti alguma simpatia pelo flanelinha sem nome, que falou comigo tão educadamente. Até me arrependi um pouco pelos 75 centavos que lhe dei, mesmo consciente de não precisar dar-lhe absolutamente nada. É da minha natureza me condoer com as misérias humanas. Não suporto ter que conviver com essas disparidades: frente à frente, a opulência e a penúria, coexistindo como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Não é. Ao me deitar para dormir, pairava ante meus olhos uma imagem fictícia do flanelinha olhando fixamente aquele manequim. E depois indo embora, arrastando suas sandálias. Como seria bom se ele pudesse, amanhã, conseguir ao menos uma fonte de renda honesta capaz de lhe suprir as necessidades.
Bom seria.
Perguntamo-nos, no trajeto para casa, se ele conhecia aqueles valores apenas porque os via o tempo todo, porque passa muitas horas em frente à loja, ou se, talvez, ele já se postou diante da vitrine sonhando em, um dia, poder cobrir o corpo com uma beca daquelas.
Se sonhou, convenhamos, é um sonho com remotas possibilidades de realização. E isso sempre foi algo que me assustou muito: pior do que ter ou não ter dinheiro para alguma coisa, é não ter a perspectiva de mudar a conjuntura em que nos encontramos, não vislumbrar uma vida diferente, uma melhoria à frente. Já pensou? Você se imagina daqui a cinco, oito anos, e o que vê é a mesmíssima situação de agora. Para mim, é assustador.
Assim pensando, até senti alguma simpatia pelo flanelinha sem nome, que falou comigo tão educadamente. Até me arrependi um pouco pelos 75 centavos que lhe dei, mesmo consciente de não precisar dar-lhe absolutamente nada. É da minha natureza me condoer com as misérias humanas. Não suporto ter que conviver com essas disparidades: frente à frente, a opulência e a penúria, coexistindo como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Não é. Ao me deitar para dormir, pairava ante meus olhos uma imagem fictícia do flanelinha olhando fixamente aquele manequim. E depois indo embora, arrastando suas sandálias. Como seria bom se ele pudesse, amanhã, conseguir ao menos uma fonte de renda honesta capaz de lhe suprir as necessidades.
Bom seria.
terça-feira, 13 de novembro de 2007
O sistema
Agora que o Arbítrio está sendo visitado por filósofos, é melhor subir o nível dos temas. Brincadeiras à parte, navegando pelo Observatório da Imprensa encontrei um artigo muito interessante sobre o novo seriado humorístico da Rede Globo, O sistema. Criação de profissionais da melhor qualidade no ramo — o diretor José Lavigne e os roteiristas Alexandre Machado e Fernanda Young —, o programa não leva a ninguém a rir desbragadamente (a julgar apenas pelo primeiro episódio e pelo primeiro bloco do segundo — foi só o que vi), mas decididamente não é coisas para os rets de plantão, que desligam o cérebro para ver TV ou ir ao cinema. Há inteligência no ar, apesar da linguagem previsivelmente exagerada, como se vê por um Ney Latorraca de fralda.
O fato é que produtos televisivos, quando bem pensados, podem gerar discussões muitíssimo interessantes, como esta acerca de um sistema como um ente com existência própria, externa e superior aos seres humanos e, por isso mesmo, insuscetível de ser vencido.
Leia a ótima resenha aqui.
O fato é que produtos televisivos, quando bem pensados, podem gerar discussões muitíssimo interessantes, como esta acerca de um sistema como um ente com existência própria, externa e superior aos seres humanos e, por isso mesmo, insuscetível de ser vencido.
Leia a ótima resenha aqui.
"Ela é rica e bonita"
Maria Cláudia Del'Isola (foto) era bonita, tinha uma boa família, dinheiro, cursava faculdades de Peda
gogia e de Psicologia, divertia-se com amigos. Tinha uma vida adorável, o tipo de coisa que desperta inveja. E despertou. No dia 9.12.2004, a empregada da residência de Maria Cláudia, Adriana de Jesus Santos, convenceu seu namorado e também caseiro no local, Bernardino do Espírito Santo Filho, a estuprar e assassinar a moça, que então contava 19 anos.

