terça-feira, 20 de agosto de 2013

Convivendo com um criminoso (ou não)

Como estou lecionando Penal I atualmente, dia desses conversava com meus alunos sobre o caráter estigmatizante da intervenção penal sobre a vida das pessoas e lhes lancei esta pergunta: como vocês se sentiriam se houvesse um criminoso estudando nesta sala?

Os estudantes do curso de Medicina da Universidade do Estado do Pará decidiram responder ao meu questionamento. Não que tenham tomado conhecimento dele e longe de lidarem com uma especulação. É que um deles, de fato, cometeu um crime e não foi coisa pouca: trata-se de um homicídio contra um morador de rua. Como responde ao processo em liberdade, continua frequentando as aulas, porém os colegas decidiram isolá-lo e, mais do que isso, querem que o mesmo seja desligado da instituição. Leia esta postagem do blog Espaço Aberto, que detalha o caso. Só para acrescentar: se eu fosse um desses estudantes, provavelmente agiria do mesmo jeito.

De acordo com o que foi divulgado pela imprensa, as circunstâncias bizarras do episódio sugerem que o estudante não estava exatamente em seu juízo perfeito quando praticou o lamentável ato. Suponho que a defesa alegará, em juízo, que o ataque foi motivado por algum transtorno mental, tese que poderia conduzir à inimputabilidade e total ausência de responsabilidade penal. Neste caso, nem seria correto dizer que houve um "crime". Mas enquanto isso, os futuros médicos não desejam perto de si um homicida, condição que não é o caso de negar, já que a ação, e portanto sua autoria, foram presenciadas por testemunhas e admitidas à polícia.

O rapaz é um homicida. Isto é um fato. Resta saber o que realmente aconteceu, para que se decida o que fazer com ele.

Embora sem conhecer a legislação interna da UEPA, raciocinando sobre o que seria mais provável, é previsível que a instituição não disponha de normas sobre casos do gênero, já que o delito não ocorreu em local sujeito a sua administração, mas em via pública. A universidade não pode assumir um papel justiceiro e sair aplicando punições sobre fatos que lhe são estranhos. No máximo, alguma universidade pode ter normas determinando o desligamento de alunos condenados em definitivo por crimes, mas não respondendo a ação penal. E mesmo esta previsão me parece de duvidosa legalidade.

Por outro lado, os pais do acusado agem mal ao tentarem preservar o rendimento acadêmico do filho, como se nada demais estivesse acontecendo. Deveriam aceitar que, agora, o filho deles não é mais "normal"; está numa condição bastante singular e grave. A depender do andamento do processo e do comportamento dos envolvidos, existe até o risco de decretação de prisão preventiva, o que obviamente comprometeria drasticamente esse rendimento. E afora isso, o mais salutar para todos seria mesmo um afastamento, para que os ânimos serenassem. E até para que o pivô de todo esse imbróglio possa procurar a ajuda de que precisa.

Longe de mim querer ser a palmatória do mundo, mas tenho a impressão de que esses pais decidiram proteger o filho do jeito errado. Jogar a bagunça para baixo do tapete não vai funcionar.

8 comentários:

Anônimo disse...

Então caso fosse estudante, agiria como os demais, mas como professor defende que o estudante esteja na rua enquanto ele não for efetivamente, é mais ou menos isso?

Se for, esse é um dos grandes problemas que todos reclamam do cumprimento da pena, mas que os penalistas insistem em defender que elementos criminosos não podem ficar trancafiados antes de efetivamente cumprirem a pena, porque se não estaremos desperdiçando uma legião de jovens entre os quais poderia estar o próximo Tchaikovsky ou Einstein. E contraditório é quem apenas deseja que pessoas que cometeram crimes fiquem atrás das grades e ponto final.

Yúdice Andrade disse...

Ao contrário do que você pensa, das 19h00, não estou sendo contraditório. Você é que não me conhece. E provavelmente devido a prevenções contra as teses por mim defendidas em âmbito acadêmico, que me pegar em uma passo em falso.
Existe uma enorme diferença entre defender um direito penal minimalista, que é o que faço como professor, e manifestar empatia com acusados de crimes.
Não sou a favor de penas exemplares, de redução de garantias processuais nem nada assim. Nem em relação aos caras que me assaltaram. Já superei isso. Mas como ser humano, eu me sentiria muito mal em conviver, em estabelecer uma relação pessoal com alguém que eu acredito ter cometido um delito. Não me refiro sequer à presunção de inocência, mas aos sentimentos que nos movem. Eu continuaria defendendo todos os direitos do cara, só não me sentiria à vontade para ser amigo dele.
Contradição? Não vejo nenhuma. Eu não me tornaria amigo de um cara viciado em drogas, p. ex., daquele tipo que realmente representa um perigo para si ou para terceiros. Preconceito? Mesquinharia minha? Pode ser. Mas são as escolhas que faço, como ser humano. E creio ter direito a elas. Mas se você me perguntasse, a minha opinião continuaria sendo a mesma: não acho que o direito penal seja a melhor estratégia para combater o consumo de drogas.
Campos distintos, posturas distintas. E realmente nenhuma contradição.

