quarta-feira, 8 de junho de 2011

Battisti

Existem alguns casos que se tornam emblemáticos para os estudiosos do Direito, porque neles algum tema precisa ser tão esmiuçado que, dali por diante, quando vamos dar uma aula sobre o aludido tema, exemplificá-lo com o caso se torna às vezes inevitável.
Erro judiciário? Irmãos Naves. Irretroatividade da lei penal mais gravosa? Guilherme de Pádua. Histeria da imprensa e destruição da vida de acusados inocentes? Escola Base. Diferença entre dolo eventual e culpa consciente? Assassinato do índio pataxó. E por aí vai. Com certeza, nunca mais as aulas de Direito Constitucional e Penal sobre extradição serão as mesmas depois de Cesare Battisti. Pela terceira vez, o Supremo Tribunal Federal está reunido para deliberar sobre o que será feito com esse rapaz. Até o presente momento, oito ministros já se pronunciaram. Seis deles convalidaram a decisão do Poder Executivo (na pessoa do então presidente da República, Lula), que negou a extradição por entender que Battisti foi condenado por crimes políticos.
O julgamento ainda não terminou e os ministros em tese podem mudar seus votos. Mas isso não deve acontecer. Se o veredito não se alterar, ficará sacramentada a tese que venho ensinando a meus alunos há quase 12 anos: o STF analisa apenas a legalidade do pedido de extradição, mas a decisão de mérito é do presidente da República, tem caráter político e fica fora do alcance da Corte Suprema. E Battisti ganhará a liberdade, para fixar residência no Brasil. Afinal, se ele viajar por aí, correrá o risco de ser preso novamente, graças a um outro pedido de extradição formulado à nação onde estiver.
Há muito o que examinar nesse instigante caso. Os meus alunos de Penal I do próximo semestre que comecem a se interessar por ele imediatamente.

Atualização às 23h08:
Seis votos contra três. Cesare Battisti está livre da prisão imposta pelo pedido de extradição formulado pela Itália.

2 comentários:

Lilica disse...

Bom dia Yúdice,

Sinceramente, não entendo porque o Brasil fica com tantos cuidados com os condenados alheios, ainda que tenha assinado acordos de proteção, asilo político e outros que tais pra estrangeiro ficar por aqui e se dar bem. Exemplificaste bem os casos emblemáticos; eu gostaria de lembrar apenas 2 casos de brasileiros que foram "muito bem tratados" lá fora:

1- Jean Charles Menezes: que crime aquele rapaz cometeu? Eu não me lembro;
2- O travesti paraense (desculpe, não consegui lembrar o nome) que teve o corpo queimado na Itália. Por sinal, a família para ter o corpo trasladado teve que pagar (se é que pagou), uma fortuna. Não observei da parte de nenhum governo europeu cuidados com os brasileiros. Dá pra explicar à luz do Direito? Um abraço.

Yúdice Andrade disse...

Agradeço a intervenção, Lilica. No mais, devo dizer que não se trata exatamente de proteger condenados estrangeiros. Existe uma questão que está por trás disso que é a rejeição às perseguições políticas. Não é todo país que se importa tanto com isso, mas o Brasil é meio obcecado com a coisa, devido aos seus débitos históricos relacionados às três décadas de ditadura militar.
Quando, por meio de um caso de extradição, o país ratifica o conceito de crime político, está mandando uma mensagem ao mundo inteiro acerca de seus valores, de sua política externa, de seu compromisso com certos objetivos. É, sem dúvida, um ato de intenso valor simbólico, que recai sobre o sempre lembrado tema da soberania nacional.