quinta-feira, 17 de maio de 2012

Preconceito castigado

31 de outubro de 2010. Enquanto o país reagia à eleição de Dilma Rousseff para a presidência da República, a acadêmica de Direito Mayara Petruso publicava disparates em suas páginas no Twitter e Facebook contra nordestinos, a quem culpava pelo resultado do pleito. Mas os tempos já eram outros e as palavras não foram levadas pelo vento: eternizadas na Internet, provocaram uma onda de indignação que moveu o Ministério Público rumo a uma ação penal por crime de racismo praticado em veículo de comunicação, na forma do art. 20, § 2º, da Lei n. 7.716, de 1997.

Mayara Petruso e um pouco de sua ideologia, aquela de que precisamos para viver.

Pouco mais de um ano e meio depois, veio a condenação, imposta pela 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo: 1 ano, 5 meses e 15 dias de reclusão, substituídos por multa e prestação de serviços à comunidade. Naturalmente, está aberto o prazo para a ré apelar da sentença.

Petruso não tentou negar o fato. Defendeu-se alegando que não tinha a intenção de ofender. Tese de quem já conhece um pouco dos meandros jurídicos (mas, a meu ver, a condição de estudante de Direito potencialmente aumentava a sua consciência da falta que cometia). Até posso acreditar nisso, porque uma representante-clichê da classe média paulista, que tenta espraiar seus valores diferenciados por todo o país, pode mesmo ter-se surpreendido com a repercussão de seu desabafo cidadão e pode realmente acreditar que não fez nada demais. Afinal, ela apenas sugeriu que nordestinos fossem afogados como um "favor a São Paulo". Note-se, aqui, como ela só estava preocupada com o seu entorno imediato. Bem classe média.

Aliás, a sentença (que li parcialmente porque não confiei em fazer o download, por isso também não ofereço o link) esclarece que, como defesa, o advogado alegou que a moça era "inexperiente, imatura, ingênua e infantil", mas não preconceituosa e que "não pode o juiz influenciar-se pelo discurso do politicamente correto". Em depoimento, a ré disse sentir vergonha e estar arrependida do que considera um erro. Pelo menos isso.

Se a tese defensória fosse aceita, amanhã mesmo eu sairia chamando qualquer um que me aborrecesse de filho da puta ou coisas do gênero, mas esclarecendo que, a despeito do tom furioso e da publicidade da ofensa, não havia em mim intenção de ofender. Seria bacana, não? Mas felizmente o Direito Penal mede a agressão a bens jurídicos por valores da sociedade e não do acusado, especificamente; até porque, se o fizesse, raramente haveria culpados.

Um aspecto que me chamou a atenção, na sentença, é que a juíza federal Mônica Aparecida Bonavina Camargo teria aplicado a pena-base abaixo do mínimo legal (a informação é da reportagem e, se verídica, contraria frontalmente a lei) alegando que a ré já foi parcialmente punida, na medida em que sofreu grave constrangimento moral, sentindo-se obrigada a abandonar a faculdade, recolher-se em casa por seis meses e, por fim, mudar de cidade, temendo represálias. A juíza aludiu a "situações extremamente difíceis e graves para uma jovem". Muito humana a magistrada. Pena que a preocupação com os danos provocados pela condenação sobre a vida dos réus não seja comum entre os magistrados, principalmente quando aqueles não são jovens da classe média paulista. [O pequeno e impertinente contestador que vive dentro de mim jamais deixaria de escrever esta última frase.]

Espero que a lição tenha sido aprendida e que, como se costuma dizer, sirva de exemplo para outros indivíduos com problemas de aceitação da alteridade.

5 comentários:

Anônimo disse...

Já foi punida por ter sofrido grave constrangimento moral? Ora ora ora.......

Entendo que tais discriminações, a exemplo de outras práticas , como a homofobia, o racismo, etc, etc, vêm do caráter da pessoa. Tais pessoas são imunes a constrangimentos , até porque não têm moral alguma.

Em Brasília, dias passados, um médico, que trabalha em área da psicanálise, praticou atos de injúria racial contra a atendente de um cinema. Chegou atrasado e furou a fila, e após cometeu o outro ilícito. Vejam bem : foram duas ações condenáveis : furar a fila e a injúria.

Acrescentaria uma terceira : a covardia, vez que todas as TVs mostraram o imbecil correndo escadas abaixo, em fuga.

A surpresa é que esse dito cujo já tem mais de 10 ocorrências registradas contra ele. E o incrível é que jamais foi condenado a cumprir um mísero dia na cadeia, e nem a pagar um mísero real.

De ser ressaltado que a pena dessa moleca irresponsável foi, na realidade, o pagamento dos R$ 500,00, vez que não cumprirá sequer um dia de pena. Trabalhos comunitários? Pura balela.

