sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Compensação entre reincidência e confissão espontânea

Quando estudamos o tema da fixação da pena privativa de liberdade (dosimetria), aprendemos que ela se dá em três etapas, correspondendo a segunda ao exame das circunstâncias agravantes e atenuantes. E aprendemos que, sob certas condições, uma agravante pode compensar uma atenuante (art. 67 do Código Penal). Isto se dá quando elas possam obter o mesmo valor, haja vista que a lei confere preponderância a algumas circunstâncias, aquelas de natureza pessoal.
A reincidência é uma circunstância pessoal, já que se trata de um atributo do próprio indivíduo. É, portanto, preponderante, sendo usual classificá-la como a mais grave de todas as agravantes.
Já a confissão espontâna do crime é uma atenuante objetiva, porque corresponde a um fato, a uma ação que o acusado pode ou não praticar. Alguns autores afirmam, entretanto, a meu ver com erro, que seria uma circunstância subjetiva, por ser expressão da personalidade do indivíduo. Ora pois, todos os nossos atos podem ser entendidos como manifestações de nossa personalidade, por isso tal argumento poderia, em tese, ser empregado para qualquer agravante e atenuante, esvaziando a ideia de preponderância.
Sendo a reincidência subjetiva (preponderante) e a confissão objetiva (não preponderante), elas não poderiam compensar-se. Mas a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça vem entendendo em sentido diverso, como demonstra a notícia abaixo:


A atenuante da confissão espontânea, por ser de mesmo valor da agravante da reincidência, acarreta a compensação entre elas. O entendimento, definido recentemente pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi aplicado pelo desembargador convocado Adilson Vieira Macabu para decidir um habeas corpus. O magistrado acolheu a tese da defesa de um condenado por tentativa de roubo e redimensionou a pena.
A defesa protestou porque o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), ao avaliar um recurso, embora tivesse reconhecido a confissão espontânea, não afastou a agravante da reincidência na segunda fase da dosimetria.
Ao analisar o pedido, o desembargador observou que, no caso, a confissão do réu serviu de suporte fático para a formação da convicção do julgador. O magistrado ressaltou que o Supremo Tribunal Federal reconhece o caráter preponderante da confissão espontânea, porque “o réu confesso assume postura incomum, ao afastar-se do instinto do autoacobertamento para colaborar com a elucidação dos fatos”.
O desembargador Macabu lembrou que, em maio deste ano, a Terceira Seção encerrou o julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial (EREsp) 1.154.752, firmando a orientação de que a atenuante da confissão espontânea, por ser de mesmo valor da agravante da reincidência, quando sopesadas na segunda fase da fixação da pena, resulta na compensação de uma pela outra.
Economia processualPara Macabu, a confissão espontânea traz ao processo uma série de benefícios. “Ela acarreta economia e celeridade processuais pela dispensa da prática dos atos que possam ser considerados desnecessários ao deslinde da questão. Também acrescenta seguranças material e jurídica ao conteúdo do julgado, pois a condenação reflete, de maneira inequívoca, a verdade real, buscada inexoravelmente pelo processo penal”, ponderou o magistrado.
O julgador também destacou que a escolha do réu ao confessar a conduta “demonstra sua abdicação da proteção constitucional para praticar ato contrário aos seus interesses processual e criminal”, já que a Constituição garante ao acusado o direito ao silêncio. Por isso deve ser devidamente valorada e premiada como demonstração de personalidade voltada à assunção de suas responsabilidades penais, concluiu Macabu.
A pena, fixada no TJDF em um ano, quatro meses e 20 dias de reclusão, foi reduzida no STJ para um ano e quatro meses.
Fonte: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106524

As decisões mencionadas, ou pelo menos a mais recente, têm a virtude de não utilizar o argumento acima contestado. Adotam um fundamento de política criminal, ou seja, em vez de engendrarem uma explicação para a natureza da confissão e calcular a pena como uma espécie de consequência natural de um fato evidenciado nos autos , adotam uma postura proativa sobre o que fazer diante dela. Em suma, deve haver a compensação porque o Judiciário decidiu premiar o réu por sua postura de colaboração. Poderia fazê-lo ou não.
A colaboração do réu, sem dúvida alguma, facilita a vida de todos, porque torna previsível a condenação, dispensando a necessidade de produzir maiores provas, simplificando a fundamentação da sentença e eliminando recursos atacando o mérito da condenação. Em reconhecimento a isso, abandonou-se o entendimento de que a atenuante em tela somente deveria ser aplicada quanto expressasse arrependimento por parte do réu. Se ele confessasse por mero utilitarismo, perderia o benefício. Hoje, pouco importa se o réu confessa apenas para se proteger. Os efeitos práticos sobre o processo são os mesmos, por isso a atenuante deve sempre ser aplicada.

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