terça-feira, 15 de maio de 2012

Reforma do Código Penal XIV: indígenas

O Código Penal não trata especificamente sobre a responsabilidade penal dos indígenas, o que pode explicar o desprestígio do assunto nos manuais mais recentes (talvez mais uma deletéria influência do concursismo). Mas boas obras já trataram do tema, esclarecendo que razões de política criminal explicam a diferença de tratamento, baseada no reconhecimento de que os índios vivem em uma sociedade diferenciada, segundo costumes e tradições próprios, os quais são supervalorizados pela tribo. Assim, não se pode pretender que um índio, educado sob padrões comportamentais completamente distintos, reja-se pelas mesmas regras, desde que não tenha sofrido processo de assimilação cultural.
Ocorre que o tempo passou e a assimilação cultural já foi uma política de governo. Hoje são raras e diminutas as tribos que ainda podem ser consideradas isoladas. Em outras tantas, os homens fazem a interação com a sociedade não-indígena, permanecendo as mulheres "aculturadas", a ponto de sequer conhecerem a Língua Portuguesa. Por isso, a questão da peculiar imputabilidade ou total inimputabilidade penal dos índios continua relevante. Ciente disso, a comissão de reforma que dispor expressamente a respeito: o objetivo é reconhecer as diferenças culturais e assegurar a possibilidade de afastar a responsabilidade penal nos casos em que o indivíduo aja movido por seus valores comunitários.
A proposta está longe de ser tranquila, mas a comissão avisou que nenhum assunto seria jogado para baixo do tapete. Então que venha a medida, para que seja resolvida como deve: politicamente.

2 comentários:

Alisson Monteiro disse...

Caro Yúdice

A questão indígena precisa ser abordada com olhos de alteridade e com a percepção de que o Brasil está longe de ser um país etnicamente homogêneo, apesar dos séculos de tentativas de unificação sociocultural.
O Direito Penal sempre tratou as etnias indígenas com a mesma visão preconceituosa oriunda da sociedade brasileira como um todo, que insistentemente, inclusive com fórmulas legais, tentou "fagocitar" essas comunidades integrando-as forçosamente ao que chamavam de comunhão nacional.
Nesse sentido, sempre se discutiu a figura do indígena no Direito Penal a partir da ótica da imputabilidade ou inimputabilidade, tendo em vista a "dúvida" quanto a sua capacidade, no sentido jurídico da palavra.
Nunca se enxergou, talvez em raros casos, que existia e existe a liberdade de comportamento a partir de um padrão cultural que remonta a um povo etnicamente diferenciado, o que deveria encaminhar a análise penal para o rumo da excludente de culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa. Não se pode exigir que uma pessoa, imersa em standards culturais diferentes da cultura hegemônica, se porte de uma maneira que afronte o modo histórico e consolidado de sua organização social. Isso não quer dizer que o Estado não possa intervir para a garantia de direitos humanos, por exemplo, mas não deveria fazer isso com seu braço penal. Os casos de etnias que praticam a morte de crianças com problemas físicos oriundos de má formação congênita, fato que alguns, erroneamente, tentam classificar como infanticídio (na quase totalidade dos casos registrados inexiste a influência do estado puerperal e nem sempre é a própria mãe que pratica o ato), representam o que defendemos aqui como uma excludente de culpabilidade (portanto, não havendo crime), sendo o Direito Penal afastado na situação, mas não o Estado, o qual deve intervir para garantir do direito à vida do nascituro, se for o caso, inclusive,retirando dos pais o poder familiar.
Caro amigo, são só pequenas reflexões iniciais, não muito elaboradas, mas que podem servir para fomentar o debate.
Grande abraço
Alisson Monteiro

Yúdice Andrade disse...

Imagine quando estiverem elaboradas, Alisson! São ideias muito lúcidas, que precisam ser objeto de uma reflexão honesta pela sociedade de um modo geral, já que a maioria das pessoas se move com um preconceito acintoso em relação aos indígenas.
É triste ver que a política de assimilação cultural acabou por parte do Estado, mas não foi eliminada na cabeça do cidadão comum.