quinta-feira, 10 de maio de 2012

Convicções

Noticia a jornalista Franssinete Florenzano, em seu blog, que o juiz José Jackson Sodré Ferraz, da 3ª Vara do Tribunal do Júri de Belém, autorizou uma mulher a proceder à interrupção da gestação de feto anencéfalo. No curso do processo, porém, a promotora de justiça Rosana Cordovil se manifestou contrariamente, alegando que seu parecer se pautava em suas "convicções religiosas". A informação pode ser confirmada no site do Tribunal de Justiça do Estado.
Quem acompanha o blog já está cansado de saber o que penso a respeito e os meus argumentos. Admito uma verdadeira exaustão em voltar ao mesmo ponto, como se o tema já não tivesse sido tão debatido nos últimos anos. Ao decidir favoravelmente ao pleito, o juiz nada mais fez do que efetivar uma norma que foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal há alguns dias, em julgamento definitivo. Aí vem a promotora, que é sabidamente uma profissional séria e competente, violar os seus deveres de fiscal da lei, porque ao invés de se pronunciar sobre se a lei estava ou não sendo cumprida de forma correta, pautou-se em suas convicções religiosas. Lamentável.
Sei que, ao tomar posse no cargo, o indivíduo jura defender a Constituição e as leis do país. Nunca soube que, no Brasil republicano, alguém jurasse defender, também, o seu próprio credo religioso. Se os dois valores entram em conflito, o agente público deve fazer sua escolha, lembrando que, na ordem jurídica civil, as escusas de consciência são bastante limitadas, em nome do interesse público.
Um médico pode, p. ex., recusar atendimento a um paciente por motivo de foro íntimo, mas não em caso de risco de morte. Ele deve antes tirar o paciente da crise para somente depois transferi-lo a outro profissional. Quem o diz é o próprio Conselho Federal de Medicina, responsável pela elaboração do Código de Ética Médica.
Um cidadão pode alegar convicções religiosas, políticas ou filosóficas para eximir-se do serviço militar obrigatório, como prevê o art. 143 da Constituição de 1988, mas para tanto será obrigado a cumprir um serviço civil alternativo, submetendo-se às exigências da Lei n. 8.239, de 1991. Não basta não estar a fim.
Por conseguinte, entendo que a nobre promotora, sentindo-se afetada em seus valores religiosos, deveria afastar-se do processo, valendo-se da figura da suspeição por foto íntimo. Jamais poderia, entretanto, agir em nome da instituição Ministério Público, fundamentando a sua manifestação em uma orientação religiosa que pertence a ela, não ao órgão, muito menos ao Estado.
Felizmente, o juiz fez o que era certo. Por "certo" não me refiro a autorizar ou proibir a interrupção da gestação; refiro-me a cumprir as leis deste país, como já decidiu o STF. Quem não concordar com isso tem uma última trincheira: lutar para que o Brasil ganhe uma nova Constituição.
Boa sorte.

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