sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O desejo

“Poucas coisas são tão torturantes quanto ter a mulher dos nossos sonhos diante de nós, tão perto, todos os dias, e saber que não se tem chance alguma”, matutava Aníbal consigo mesmo. Seus pensamentos voavam enquanto a respiração se intensificava e certos músculos se intumesciam à vista de seu objeto máximo de desejo afastando-se pelo corredor, deixando um rastro de perfume condensado no ar.
Todo dia era a mesma sensação, há mais de um ano, desde que Madalena — o nome já lhe sugeria lascívia — se tornara sua colega de trabalho. Quinze anos mais jovem, linda, repleta de curvas sensacionais, jeitinho brejeiro que fascinava espontaneamente todos os homens e umas tantas mulheres. Para piorar, era também inteligente, generosa, solidária, bem humorada sem afetações. Tinha sempre um comentário divertido, uma palavra amiga e uma mensagem reconfortante. Magnetizava qualquer ambiente. Pessoas se embeveciam quando ela demorava um pouco mais falando. E era solteira. Totalmente descompromissada, o que gerava perplexidade e sussurros. Mas ela estava sempre tão feliz!
Não estava isenta de senões, entretanto. Havia algo de misterioso em sua aura, que incomodava muitos (sobretudo muitas), mas isso somente a tornava mais sedutora para Aníbal.
Quiseram forças insondáveis do universo que Madalena fosse trabalhar junto a Aníbal e se tornasse uma grande amiga, o que aumentava a aflição do rapaz. Ele sonhava com esses romances que surgem no ambiente de trabalho, porque muitas pessoas passam mais horas do dia nele do que em casa. Olhava-se no espelho e detestava o que via, julgando que isso explicaria por que Madalena claramente não via nele uma opção amorosa. Mil angústias atarantavam sua cabeça enquanto a moça o abraçava calorosamente na entrada, no meio do expediente, na saída, tudo permeado por ditos espirituosos.
Um dia, por fim — é o que aqui nos cabe —, os dois ficaram sozinhos enquanto se dirigiam para casa. Ainda caminhavam pela rua quando a conversa deu uma guinada surpreendente:
— Vou direto para o banho! — anunciou Madalena.
— Eu também — disse Aníbal, evasivo.
— Junto comigo? — provocou ela.
Aníbal foi tomado de espanto e, sem saber como agir, pensou em desconversar, mas o olhar desafiador da mulher lhe sugeriu que ela sabia de tudo porque, afinal, as mulheres sempre acabam percebendo essas coisas e os homens, não. Sentindo-se dominar por uma súbita e inédita coragem, ele se empertigou, empostou a voz e disparou, caprichando no semblante de conquistador, como se fosse o homônimo cartaginês que tanta dor de cabeça dera a Roma:
— Seria a realização de todos os meus sonhos.
Madalena assumiu ares absolutamente maliciosos. Abraçou Aníbal e passou de leve a ponta de um dedo em seu rosto.
— E por que nunca me disse isso antes?
— Porque nunca achei que tivesse chance — admitiu, embora sem perder a atitude.
Madalena apertou um pouco mais o abraço e, falando com a boca intensamente vermelha bem perto da dele, murmurou:

— Então agora você conhecerá o segredo que tantos sempre quiseram saber. Eu, na verdade, sou uma feiticeira. E tenho poder para realizar um desejo seu. Mas pense bem, porque é apenas um! E você tem que pedir imediatamente. Mas saiba: tem que oferecer algo em troca, à altura de sua pretensão.
— Que seja — tornou ele, realizado. — Eu daria dez anos de minha vida para transar com você, agora, por horas e horas.
— Repita — Ela esboçou um laivo de surpresa.