Amarrada com fios, a vítima sofreu abusos sexuais diversos e foi morta a golpes de faca e pá, numa ação premeditada. Posteriormente, foi enterrada sob uma escada da própria casa, uma residência luxuosa do Lago Sul, em Brasília. Os dois homicidas permaneceram na casa como se nada tivesse acontecido.
Segundo se apurou depois, Adriana ficou com ciúme ao perceber que Bernardino, que já tinha histórico de violência sexual, sentia-se atraído pela jovem patroa. A inaceitação pessoal foi poderosa: ela não suportou o fato de Maria Cláudia ser "rica e bonita" enquanto ela era "pobre e feia". Além disso, havia também a motivação econômica, que os levou a forçar a vítima a fornecer a senha do cofre.
A princípio, Maria Cláudia foi dada como desaparecida. O corpo somente foi encontrado devido ao mau cheiro, já no dia 12. Bernardino se evadira para a Bahia, mas acabou preso, delatado por Adriana, que segundo a polícia confessou o delito falando "sempre com muita arrogância e muito desprezo".
Ontem, o tribunal do júri — que representa a própria comunidade afetada pelo crime convidada a participar da jurisdição, poder inerente ao Estado — decidiu condenar Adriana a 58 anos de reclusão. Foram 30 anos por homicídio qualificado, 12 anos e seis meses por estupro, pena igual por atentado violento ao pudor e mais três anos por ocultação de cadáver.
Bernardino deve ser julgado no próximo dia 10 de dezembro.
Não é brincadeira a natureza humana.
segunda-feira, 12 de novembro de 2007
Por pouco
Retorno para dizer que, por pouco, os senhores não ficaram sem atualizações neste blog. Ontem, por volta das 21 horas, parei no cruzamento da Av. Brigadeiro Protásio com a Dr. Freitas. Como finalmente alguém percebeu que devia reajustar o tempo do semáforo da Duque, naquela confluência, o ridículo intervalo de 12 segundos subiu para 30 segundos, provocando a diminuição do congestionamento diário. Não sei se o tempo das outras vias mudou também.
O fato é que eu já estava parado há algum tempo e até comentei com minha esposa sobre a demora, para quem estava no ponto em que nos encontrávamos. Foi quando o sinal abriu para mim. Vi que, no sentido em que eu trafegava, o tempo era de 28 segundos. Nesse instante, um motociclista avançou o sinal vermelho, no sentido Dr. Freitas-Duque. Ele e sua carona estavam sem capacete. Apontei o irresponsável e me pus em movimento. Fui o primeiro veículo a avançar e, dali a pouco, escutei uma buzina apertada à toda. Surpreso, olhei para a esquerda e vi um Corsa, modelo antigo, cor escura, aproximando-se. Ou seja, ele avançou o sinal fechado na maior cara dura, pois vinha atrás da moto que, por sua vez, já tinha avançado também.
Passei sem maiores problemas, mas se eu tivesse saído um pouco mais lentamente ou se o animal viesse com maior velocidade — o que seria de se esperar de alguém que fura deliberadamente o sinal — a colisão teria ocorrido. Ele teria atingido o meu carro em cheio, ficando o impacto diretamente sobre mim.
Chegamos em casa com segurança, a despeito de tudo, agradecendo a Deus. O que mais me assustou foi um fator que pode incidir sobre qualquer um de nós: eu simplesmente não vi o carro! Não estava distraído. Pelo contrário. Prestei atenção num motociclista que parou perto de mim, no motociclista que avançou o sinal vindo do mesmo lado, no semáforo e até em pedestres, mas simplesmente não vi o tal carro. E isso provavelmente porque confiei que, com o semáforo me garantindo, eu podia passar.
Em suma, não podemos confiar. Temos que adivinhar e tomar cautelas excepcionais para nos proteger desses calhordas, desgraçados com instinto suicida e assassino, que numa fração de segundo pode mudar completamente as nossas vidas. Ou acabar com elas.
Redobre você também a sua cautela. No trânsito, vale a filosofia Arquivo X: não confie em ninguém.