Yúdice Andrade disse...

A frase correta, acima, é "quer me pegar em um passo em falso". Desculpe a redação tosca.

Anônimo disse...

Reabilitar o criminoso não é incorporá-lo de volta à sociedade?

Segregar ajudaria em quê?

Prefiro que ele se forme e depois de cumprir sua pena ele tenha um trabalho, do que ser mais um liberto sem profissão, que retorna ao crime.

Isso de "não ser obrigado a mostrar empatia" justificaria quase tudo, né? Eu não sou obrigado a mostrar empatia com um criminoso, eu não sou obrigado a mostrar empatia com um portador de HIV, eu não sou obrigado a mostrar empatia com um homossexual...

Yúdice Andrade disse...

Cara, você coloca tudo num mesmo balaio de gato! Vixi...
O mundo não é cartesiano, sabia?

Anônimo disse...

No início do texto, perguntou-se em sala de aula como os estudantes se sentiriam se houvesse um criminoso em sala de aula. Eles se sentem normais, porque a sala está cheia de criminosos. Está cheia de gente que já cometeu injúria xingando alguém no trânsito, cheia de gente que já prestou serviço e não declarou ao fisco, cheia de gente que já pagou propina para não ser multado.

Que me atire a primeira pedra (sim, eu sirvo de alvo) quem está totalmente limpo nesta vida.

Não cabe mais isso de "sou a favor da ressocialização, só não quero conviver com um criminoso". Isso é um discurso de segregação.

Não vejo diferença, por exemplo, em quem diz "não tenho nada contra homossexual, só não quero que dois homens se beijem perto de mim", e "acho que criminosos devem ser ressocializados, só não quero ser amigo de um".

Onde as pessoas que cometem crime vão viver, se todos evocarmos o direito do "não perto de mim", em guetos? Em bantustões?

É a separação da sociedade em "homens de bem" e "bandidos", que tanto justifica o discurso de policiais que torturam, e dos apresentadores de telejornais do mundo cão. "Direitos Humanos para humanos direitos" casa bem com "nada contra um criminoso voltar à sociedade, desde que a sociedade em questão não seja eu".

Yúdice Andrade disse...

Em duas coisas concordamos, aparentemente: na incoerência em se dizer não hostil aos homossexuais mas não querer amizade com um (tenho amigos e ao menos um parente homossexual e isso não me traz qualquer dificuldade de relacionamento) e no reproche à divisão da sociedade entre bons e maus, que é um maniqueísmo tolo e irreal. Com efeito, sempre defendi que cada pessoa é capaz de ações meritórias ou repugnantes, bastando apenas um motivo.
Mas me preocupa quando você parece não perceber a diferença entre um homicida e um injuriador. Sim, somos todos criminosos, mas o crime é uma escolha política e um ato de poder. Não defino o caráter das pessoas pelas escolhas político-criminais de uma nação, e sim pelo que consigo compreender dos valores humanos. Em alguns casos, obviamente não em todos, são esses valores que determinam a criminalização.
O curioso é que em momento algum eu disse que era certo segregar o criminoso. Confessei, apenas, que provavelmente faria o mesmo. Eu sou o humano e também erro. Talvez eu esteja fortemente errado em pensar dessa forma, mas achei honesto admitir a minha condição atual. É isso que sou, paciência. Com um pouco de esforço, posso tentar melhorar.
E esse era o verdadeiro mote da postagem: falar de como as pessoas se comportam por força de sua visão de mundo. Ao rechaçar o colega homicida, os acadêmicos de Medicina externaram uma perspectiva de moralidade - que eu insisto: não afirmei ser a certa, mas imagino que seja previsível. E humana, demasiadamente humana.
Espero que, com isto, eu torne mais claro o meu pensamento. No mais, os discursos que você aspeou não saem da minha boca, nem mesmo em privado.

Anônimo disse...

Agora entendi, e concordo. Não afinal uma defesa da segregação, mas um mea culpa.

Abraço