A razão de defendermos um direito penal e um processo penal humanitários, prudentes e sem inclinações simbólicas, rigorosamente fundado na Constituição de 1988, não é e jamais foi o desejo de proteger os violentos e os antissociais. Ela sempre se baseou em duas premissas: uma de caráter mais operacional, outra substancial.
A diretriz operacional tem a ver com a possibilidade de erro na persecução criminal. Ocorrido um delito, e quanto mais horroroso ele seja, só deveria interessar à sociedade a punição dos verdadeiros culpados, na exata medida em que tenham contribuído para o fato. Punir a torto e a direito implode qualquer lógica que se pretenda atribuir ao direito penal, seja retributivo, preventivo ou ressocializador. E coloca todos os membros dessa sociedade em grande risco, pois cada um pode ser objeto de arbítrio estatal em algum momento, se isso for conveniente para alguém.
A diretriz substancial é muito mais difícil de ser assimilada neste nosso mundo, em que as pessoas parecem se comprazer com a brutalidade e com a insanidade. Trata-se do fato de que uma sociedade que se pretende civilizada deve tratar seus criminosos de modo mais humano do que foi por eles tratada. Do contrário, nivela-se por baixo e não se transmite nenhum código de conduta positivo às pessoas. Se queremos um mundo minimamente tranquilo, antes de dizer aos indivíduos o que lhes acontecerá caso se desviem, devemos antes dizer o que realmente esperamos deles. E não há melhor forma de fazê-lo do que o exemplo.
Retorno a esta questão, não inédita no blog, por causa do terrível caso da adolescente de 14 anos, estuprada e assassinada em Colombo, região metropolitana de Curitiba, no final de junho. Quatro indivíduos foram presos. Eram suspeitos plausíveis, porque a vítima, salvo engano, desapareceu no parque de diversões em que eles trabalhavam. Então eles foram torturados e confessaram. Era a receita perfeita para que fossem demonizados e condenados, se não houvesse pelo meio do caminho uma perícia científica, o exame de DNA, comprovando que nenhum deles estuprou a garota. Logo, a confissão era falsa.
Os acusados, cuja liberação foi determinada ontem, agora passam à condição de vítimas. Além dos danos já provocados, cuja mensuração ainda não pode ser feita, os riscos subsistem e agora são de duas ordens: afora o risco de serem justiçados (odeio essa expressão!) por pessoas que continuem acreditando na culpa dos mesmos, correm o risco de ser silenciados pelos policiais que os seviciaram e terão todo o interesse em se isentar de responsabilidade, agora que a OAB entrou em cena, em favor dos rapazes.
Lembre-se, mais, do óbvio: enquanto uma polícia bárbara torturava os quatro inocentes, o verdadeiro culpado segue em liberdade e não identificado. Ninguém ganhou absolutamente nada, mas muitos perderam e o que perderam simplesmente não pode ser reposto, sequer minimizado.
Nada disso teria ocorrido se houvesse um mínimo de bom senso. E de humanidade. São os ingredientes que defendemos. Estes são os fatos.
Saiba mais: http://www.conjur.com.br/2013-jul-15/jovens-torturados-assumir-assassinato-garota-sao-liberados
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