O fato é que eu já estava parado há algum tempo e até comentei com minha esposa sobre a demora, para quem estava no ponto em que nos encontrávamos. Foi quando o sinal abriu para mim. Vi que, no sentido em que eu trafegava, o tempo era de 28 segundos. Nesse instante, um motociclista avançou o sinal vermelho, no sentido Dr. Freitas-Duque. Ele e sua carona estavam sem capacete. Apontei o irresponsável e me pus em movimento. Fui o primeiro veículo a avançar e, dali a pouco, escutei uma buzina apertada à toda. Surpreso, olhei para a esquerda e vi um Corsa, modelo antigo, cor escura, aproximando-se. Ou seja, ele avançou o sinal fechado na maior cara dura, pois vinha atrás da moto que, por sua vez, já tinha avançado também.
Passei sem maiores problemas, mas se eu tivesse saído um pouco mais lentamente ou se o animal viesse com maior velocidade — o que seria de se esperar de alguém que fura deliberadamente o sinal — a colisão teria ocorrido. Ele teria atingido o meu carro em cheio, ficando o impacto diretamente sobre mim.
Chegamos em casa com segurança, a despeito de tudo, agradecendo a Deus. O que mais me assustou foi um fator que pode incidir sobre qualquer um de nós: eu simplesmente não vi o carro! Não estava distraído. Pelo contrário. Prestei atenção num motociclista que parou perto de mim, no motociclista que avançou o sinal vindo do mesmo lado, no semáforo e até em pedestres, mas simplesmente não vi o tal carro. E isso provavelmente porque confiei que, com o semáforo me garantindo, eu podia passar.
Em suma, não podemos confiar. Temos que adivinhar e tomar cautelas excepcionais para nos proteger desses calhordas, desgraçados com instinto suicida e assassino, que numa fração de segundo pode mudar completamente as nossas vidas. Ou acabar com elas.
Redobre você também a sua cautela. No trânsito, vale a filosofia Arquivo X: não confie em ninguém.
Soy contra!
A primeira vez que escutei a expressão "Hay gobierno? Soy contra!", não aquilatei muito bem o seu alcance. Mas depois fui para a UFPA e aí, digamos, as minhas percepções foram desanuviadas. Afinal, ali o que mais tem é gente contrária a... a... a o que mesmo?
Mais uma vez foi realizada a prova do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes — ENADE e, mais uma vez, houve protestos, confusão e recomendação de boicote. Em Belém, para variar, até desforço físico. E tudo isso para quê? Por que o ENADE não avalia! Todavia, é o caso de perguntar, se não avalia, o que poderia ser usado como instrumento de avaliação? Penso que seria minimamente sensato, da parte dos opositores, oferecer uma proposta que pudesse ser apreciada. Mas se as coisas não mudaram na política estudantil nos últimos quinze anos, aposto que os queixosos são contra e nada têm a oferecer. Querem apenas acabar com a medida, já que é do governo.
Há muitos senões a se levantar quanto ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior — SINAES, mas considero um avanço haver uma política oficial com essa finalidade. E como toda avaliação, ela nunca é plena e definitiva, mas deve ser discutida durante o processo. Essa é a única forma de a medida ter uma chance de ser bem sucedida. Mas não para os revolucionários, claro.
Considero justa, entretanto, a reclamação contra o impedimento imposto ao aluno faltoso, no que tange ao recebimento de sua documentação acadêmica. Primeiro porque cria distinção entre as pessoas, eis que não se trata de obrigação a todos imposta. Se sou selecionado, ganho o ônus de ter que realizar mais atos para concluir meu curso validamente do que os demais colegas. O maior argumento, contudo, diz respeito a possível ilegalidade. Afinal, ninguém é obrigado a submeter-se a imposições que não tenham como suporte a lei.
Em página específica na internet, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira — INEP, vinculado ao Ministério da Educação e responsável pelo SINAES, informa que o ENADE "é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, sendo o registro de participação condição indispensável para a emissão do histórico escolar" e que "a participação do estudante selecionado no Enade é condição indispensável para a emissão do histórico escolar". Aduz que "o estudante selecionado que não realizou a prova não poderá receber o seu diploma enquanto não regularizar a sua situação junto ao Enade."
O exame é regulamentado pela Portaria n. 107, de 2004, cujo art. 6º determina que "Os estudantes selecionados pelo INEP para participarem do ENADE deverão comparecer e realizar, obrigatoriamente, o Exame, no dia e hora definidos em calendário, para terem o registro no seu histórico escolar sobre sua situação no ENADE, de acordo com o artigo 28 da Portaria Nº 2.051, de 09 de julho de 2004, do Ministro do Estado da Educação".
