Para começar, vamos esclarecer que existe uma cantora no mundo chamada Rihanna. Não faço ideia de quem seja, nem escutei qualquer coisa que ela gravou, mas parece que a moça causou polêmica com uma canção chamada "Man down", na qual diz ter matado um homem a tiros. A letra se divide entre uma certa necessidade de violência (como quando ela se refere à arma apelidada de Peggy Sue), o remorso e até o reconhecimento da autoridade divina. Veja a letra e a tradução aqui.
Não vejo razão para o alarde. Letras retratando crimes são antigas, como se pode ver, p. ex., na canção "Folsom Prison blues", de Johnny Cash (1932-2003). Nela, o ídolo country relata que matou um homem "apenas para vê-lo morrer", portanto um crime sem motivo, mas a consequência disso não é apenas a prisão, havendo também o remorso, inclusive por ter desobedecido às lições da mãe, que o instruíra a ser uma pessoa de bem. Veja a letra e o vídeo. Por causa de suas letras sobre crimes e expiação, e shows feitos na prisão numa época de decadência, Cash acabou se tornando uma referência para presidiários, dando-lhes esperança. Este aspecto é muito bem retratado na adorável cinebiografia Johnny e June (Walk the line, dir. James Mangold, 2005), que deu a Reese Whiterspoon, merecidamente, o Oscar de melhor atriz.
Wilson Batista (1913-1968) |
Como não sou profundo conhecedor de música, o único exemplo que me ocorre neste momento, da experiência brasileira, é o samba "Mulato calado", que conheci na voz de Adriana Calcanhotto (álbum Senhas, 1992), mas que foi composto por Wilson, Benjamim e Marina Batista, gravado originalmente em 1947. Aqui, entretanto, uma grande diferença pode ser percebida.
Não sei se há mesmo alguma relação, mas o fato é que a sociedade estadunidense é armamentista e considera o porte de arma um direito, o que a meu ver a deixa mais propensa à violência e ao crime. Já no Brasil a conduta é ilícita, então os poetas tratam de justificar o crime do Zé da Conceição, dizendo que ele agiu em defesa da honra de sua amada, o que seria um motivo altamente tolerável na primeira metade do século XX.
Eis a letra:
Vocês estão vendo aquele mulato calado
Com o violão do lado
Já matou um, já matou um
Numa noite de sexta-feira
Numa noite de sexta-feira
Defendendo sua companheira
A polícia procura o matador
A polícia procura o matador
Mas em Mangueira não existe delator
Estou com ele
É o Zé da Conceição
O outro atirou primeiro
O outro atirou primeiro
Não houve traição
Quando a lua surgia
Quando a lua surgia
E acabava a batucada
Jazia um corpo no chão
Jazia um corpo no chão
E ninguém sabe de nada
O mais importante, penso, é que nas três composições acima o relato das histórias desses crimes, ainda quando sugerem o despropósito de seu cometimento, não soam, em princípio, como apologia da violência. É muito diferente de alguns raps (lamento se você gosta, mas para mim é um horror) que defendem abertamente ódios de cor, de classe social ou de outras ordens, propondo abertamente a vingança e o assassinato. Na experiência brasileira, temos setores do funk exercendo esse papel.
Apologia da violência não dá. Para começar, não é nem arte. Que dirá doutrina merecedora de atenção.
3 comentários:
Yúdice, bom dia,
Outros exemplos brasileiros que falam de homicídio/suicídio, podem ser citados, entre eles, a música de João Bosco e Aldir Blanc:
"De Frente Pro Crime"
Tá lá o corpo estendido no chão, em vez de rosto, uma foto de um gol,
Em vez de reza, uma praga de alguém,
E um silêncio servindo de amém..." e por aí vai.
A outra, foi gravada por Chico Buarque, não sei se é dele, chama-se:
"A Dor da Gente Não Sai no Jornal"
Tentou contra a existência
num humilde barracão, Joana de tal
por causa de um tal João,
Depois de medicada, retirou-se pro seu lar,
Aí, a notícia carece de exatidão.
O lar não mais existe,
ninguém sabe como acabou,
Joana é mais uma mulata triste que errou,
Errou na dose, errou no amor,
Joana errou de João,
Ninguém notou na dor que era o seu mal
A dor da gente não sai no jornal..."
Um grande abraço.
Tem também Faroeste Caboclo do Legião Urbana!!
As duas indicações foram excelentes, amigos. E considerando minha adoração pela Legião Urbana, difícil crer que não me lembrei antes da saga de João de Santo Cristo, que em breve estará nos cinemas.
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