Eu daria dez anos de minha vida para transar com você, agora, por horas e horas.
Madalena soltou uma gargalhada cruel enquanto afastava Aníbal. Encarando-o diretamente, exclamou:

— Feito! Mas você tem que pagar primeiro.
— O que preciso fazer?
— Apenas pense no seu desejo e diga a si mesmo: “dou dez anos de minha vida por ela”!
Aníbal instintivamente fechou os olhos, mas abriu um sorriso imenso, para fazer sua oferta. Poucos segundos se haviam passado quando seu rosto se crispou em dor e susto. Arregalou os olhos, pondo a mão em garra à altura do coração. Uma dor lancinante o acometia e o ar se tornava rarefeito. Apavorado, fitou Madalena em súplica.
— O que está acontecendo?! — balbuciou, sentindo as pernas fraquejarem e a visão escurecer.

— Lamento informar, meu caro, que você não dispunha sequer desses dez anos que me ofereceu. Mas trato é trato. Vai me dar o que tem agora e, um dia, hei de procurá-lo para resgatar o meu saldo. Esteja certo disso: irei ao inferno e tomarei o que é meu!
Aníbal ainda estendeu o braço na direção da feiticeira, mas seu corpo desabou com um coração morto por dentro.
Madalena lhe deu as costas e saiu caminhando, com sua graça indescritível e um ligeiro sorriso nos lábios. Atrás dela, os curiosos se aglomeravam em torno do cadáver, cujo semblante não denunciava medo ou dúvida, apenas uma tristeza infinita.

10.8.2012

9 comentários:

Ana Miranda disse...

Yúúúúúúúúúúúúdice, esse conto é de sua autoria?????

Simplesmente EXCELENTE!!!!

A-do-rei!!!

Parabéns!!!

Yúdice Andrade disse...

É a quarta vez que faço essas experiências aqui no blog, Ana. Foi um impulso meu, esta manhã. Mas confesso ter ficado satisfeito com o resultado, já que levei uma meia hora para escrever tudo.

Ana Miranda disse...

Yúdice, além de tudo você ainda é metido, né?

Somente meia hora para um texto completo?

Falando em literatura, meu livro está em uma editora. Eles estão fazendo corte, pois o livro tem 882páginas e fica inviável editarum livro desse tamanho porque ninguém ia querer ler e fora que, ficaria mais caro ainda para eu pagar.

Se o livro sair mesmo - vai depender de quanto terei que pagar - farei uma página de agradecimentos e adivinha quem está na minha lista de agradecimentos?????

Adivinhou????






Claro que é você!!!

Yúdice Andrade disse...

Ahahahahahahahah!
Na verdade, Ana, a minha intenção era escrever um segundo "miniconto", coisa de 5 linhas, mais ou menos, como já publiquei uma vez. Mas voltamos ao diabo de eu ser prolixo! Aí vinha uma frase, outra, e eu acabei deixando fluir. No fundo, todavia, eram apenas gordurinhas sobre a ideia central, que corresponde apenas às linhas finais do texto.
Fico feliz de saber que a tua obra está sendo avaliada por uma editora e lamento os argumentos apresentados lá. Lamento, sobretudo, por ser verdade. Triste povo que não gosta de ler! Um de meus romances favoritos é um alentado volume tão grande quanto o teu e, na Inglaterra, onde ele se originou, ninguém cortou o pensamento da autora para tornar a coisa vendável.
Muito triste, mesmo.
No mais, acho que sei a quem te referes, nessa lista...

Vera Cascaes disse...

Parabéns! Muito bom, mesmo!
A-do-rei!

Yúdice Andrade disse...

Fico feliz, Vera. Abraço.

Aline Bentes disse...

Yúdice, adorei... Fiquei totalmente presa ao texto, do inícoo ao fim. Que coisa boa teus leitores serem presenteados com teus contos. Muito bom; parabéns!!!

Yúdice Andrade disse...

Agradeço muito, Aline. A opinião de uma psicóloga sempre conta muito para mim. Mas a de uma amiga até mais do que isso!

Jean Pablo disse...

Bah muito bom!!!

Prendeu minha atenção e fiquei aguardando o final.

Parabéns primo.

Abração