Ocorre que uma portaria não supre a exigência de lei, em sentido estrito, a menos que uma lei em sentido estrito autorize expressamente a emissão da tal portaria. E quando examinamos a Lei n. 10.861, de 2004, o que encontramos em seu art. 5º, § 5º, é o seguinte: "O ENADE é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, sendo inscrita no histórico escolar do estudante somente a sua situação regular com relação a essa obrigação, atestada pela sua efetiva participação ou, quando for o caso, dispensa oficial pelo Ministério da Educação, na forma estabelecida em regulamento."
Em suma, realmente fiquei com sérias dúvidas quanto à legalidade dessa obrigação.
Mais uma vez foi realizada a prova do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes — ENADE e, mais uma vez, houve protestos, confusão e recomendação de boicote. Em Belém, para variar, até desforço físico. E tudo isso para quê? Por que o ENADE não avalia! Todavia, é o caso de perguntar, se não avalia, o que poderia ser usado como instrumento de avaliação? Penso que seria minimamente sensato, da parte dos opositores, oferecer uma proposta que pudesse ser apreciada. Mas se as coisas não mudaram na política estudantil nos últimos quinze anos, aposto que os queixosos são contra e nada têm a oferecer. Querem apenas acabar com a medida, já que é do governo.
Há muitos senões a se levantar quanto ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior — SINAES, mas considero um avanço haver uma política oficial com essa finalidade. E como toda avaliação, ela nunca é plena e definitiva, mas deve ser discutida durante o processo. Essa é a única forma de a medida ter uma chance de ser bem sucedida. Mas não para os revolucionários, claro.
Considero justa, entretanto, a reclamação contra o impedimento imposto ao aluno faltoso, no que tange ao recebimento de sua documentação acadêmica. Primeiro porque cria distinção entre as pessoas, eis que não se trata de obrigação a todos imposta. Se sou selecionado, ganho o ônus de ter que realizar mais atos para concluir meu curso validamente do que os demais colegas. O maior argumento, contudo, diz respeito a possível ilegalidade. Afinal, ninguém é obrigado a submeter-se a imposições que não tenham como suporte a lei.
Em página específica na internet, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira — INEP, vinculado ao Ministério da Educação e responsável pelo SINAES, informa que o ENADE "é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, sendo o registro de participação condição indispensável para a emissão do histórico escolar" e que "a participação do estudante selecionado no Enade é condição indispensável para a emissão do histórico escolar". Aduz que "o estudante selecionado que não realizou a prova não poderá receber o seu diploma enquanto não regularizar a sua situação junto ao Enade."
O exame é regulamentado pela Portaria n. 107, de 2004, cujo art. 6º determina que "Os estudantes selecionados pelo INEP para participarem do ENADE deverão comparecer e realizar, obrigatoriamente, o Exame, no dia e hora definidos em calendário, para terem o registro no seu histórico escolar sobre sua situação no ENADE, de acordo com o artigo 28 da Portaria Nº 2.051, de 09 de julho de 2004, do Ministro do Estado da Educação".
Ocorre que uma portaria não supre a exigência de lei, em sentido estrito, a menos que uma lei em sentido estrito autorize expressamente a emissão da tal portaria. E quando examinamos a Lei n. 10.861, de 2004, o que encontramos em seu art. 5º, § 5º, é o seguinte: "O ENADE é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, sendo inscrita no histórico escolar do estudante somente a sua situação regular com relação a essa obrigação, atestada pela sua efetiva participação ou, quando for o caso, dispensa oficial pelo Ministério da Educação, na forma estabelecida em regulamento."
Em suma, realmente fiquei com sérias dúvidas quanto à legalidade dessa obrigação.
Caravanas?
Tudo bem que se queira colocar telões do lado de fora do salão onde o tribunal do júri julgará os réus do "caso Novelino". Não seria a primeira vez que julgamentos rumorosos são tratados dessa forma. Mas de onde nasceu a expectativa de que "várias caravanas do interior do Estado" virão a Belém para acompanhar o acontecimento, como noticia hoje o Repórter Diário? No caso Eldorado do Carajás havia mais de 150 réus, tornando a medida necessária porque nem sequer as famílias dos acusados poderiam acompanhar a sessão de outra forma. E quanto ao caso Dorothy Stang, trata-se de crime relacionado aos conflitos agrários que, no Pará, são meio de cultura para atrocidades de todo tipo. As caravanas eram de agricultores.
