terça-feira, 14 de maio de 2013

Crime sexual único

A Lei n. 12.015, de 2009, que promoveu intensas mudanças no título do Código Penal que versa sobre delitos sexuais (hoje, crimes contra a dignidade sexual), foi elaborada para aumentar o rigor punitivo, mas a habitual falta de zelo do legislador trouxe algumas consequências diametralmente opostas. Estas consequências não resultam do texto expresso da lei, mas são implicações do modo como devem ser interpretadas e aplicadas.

O mais importante desses efeitos tem a ver com ataques nos quais o agente realiza dois tipos de cópula contra a vítima: p. ex. vaginal e oral ou vaginal e anal. Antes da mudança da lei, essas condutas ensejavam a responsabilização por dois crimes: estupro, em concurso material com atentado violento ao pudor. Logo, duas penas de 6 a 10 anos de reclusão.

A alteração legislativa, contudo, unificou os delitos de estupro e atentado violento ao pudor, de modo que a prática de diferentes modalidades de ataque sexual devem ser tratadas como crime único. A diversidade, natureza e intensidade dessas condutas devem ser ponderadas para fins de cálculo da pena, tão somente. Em suma, nas mesmas hipóteses anteriores, deve ser imposta uma única sanção de 6 a 10 anos de reclusão.

Tão logo a norma entrou vigor, imaginei que veríamos uma enxurrada de revisões criminais, pedindo a aplicação retroativa da lei mais benéfica. Por alguma razão que jamais compreendi, entretanto, isso não ocorreu. Não posso afirmar como as coisas aconteceram no restante do país, mas aqui no Pará o movimento não ocorreu. Eu mesmo, que de vez em quando pego uma revisão criminal para examinar, nunca me deparei com nenhuma sobre este tema. Isso não significa, todavia, que a matéria não tenha sido debatida em outros locais, como demonstra recentíssimo precedente do Superior Tribunal de Justiça.

No precedente, foi promovida a unificação dos delitos e determinado ao juízo da execução penal o cálculo da nova pena. Isto pode estimular outros processos semelhantes. Até porque a expectativa é que as duas cortes superiores entendam definitivamente no mesmo sentido.

Um comentário:

Renan disse...

É realmente estranho que não se tenha aplicado retroativamente a pena mais benéfica aos réus. Pode ser que tenha havido influência do estigma comumente atribuídos a crimes contra a vida ou dignidade sexual, mas isso não deveria constituir um impeditivo para intérpretes da lei.