quinta-feira, 18 de julho de 2013

Canalhices e esperanças

Eu já vinha lendo algumas manifestações a respeito mas, não querendo dar atenção demais a ninharia tão desprezível, não gastarei minhas mal traçadas linhas falando de Joseph Blatter. Limito-me a subscrever a manifestação do jornalista Marco Antônio Araújo, em seu blog O Provocador. Pensando exatamente como eu, Araújo o classifica como persona non grata e sugere que, se restar alguma dignidade ao Poder Executivo, trate de colocá-lo em seu devido lugar.

O comportamento de Blatter era mais uma crônica de morte anunciada. Mesmo alguém com aversão ao futebol, como eu, sabe como a FIFA se comporta. É uma das empresas privadas mais poderosas, arrogantes e detestáveis do mundo. Move-se com o propósito exclusivo de gerar fortunas para seus dirigentes, sem se importar sequer com o esporte, posto que o futebol é apenas o meio para se chegar ao dinheiro. Esses personagens são verdadeiros clichês de estórias infantis: imoralidade absoluta, não há um só osso bom em seus corpos, nem o mais tênue laivo de decência em suas almas.

Alguém, do governo ou não, já deveria ter deixado bastante claro a essa canalha que o Brasil, que se goste ou não, é um país soberano. Blatter, assim como seus sequazes, não gozam de prerrogativas diplomáticas. São apenas estrangeiros no país, sujeitos a todas as normas internas, inclusive as de expulsão. Claro que não podemos sequer sonhar com algo assim. Somos uma república, uma democracia, uma soberania altamente peculiar: mais no nome do que na essência. E as cabeças coroadas dessa república amam vilões como Blatter e são alucinadas por convescotes globais. O episódio histórico do baile da Ilha Fiscal não poderia ter ocorrido em outro país. Além do mais, sempre há o problema da participação nos lucros.

Mas enquanto o Brasil é conspurcado pela caterva da FIFA, avizinha-se a chegada do Papa Francisco. Com apenas quatro meses de pontificado, ele chegará na tarde da próxima segunda-feira, dia 22, para participar da Jornada Mundial da Juventude.

Quem me conhece sabe de minha grande reserva em relação à instituição Igreja Católica. Contudo, tento não abdicar do bom senso. Sem entrar no mérito das controvérsias relacionadas à pessoa e aos atos passados de Jorge Mario Bergoglio, preciso reconhecer que o Papa Francisco, desde o primeiro momento, apresentou-se publicamente com qualidades dignas de admiração e respeito.

Basta ver a diferença de semblante entre ele e seu antecessor para perceber que alguma coisa importante mudou na Santa Sé. Adotando uma postura humilde em cada ação, foi-se despojando dos galardões, da pompa e do ouro que cobre o Vaticano, obtido graças ao sofrimento de tantos povos espoliados. Logo recusou os célebres sapatos vermelhos da caríssima grife Prada. Costuma ser visto em trajes menos glamourosos, totalmente brancos, a cor que no Vaticano simboliza a necessária pureza de seu pastor para o exercício da função. E mantém maior proximidade física com os fieis.

É no discurso que Francisco impressiona, pois suas palavras definem os rumos da Igreja Católica em todo o mundo. Pregando o dever de dar atenção aos pobres, de ser solidário com todos, de buscar a conciliação em meio às diferenças, já admitiu que até o papa erra, demolindo o dogma da falibilidade papal. Em vez de jogar o problema para baixo do tapete, reconheceu o câncer da pedofilia na Igreja e declarou que as pessoas não estão mais dispostas a suportá-lo. Reconheceu que a devassidão e a corrupção estavam entranhadas em seu círculo mais próximo. Por tudo isso, fui gostando dele.

Mas o papa é uma übercelebridade (permitam-me o estranho neologismo, sem qualquer má intenção). Pela posição que ocupa, desperta as mais intensas e díspares paixões. Resulta daí que muitos opositores ou oportunistas estão se movimentando quanto a sua visita. E, claro, as redes sociais estão infestadas de manifestações. Em uma delas, tenta-se esclarecer que as despesas com a visita do pontífice não estão sendo suportadas com dinheiro público, mas com o produto da arrecadação dos fieis, seja através de doações, seja através de inscrições à Jornada Mundial da Juventude.

É óbvio, porém, que muitas despesas serão suportadas pela União. Aí entra o aspecto sectário das manifestações. A turma do sangue no olho protesta contra o gasto de recursos públicos com o líder de uma religião. Esquecem-se, por conveniência ou desbragada má fé, que a comunidade internacional reconheceu o Vaticano como um ente soberano. Se deveria fazê-lo, não sei. Mas fez. O papa é um chefe de Estado como qualquer outro. Logo, como se faria com qualquer presidente, primeiro-ministro ou rei, compete ao governo brasileiro recebê-lo com honras de Estado e assegurar-lhe proteção, assim como a sua comitiva.