Quanto ao julgamento dos acusados de matar os Novelino, quem seriam essas tantas pessoas interessadas em vir de longe para acompanhar o julgamento? Será que já existem tantas faculdades de Direito no interior do Estado? A menos que eu esteja muito desinformado, além dos familiares (por motivos óbvios), os estudantes teriam interesse em acompanhar de perto. Decerto que há muita gente profundamente interessada no desfecho dos acontecimentos mas... não vão querer aparecer, certo?
PS — Enquanto isso, o outro jornal noticia que o acesso do público ao plenário do tribunal do júri será livre, dispondo de 200 vagas para quem quiser. Isso destoa completamente da sugestão de um julgamento concorrido pois, se assim o fosse, haveria a necessidade de restrição de acesso.
Quanto ao julgamento dos acusados de matar os Novelino, quem seriam essas tantas pessoas interessadas em vir de longe para acompanhar o julgamento? Será que já existem tantas faculdades de Direito no interior do Estado? A menos que eu esteja muito desinformado, além dos familiares (por motivos óbvios), os estudantes teriam interesse em acompanhar de perto. Decerto que há muita gente profundamente interessada no desfecho dos acontecimentos mas... não vão querer aparecer, certo?
PS — Enquanto isso, o outro jornal noticia que o acesso do público ao plenário do tribunal do júri será livre, dispondo de 200 vagas para quem quiser. Isso destoa completamente da sugestão de um julgamento concorrido pois, se assim o fosse, haveria a necessidade de restrição de acesso.
domingo, 11 de novembro de 2007
Incrível!
Diante do título da postagem, o que você pensou? Provavelmente, em algo grandioso, extraordinário, estarrecedor. Duvido que lhe tenha passado pela cabeça a ideia de algo que não ofereça credibilidade ou confiança.
Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss:
Não é difícil perceber como o sentido originário da palavra migrou para o que mais se conhece hoje em dia. Afinal, algo fora do normal é mesmo difícil ou até impossível de acreditar. Daí, incrível. O problema é que, pelo menos aqui no Brasil, o sentido por derivação se tornou tão importante que acabou por anular o sentido original. Se eu, p. ex., numa aula, falasse algo como "No processo, foi ouvida uma testemunha incrível", meus interlocutores provavelmente entenderiam tratar-se de uma testemunha tão poderosa que, somente com o seu depoimento, muito se avançou na descoberta da verdade. Mas, pelo contrário, quero dizer que ela é suspeita e não merece a menor fé, por isso não ajudou em nada ao processo.
Já me flagrei várias vezes dizendo que algo "não é crível" pois, se dissesse que "é incrível", poderia não me dar a entender.
Para quem lamentar a perda do sentido etimológico do vocábulo, há a alternativa de usar a forma incredível. Todavia, trata-se de uma forma antiga e de uso raro, o que pode ser interpretado como arcaísmo, aquele vício de linguagem consistente em usar palavras que já caíram em desuso. E, como sabemos, os vícios de linguagem devem ser evitados porque não decorrem do uso consciente de um certo estilo de comunicação, e sim do desconhecimento da norma culta.
Tenha um domingo incrível.
Atualizado no mesmo dia, às 16h15:
Na verdade, eu estava enganado. Leiam o comentário escrito pelo filósofo André Coelho e descubram que a origem de "incrível" é exatamente a oposta da que supus nesta postagem. Vivendo e aprendendo. Abraços, André.
Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss:
Incrível
* adjetivo de dois gêneros e substantivo masculino
1 que ou o que não é crível, não se pode acreditar
Ex.:
* adjetivo de dois gêneros
2 que possui um caráter extraordinário; fantástico
Ex.:
3 fora do comum, ridículo, extravagante; excêntrico, singular, incompreensível
Ex.: "é um homem i., suas atitudes são sempre imprevisíveis"
Não é difícil perceber como o sentido originário da palavra migrou para o que mais se conhece hoje em dia. Afinal, algo fora do normal é mesmo difícil ou até impossível de acreditar. Daí, incrível. O problema é que, pelo menos aqui no Brasil, o sentido por derivação se tornou tão importante que acabou por anular o sentido original. Se eu, p. ex., numa aula, falasse algo como "No processo, foi ouvida uma testemunha incrível", meus interlocutores provavelmente entenderiam tratar-se de uma testemunha tão poderosa que, somente com o seu depoimento, muito se avançou na descoberta da verdade. Mas, pelo contrário, quero dizer que ela é suspeita e não merece a menor fé, por isso não ajudou em nada ao processo.
