sábado, 31 de dezembro de 2011

O fantástico corpo humano

Um dia fui pagar o estacionamento no guichê do piso onde funciona a praça de alimentação, no Boulevard Shopping, e me deparei com um display sobre a exposição O fantástico corpo humano, aquela que tem corrido o mundo e se tornou famosa por utilizar cadáveres de verdade, submetidos a um tratamento no qual a água dos tecidos é substituída por silicone. Esta particularidade causou alguma comoção, pois muita gente pode olhar reproduções de plástico ou simulações de computador, mas não tolera pensar que está diante de algo que, um dia, andou, respirou, amou de verdade.

Minha reação foi de dizer "Não acredito!", mas nesse momento meus olhos se depararam com a estrutura já montada no estacionamento. Na verdade, àquela altura a exposição já estava em pleno funcionamento e eu simplesmente não sabia.

Passados alguns dias, reuni uma pequena turma e fomos conferir. A opinião de todos é de que a exposição é espetacular. Sua concepção é absurdamente simples: explicar o que são os diversos sistemas do corpo e exibi-los de forma real, daí porque cadáveres e não reproduções. Deparamo-nos com ossos, braços, mãos, pernas, órgãos internos, etc. Nada que impressione tanto, claro, quanto os corpos praticamente inteiros. O último deles sem a pele, largada a seus pés, já que se trata de maior órgão do corpo.

Nesta mulher há um feto de quatro meses.
Compreendo que espíritos mais sensíveis possam se sentir incomodados com o material exibido, mas lamento a oportunidade que perdem de aprender. Os textos da exposição deixam claro que o objetivo é fazer o público entender que o organismo é menos complicado do que parece (continuei achando que ele é complicado o bastante) e estimular melhores hábitos, para cuidar melhor do corpo. Não à toa há uma seção para os fumantes e seus pulmões podres. No geral, contudo, o objetivo não é dar lição de moral, mas ser didático.

Um setor que me impressionou particularmente foi o dedicado à reprodução. Há um conjunto de fetos em diferentes estágios de desenvolvimento. Quem se der ao trabalho de ler minhas postagens sobre a gravidez de Polyana verá minha surpresa a cada ultrassonografia. Leigos porém não ignorantes, mesmo assim ficávamos boquiabertos ante a completude de uma criatura tão pequena, do tamanho de um grão de feijão, mas com dedos definidos, rosto, ossos, etc. Um espanto. Disse naquela época e repito agora: abortar não pode ser uma decisão simples, se você realmente entende tudo que existe vivo e pulsando no ventre materno, mesmo com tão poucas semanas.

Fiquei satisfeito por ter a oportunidade de visitar essa exposição, lamentando a impossibilidade de tirar fotos. A imagem ao lado, em que se posicionou o exemplar como jogador de basquete para destacar o sistema muscular, foi registrada em Fortaleza. Eu encarei esse cidadão bem de perto por um longo tempo, mas ele não teve nenhuma iniciativa de me apavorar. Digo isso por causa dos que ficaram com medinho...

Falando sério, destaco que o preço do ingresso (40 reais) é pesado para o nível de renda da nossa região, ainda mais considerando que o público preferencial, presumo, seja de estudantes. Felizmente, existem medidas para reduzi-lo, tais como o "pacote família": basta reunir um grupo de três e o ingresso cai pela metade. Ao menos nos dias de semana.

Observo que Belém subiu de nível no cenário nacional, seja pelo simples fato de receber a exposição (ainda que, suspeito, não em sua versão completa), seja por ficar com ela por quase dois meses (de 6.12.2011 a 29.1.2012). Isso está longe de ser uma "curta temporada", como diz a propaganda na TV e o site.

No mais, chamou a minha atenção que todos os exemplares exibidos são de asiáticos. Infelizmente, nem na página oficial da exposição há um histórico ou qualquer explicação sobre tal particularidade. Gostaria de uma explicação a respeito. Os monitores mencionaram alguma coisa sobre, na China, as leis sobre utilização de corpos para fins científicos serem mais flexíveis. O que sei é que, na China, ser contrário ao regime pode custar caro e, como em toda ditadura, o governo tenta mascarar as suas ações. Por isso, saí de lá realmente intrigado com aqueles corpos. Quem teriam sido essa pessoas? Quem decidiu que seus corpos se eternizariam como material de estudo?

Realmente gostaria que alguém me esclarecesse.

4 comentários:

Ana Miranda disse...

Essa exposição ainda não passou por aqui, mas, se passar, com certeza, irei vê-la.

Yúdice, eu sou doadora total de órgãos e adoraria que meu "esqueleto" fosse usado em algo assim...

Yúdice Andrade disse...

Receio que ela já tenha concluído a passagem pelo Centro-Sul do país, Ana. Mas não tenho como saber. Se ela aparecer por aí, não perca.

Anônimo disse...

Achei maravilhosa essa exposição,Yúdice!Interessante que tenhas conseguido pensar sobre a vida de quem habitou aqueles corpos.Se eu parasse pra pensar mais de 3 minutos neles como algo além de pele,músculos,ossos e outras coisinhas mais,não teria conseguido ficar muito tempo olhando-os.Mas me espantei com a pouca propaganda que estão fazendo de algo tão bom.As pessoas com quem falei,não tinham a menor noção deque a exposição está ocorrendo.Os cartazes no shopping nem sequer dizem até quando ela fica.

Nathali

Yúdice Andrade disse...

Quando me manifestei, Nathali, uma senhora que estava com a família me escutou e externou um desconforto semelhante. Acho que fiz bem em só falar na saída.
De fato, a divulgação foi sofrível. Por isso meu texto começa explicando que soube da exposição por acaso, porque olhei para o lado certo. Do contrário, correria o risco de perder a oportunidade.
Será que o povo do shopping acha que só isso basta? Que o mundo se resume a suas entranhas?