Acreditar que serviços comunitários redimem pessoas é poesia em seu mais elevado grau.

O Brasil desce velozmente a ladeira porque aqui os bandidos não têm medo das penas. Se eles soubessem que, ao roubar um celular ou praticar um furto, pegariam, p.ex, 5 anos de cadeia fechada, sem redução alguma de pena, aí sim teríamos uma diminuição da criminalidade.

O que vocês imaginam que fica fazendo um um estelionatário enquanto espera em liberdade o seu julgamento(que leva bem uns 4-5 anos para acontecer) ? Fica em caso vendo novela ou continua a praticar crimes?

Ainda que veja com bons olhos a revisão do Código Penal, creio que a Comissão não está se atendo ao mais importante, que é encontrar mecanismos que realmente consigam punir - em breve tempo - os criminosos. Mas punir com cadeia em regime fechado, e não essas "peninhas" de multas e uns trabalhinhos comunitários.

Kenneth Fleming

Yúdice Andrade disse...

Caríssimo Kenneth, não sou de minimizar as atitudes das pessoas e, por isso mesmo, detesto gente impulsiva, que faz suas merdas e depois vem pedir desculpas. Não sei desculpar; quando a raiva passa, volto a interagir com a pessoa, mas me irrito ainda mais se me pede desculpas. Preciso me tratar disso, provavelmente.
Acredito que a protagonista desta história possa ter agido por impulso e se arrependido, mas sem dúvida que sua ação externaliza o que ela é. Aliás, justamente por ser um impulso, acredito que é mais fácil demonstrar a personalidade do indivíduo. Quem não é mal não comete uma maldade por impulso: precisa deliberar a respeito.
Por outro lado, acredito na prestação de serviços à comunidade como uma das medidas de maior potencial ressocializador, o que por sinal já me foi confirmado na própria vara de execução penal. Naturalmente, não serve para todos os delitos, mas acho suficiente para este. Até porque concordo com a juíza quando desvia de uma sanção maior para não estragar uma vida que pode ser recuperada. Precisamos ter um pouco de fé nisso.
Por outro lado, minha incredulidade recai justamente sobre as penas elevadas, exemplares, e notadamente sobre algo tão artificial como a prisão. Podemos continuar a conversar sobre isso, porque o tema é o pano de fundo de minha vida profissional e, a todo momento, reaparece aqui no blog.
Abraço.

Anônimo disse...

É um tema palpitante e bastante controverso. Incluamos nele o percentual de reincidentes em crimes, para discussões futuras.

Abs

Kenneth

Anônimo disse...

Embora sabendo que a minha opinião diverge radicalmente da sua, gostaria de expressá-la: Eu acho uma vergonha viver num país em que esse tipo de coisa é objeto de ação penal. Para mim, é simples exercício da liberdade de expressão. Ela disse que os nordestinos são burros e vagabundos? Disse, da mesma maneira que dizemos que os americanos são obesos e alienados ou que os franceses são fedorentos e metidos a besta. Há nisso dano às pessoas? Claro que não. Ela disse que seria um favor matar um nordestino afogado? Disse, assim como há quem diga que o mundo seria melhor se caísse uma bomba na Casa Branca ou se alguém desse um tiro no Justin Bieber. Há nisso estímulo ao crime? Claro que não! Ela apenas expressou, em termos fortes e violentos, sua indignação com a vitória de uma candidata que ela pensa ser visivelmente ruim e prejudicial para o país (ou pelo menos para SP). Precisamos ter uma consideração sobre essas questões que: a) maximize os espaços de liberdade, restringindo bastante os conceitos de dano, ofensa e risco, para não se criar uma ditadura das vulnerabilidades morais ou do politicamente correto; b) permita que julguemos o direito de alguém dizer algo independentemente do quanto concordamos ou não com o que foi dito e do quanto este "algo" nos aborrece ou enfurece.

Só queria deixar registrada a posição. Abraço!

Yúdice Andrade disse...

Reincidência é um dos aspectos que pesam muito nessas discussões, Kenneth.

André, talvez as nossas posições sejam menos divergentes do que pensas. Provavelmente estás considerando o fato de eu mencionar que faço questão de punição sobre as faltas cometidas. Mas isso não significa punição penal especificamente. Afinal, sou favorável a uma significativa redução do âmbito de incidência do Direito Penal, de modo que questiono muito a necessidade de certos tipos penais.
Tome meu texto, portanto, como partindo da premissa de que tais condutas são incriminadas, então nessa perspectiva a sentença ora comentada seria correta. As questões que trazes são mais profundas do que isso, como de praxe. Abraço.