Já me flagrei várias vezes dizendo que algo "não é crível" pois, se dissesse que "é incrível", poderia não me dar a entender.
Para quem lamentar a perda do sentido etimológico do vocábulo, há a alternativa de usar a forma incredível. Todavia, trata-se de uma forma antiga e de uso raro, o que pode ser interpretado como arcaísmo, aquele vício de linguagem consistente em usar palavras que já caíram em desuso. E, como sabemos, os vícios de linguagem devem ser evitados porque não decorrem do uso consciente de um certo estilo de comunicação, e sim do desconhecimento da norma culta.
Tenha um domingo incrível.
Atualizado no mesmo dia, às 16h15:
Na verdade, eu estava enganado. Leiam o comentário escrito pelo filósofo André Coelho e descubram que a origem de "incrível" é exatamente a oposta da que supus nesta postagem. Vivendo e aprendendo. Abraços, André.
sábado, 10 de novembro de 2007
Marcha um tanto quanto lenta
Já perdi a conta das vezes que passei por aqui recentemente dizendo que minhas obrigações têm reduzido o meu tempo para prazeres, dentre eles o blog. As tarefas se sucedem numa quantidade absurda e num ritmo cruel, de modo que, vencida uma, lá vem o restante da fila. A coisa continua nesse nível e é daqui para pior, até as vésperas do Natal, pelo menos. Daí meu interesse em que o ano acabe.
Digo isto para as pessoas que gentilmente têm deixado os seus comentários e que talvez não encontrem respostas para eles. Tenho demorado até dois dias para responder, mas mantenho minha firme intenção de sempre dar um retorno a quem me escreve. Por isso, se você fizer um comentário, retornar e não encontrar a minha réplica, só me dê mais um tempinho e depois procure novamente. Ao menos um alô eu lhe darei.
Grato pela paciência e, acima de tudo, pela honra de me dedicar uns instantes do seu tempo, coisa muito valiosa hoje em dia. Abraços a todos.
Digo isto para as pessoas que gentilmente têm deixado os seus comentários e que talvez não encontrem respostas para eles. Tenho demorado até dois dias para responder, mas mantenho minha firme intenção de sempre dar um retorno a quem me escreve. Por isso, se você fizer um comentário, retornar e não encontrar a minha réplica, só me dê mais um tempinho e depois procure novamente. Ao menos um alô eu lhe darei.
Grato pela paciência e, acima de tudo, pela honra de me dedicar uns instantes do seu tempo, coisa muito valiosa hoje em dia. Abraços a todos.
Aniversário em família
Hoje meu filho completou três anos de vida. Não se trata de um filho no sentido mais estrito do termo, e sim de uma criatura viva que o coração decide adotar. Já falei dele aqui. Trata-se de Frodo, meu golden retriever, que está diretamente associado a minha história de casado, já que adquirido durante a lua-de-mel. Portanto, tudo o que diz respeito a minha casa, a minha vida em seu sentido mais doméstico tem a ver com ele, de algum modo.

Só quem possui um cachorro e valoriza essa convivência compreende o que quero dizer. Não se trata daquelas futilidades, frescuras e sandices que gente sem noção comete. Cachorro é bicho e deve ser tratado como tal. Não deve comer alimentos humanos (gordurosos e nocivos à saúde), especialmente doces (tem gente que dá chocolate e até bebida alcoólica! uns criminosos!), nem dormir em nossas camas ou ditar o ritmo da casa. Não pode, também, virar a válvula de escape das frustrações e mediocridades de seus donos, o que pode ser percebido em animais que apresentam um temperamento particularmente detestável. Ele não é assim: ficou assim, por causa da má educação recebida.