Além disso, o imenso aparato de segurança, considerado inédito mesmo no Rio de Janeiro, não tem como beneficiário o papa: é um aparato de segurança pública. Devido à gigantesca massa popular que se reunirá para os eventos da JMJ, compete ao poder público garantir a segurança de todos, nos termos da Constituição da República. Sejamos sensatos: se ocorre um festival de música, um Rock in Rio, p. ex., o poder público modifica toda a mobilidade urbana, fechando ruas, mudando o sentido de outras, criando linhas de ônibus temporárias, etc. O policiamento é reforçado, com todos os recursos disponíveis. A rede hospitalar é posta de sobreaviso, como aliás acontece em qualquer réveillon ou carnaval. E todo mundo acha normal. Aliás, é normal. Então por que a visita do papa não poderia ter aparato à altura? Convenhamos, pensar assim é irresponsabilidade.

De minha parte, penso que é um privilégio ter tantas pessoas reunidas em torno de sentimentos de união, fraternidade e paz. Por isso gosto tanto do Círio de Nazaré. E por isso acho que a JMJ oferece muito a uma sociedade tão necessitada de reflexão. É uma apoteose do bem e, para isso, a denominação religiosa não deveria importar tanto. Mas não podemos ser toscos: o Brasil é o país com o maior número de católicos do mundo. É isso que faz desse evento algo tão grandioso. Um evento de espíritas, como eu, não iria tão longe. Nem um de budistas. Nem um de ateus. Não se trata de quem tem razão, de quem conhece a Verdade.

Se as pessoas pensarem mais com o cérebro do que com o fígado, compreenderão isso. Minha posição não-católica é clara e resoluta: mil vezes a JMJ que a copa. Mil vezes Francisco que Blatter ou qualquer outro de sua laia.

6 comentários:

Luiza Martinelli Coelho disse...

Que texto bacana!

Zizi disse...

Parabéns, Yúdice.
Seu texto é bastante sensato, principalmente quanto a comparação entre Blatter e o Papa, no quesito simpatia. Somos um país que ainda precisa se organizar em muitos aspectos quando se trata de realizar um grande evento. Somos falhos e não admitimos isto, simplesmente porque não gostamos de olhar pros nossos erros na saúde, educação, segurança, saneamento, distribuição de renda e outros quetais. Mas, com otimismo, chegaremos lá.

Anônimo disse...

Dito tudo o que consta dos autos , onde assino?

@ritahelenafer disse...

Yúdice,

Concordo em parte de seu posicionamento.

Aparentemente, o novo Papa não tem como foco o discurso de ódio do anterior, o que já é de bom tamanho.

Mas, sinceramente, considerando as orientações medievais da Igreja Católica, sinto um pouco de pesar ao ver tantos jovens sendo arrebanhados para perpetuar conceitos e preconceitos com relação a tudo aquilo que seja diferente do convencionado como certo pela igreja.

Sinceramente? Prefiro a copa (menos no Brasil, registre-se). Na copa não há milhares de pessoas dispostas a julgar as outras, determinar suas condutas e limitar seus direitos, em razão da sua fé.

Mudando de assunto... Posso fazer uma invejinha??? O friozinho está uma delícia para as bandas de cá!

Beijo grande!

Anônimo disse...

Concordo com o comentário da Luiza.

Muito boas as colocações. Mas não pense que os absurdos acabarão ao apito final da decisão do mundial de futebol.

Coisa pior ainda vem por aí, e se chama Olimpíadas 2016. Anotem um nome : Carlos Nuzmann. Esse cara é um grande canalha, puxa-saco e certamente coloca Blatter, Havelange, Teixeira, presidentes de confederações e federações de esporte diversos,Marin et caterva no chinelo.

Podem anotar e cobrar mais à frente

Kenneth Fleming

Yúdice Andrade disse...

Obrigado, Luiza!

Não é muito de acordo à minha natureza, Zizi, mas continuo insistindo nessa esperança. É que, sem ela, como seguir em frente?

Acabou de assinar, das 12h18. Agradeço a acolhida.

Então acho que concordamos com o objeto particular da postagem, Rita. Quanto à Igreja em si, tenho imensas reservas a ela. Por isso, melhor pensar nela, enquanto instituição, com os olhos voltados para a frente. Se for para pensar em passado, a condenação será inevitável.
Concordo que as posturas "medievais" já Igreja continuam causando muito mal, mas justamente por isso o atual papa cumpre um papel muito importante, ao se mostrar mais humilde, mais humano, mais consciente da realidade, em especial da críticas que sua instituição sofre. Optei, assim, pelo reforço positivo.
Quanto ao friozinho, logo mais embarco para Florianópolis. Por uma semana, vamos aproveitar o prometido frio mais intenso da última década!

Kenneth, também conheço esse aí de nome. Talvez por minha aversão ao futebol, sempre achei que as camarilhas da FIFA e da CBF eram muito piores, mas não adianta ser "menos pior". Se Nuzman for farinha do mesmo saco, a tragédia é tão horrenda quanto, no mínimo.