domingo, 5 de junho de 2011

O crime na canção

Para começar, vamos esclarecer que existe uma cantora no mundo chamada Rihanna. Não faço ideia de quem seja, nem escutei qualquer coisa que ela gravou, mas parece que a moça causou polêmica com uma canção chamada "Man down", na qual diz ter matado um homem a tiros. A letra se divide entre uma certa necessidade de violência (como quando ela se refere à arma apelidada de Peggy Sue), o remorso e até o reconhecimento da autoridade divina. Veja a letra e a tradução aqui.
Não vejo razão para o alarde. Letras retratando crimes são antigas, como se pode ver, p. ex., na canção "Folsom Prison blues", de Johnny Cash (1932-2003). Nela, o ídolo country relata que matou um homem "apenas para vê-lo morrer", portanto um crime sem motivo, mas a consequência disso não é apenas a prisão, havendo também o remorso, inclusive por ter desobedecido às lições da mãe, que o instruíra a ser uma pessoa de bem. Veja a letra e o vídeo. Por causa de suas letras sobre crimes e expiação, e shows feitos na prisão numa época de decadência, Cash acabou se tornando uma referência para presidiários, dando-lhes esperança. Este aspecto é muito bem retratado na adorável cinebiografia Johnny e June (Walk the line, dir. James Mangold, 2005), que deu a Reese Whiterspoon, merecidamente, o Oscar de melhor atriz.
Wilson Batista (1913-1968)
Como não sou profundo conhecedor de música, o único exemplo que me ocorre neste momento, da experiência brasileira, é o samba "Mulato calado", que conheci na voz de Adriana Calcanhotto (álbum Senhas, 1992), mas que foi composto por Wilson, Benjamim e Marina Batista, gravado originalmente em 1947. Aqui, entretanto, uma grande diferença pode ser percebida.
Não sei se há mesmo alguma relação, mas o fato é que a sociedade estadunidense é armamentista e considera o porte de arma um direito, o que a meu ver a deixa mais propensa à violência e ao crime. Já no Brasil a conduta é ilícita, então os poetas tratam de justificar o crime do Zé da Conceição, dizendo que ele agiu em defesa da honra de sua amada, o que seria um motivo altamente tolerável na primeira metade do século XX.
Eis a letra:

Vocês estão vendo aquele mulato calado
Com o violão do lado

Já matou um, já matou um
Numa noite de sexta-feira
Defendendo sua companheira
A polícia procura o matador
Mas em Mangueira não existe delator
Estou com ele
É o Zé da Conceição
O outro atirou primeiro
Não houve traição
Quando a lua surgia
E acabava a batucada
Jazia um corpo no chão
E ninguém sabe de nada

O mais importante, penso, é que nas três composições acima o relato das histórias desses crimes, ainda quando sugerem o despropósito de seu cometimento, não soam, em princípio, como apologia da violência. É muito diferente de alguns raps (lamento se você gosta, mas para mim é um horror) que defendem abertamente ódios de cor, de classe social ou de outras ordens, propondo abertamente a vingança e o assassinato. Na experiência brasileira, temos setores do funk exercendo esse papel.
Apologia da violência não dá. Para começar, não é nem arte. Que dirá doutrina merecedora de atenção.

3 comentários:

Lilica disse...

Yúdice, bom dia,
Outros exemplos brasileiros que falam de homicídio/suicídio, podem ser citados, entre eles, a música de João Bosco e Aldir Blanc:

"De Frente Pro Crime"
Tá lá o corpo estendido no chão, em vez de rosto, uma foto de um gol,
Em vez de reza, uma praga de alguém,
E um silêncio servindo de amém..." e por aí vai.
A outra, foi gravada por Chico Buarque, não sei se é dele, chama-se:
"A Dor da Gente Não Sai no Jornal"
Tentou contra a existência
num humilde barracão, Joana de tal
por causa de um tal João,
Depois de medicada, retirou-se pro seu lar,
Aí, a notícia carece de exatidão.
O lar não mais existe,
ninguém sabe como acabou,
Joana é mais uma mulata triste que errou,
Errou na dose, errou no amor,
Joana errou de João,
Ninguém notou na dor que era o seu mal
A dor da gente não sai no jornal..."
Um grande abraço.

Anônimo disse...

Tem também Faroeste Caboclo do Legião Urbana!!

Yúdice Andrade disse...

As duas indicações foram excelentes, amigos. E considerando minha adoração pela Legião Urbana, difícil crer que não me lembrei antes da saga de João de Santo Cristo, que em breve estará nos cinemas.