Ser tratado como bicho de modo algum precisa ser ruim. Muito pelo contrário. Tenho convicção de que muita gente gostaria de estar no lugar do meu Frodo. Ele tem um teto seguro, vive e dorme em lugares limpos, tem alimentação balanceada, come petiscos, possui brinquedos, acompanhamento médico e — suprema bênção — uma família devotada, gente que nutre por ele uma afeição imensa, revelada em atos de inequívoco carinho, como muitos humanos jamais lograram ter.
E retribui, com seu olhar doce, sua cauda agitada, sua alegria, seu instinto protetivo e sua entrega total, especialmente quando se deita no chão, exibe o peito e nos diz, com gestos, que confia plenamente em nós.
Como toda relação de amor, uma dádiva para nossas vidas. Feliz aniversário, Frodo. Obrigado por tudo.


Um filhote narigudo
Só quem possui um cachorro e valoriza essa convivência compreende o que quero dizer. Não se trata daquelas futilidades, frescuras e sandices que gente sem noção comete. Cachorro é bicho e deve ser tratado como tal. Não deve comer alimentos humanos (gordurosos e nocivos à saúde), especialmente doces (tem gente que dá chocolate e até bebida alcoólica! uns criminosos!), nem dormir em nossas camas ou ditar o ritmo da casa. Não pode, também, virar a válvula de escape das frustrações e mediocridades de seus donos, o que pode ser percebido em animais que apresentam um temperamento particularmente detestável. Ele não é assim: ficou assim, por causa da má educação recebida.
Aos dois anos, um passeio e o prazer de um carinho
Ser tratado como bicho de modo algum precisa ser ruim. Muito pelo contrário. Tenho convicção de que muita gente gostaria de estar no lugar do meu Frodo. Ele tem um teto seguro, vive e dorme em lugares limpos, tem alimentação balanceada, come petiscos, possui brinquedos, acompanhamento médico e — suprema bênção — uma família devotada, gente que nutre por ele uma afeição imensa, revelada em atos de inequívoco carinho, como muitos humanos jamais lograram ter.
E retribui, com seu olhar doce, sua cauda agitada, sua alegria, seu instinto protetivo e sua entrega total, especialmente quando se deita no chão, exibe o peito e nos diz, com gestos, que confia plenamente em nós.
Como toda relação de amor, uma dádiva para nossas vidas. Feliz aniversário, Frodo. Obrigado por tudo.

Aos três anos, o charme adulto
Acréscimo em 4.10.2011
Mas eis que veio uma gravidez e uma pequenina chamada Júlia e a alegria do Frodo deixou de ser a mesma de antes...
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
Dizque de Caxias 4
O prazo de 15 dias dado para a fiscalização educativa (ahahahahahahahahah!!!) de trânsito ao longo da Av. Duque de Caxias, especialmente no que tange às faixas de pedestres, ainda nem terminou, mas esta tarde os dois agentes que pajeavam a faixa às proximidades da Vileta não se aguentaram: quando um veículo passou ignorando a faixa, enquanto transeuntes aguardavam para atravessar, a multa foi aplicada.
A gana dos agentes era tanta que ambos sacaram do talonário e da caneta ao mesmo tempo, sendo que um declinou em favor do parceiro, que começou a escrever. O primeiro deve ter ficado frustrado.
Enquanto isso, eu parado à espera da travessia, vi uma mulher a um metro da faixa (e não sobre ela), olhando em redor meio abobalhada. Acho que ela não acreditou que, como pedestre, tinha preferência de passagem. A motorista ao meu lado fazia-lhe sinal para que seguisse em frente, mas ela permaneceu imóvel.
Ávidos pelos carros, os agentes não saber que educação para o trânsito envolve, também, atenção ao pedestre. Eles não viram a mulher. Claro, ela não pode ser multada.
A gana dos agentes era tanta que ambos sacaram do talonário e da caneta ao mesmo tempo, sendo que um declinou em favor do parceiro, que começou a escrever. O primeiro deve ter ficado frustrado.
Enquanto isso, eu parado à espera da travessia, vi uma mulher a um metro da faixa (e não sobre ela), olhando em redor meio abobalhada. Acho que ela não acreditou que, como pedestre, tinha preferência de passagem. A motorista ao meu lado fazia-lhe sinal para que seguisse em frente, mas ela permaneceu imóvel.
Ávidos pelos carros, os agentes não saber que educação para o trânsito envolve, também, atenção ao pedestre. Eles não viram a mulher. Claro, ela não pode ser multada.
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