quarta-feira, 8 de maio de 2013

Uma pessoa banal

Ontem, uma aluna que se declarou "revoltada" com o caso do estupro ocorrido num ônibus, no Rio de Janeiro, há alguns dias, informou-me que o delinquente era um adolescente. Queria saber se havia alguma "brecha" para que o mesmo respondesse como adulto e não nos termos da legislação tutelar. Obviamente, não existe brecha alguma e a pergunta em si era inoportuna, considerando que a imputabilidade penal aos 18 anos, prevista no art. 27 do Código Penal de 1940, foi posteriormente consagrada no art. 228 da Constituição de 1988.

Ao ser informado de que o agressor era um adolescente (tem 16 anos), uma coisa fez sentido para mim. É que escutei algumas pessoas manifestando surpresa ante o fato de alguém cometer um estupro à luz do dia, no espaço limitado de um ônibus, na presença de várias pessoas. Realmente, parece algo extravagante demais. E aí tudo faz sentido: é extravagante porque se trata de um adolescente. A adolescência é uma época transgressora, na qual os indivíduos sentem prazer em quebrar regras, em afrontar a família, a sociedade; gostam de mostrar poder. Quanto essa antissociabilidade natural se soma a elementos ainda mais desfavoráveis, tais como desagregação familiar, histórico de abandono ou abusos e consumo de drogas, lícitas ou ilícitas, está completa a receita do criminoso. Se ele surgirá ou não, ignoramos. Mas as condições são propícias.

Essa característica da adolescência foi considerada pelo legislador brasileiro ao tempo de elaboração do Código Penal. No item 23 da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal (1984), o então Ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel afirmou:

Manteve o Projeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 (dezoito) anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de Política Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta menor número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente antissocial na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinquente, menor de 18 (dezoito) anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinquente adulto, expondo-o à contaminação carcerária.

Passados quase 29 anos, as lúcidas palavras do ministro foram esquecidas. O curioso é que, nesse meio tempo, as ciências psicológicas avançaram muito e vários comportamentos aversivos outrora considerados como desvios de caráter hoje são compreendidos como transtornos mentais ou comportamentais, com direito a classificação internacional e a descrição de características patognomônicas. Mas esses avanços, aparentemente, só alcançam os que dispõem de recursos para conseguir laudos particulares.

O delegado de polícia que investiga o caso ratificou esse pensamento, sem saber e provavelmente sem querer. Ele se referiu ao agressor nestes termos: "Ele é banal, não tem preocupação nenhuma com a consequência dos atos que praticou."

Minha aluna indignada foi a expressão do que é a sociedade brasileira. Espumava de raiva, em vez de pensar racionalmente; reagia a um evento, em vez de pensar dos efeitos de uma medida legal ao longo do tempo. E até distorceu as minhas palavras: quando falei que o que nos revolta não é a idade do criminoso, mas a violência em si, ela entendeu que eu dissera que aquele estupro fora "só mais uma violência", como se eu não desse importância.

Engana-se quem pensa, contudo, que existe alguma novidade nessa conversa. O tema da redução da maioridade penal é um debate antigo e acalorado, que volta e meia retorna à cena. Está em evidência agora em 2013, com diversos agentes tentando fomentá-lo no velho estilo, para levar a sociedade a cobrar da classe política uma mudança na lei. E a molecada tem contribuído bastante para essa causa, tanto que já mencionei, aqui no blog, minha percepção de que a maioridade penal vai acabar caindo, mesmo. Creio ser uma questão de tempo.

O triste é que uma mudança seja feita sem nenhum bom senso, sem reflexão, sem nada além de raiva. Mas é assim que caminha o Brasil, pelo visto.

5 comentários:

Anônimo disse...

Professor, estaria a sociedade( personificada na aluna "espumante") errada em se revoltar com este tipo de situação? O que é sugerido então, como forma de punição aos menores que cometem este tipo de crime? Tratar este rapaz como um menor irresponsável que não sabia o que estava fazendo me parece simplesmente errado. A certeza de impunidade ( ou a "leveza") certamente o levou a cometer este crime e ainda debochar da vítima, quando esta o reconheceu na delegacia.

Anônimo disse...

Já que esta turma acha que reduzindo a imputabilidade penal irá restringir a ocorrência de crimes, faço a seguinte proposta casada: reduz a imputabilidade e libera o aborto até 12 semanas. Justificativa: Muitos adolescentes envolvidos em atos infracionais não receberam afeto, atenção e cuidados necessários para o seu desenvolvimento sadio. Muitos, sequer foram desejados. Daí, que se é pra acabar a vida deles aos 16 anos, é muito mais coerente a mãe acabar com o problema pela raiz.

Yúdice Andrade disse...

Das 11h57:
1. Não acho que seja errada a revolta diante da violência. Eu me revolto, também. Trata-se de um impulso natural do ser humano. Seria estranho negar essa inclinação. O que eu defendo, entretanto, é que a revolta não pode ser critério para a elaboração do direito penal ou de políticas criminais.
2. O modo de responder a esse tipo de situação é algo que tem provocado intensos debates. As propostas são muitas, algumas das quais o cidadão comum, leigo, nem imagina. Há quem proponha, p. ex., um "direito de intervenção", que permitiria um meio termo entre as medidas socioeducativas e as penas criminais. É uma proposta curiosa, que merece atenção.
3. O meu ponto é justamente esse: debater a sério a questão.

Entendo a sua provocação, das 12h29. Ela é bem ferina, mesmo. E merece ser. Porque é uma forma de chamar a atenção das pessoas para as diversas implicações das medidas que se quer implementar.
Já que é para chutar o balde, chutemo-lo. Quando for o momento, mencionarei sua proposta em sala de aula.

Anônimo disse...

Olha lá que bacana: graças à decisão da progressão de regime da lei dos crimes hediondos, mesmo se comedor aí do ônibus fosse maior, ia passar só 1/6 da pena no xadrez vagabundando e depois ia voltar a ativa. Menor ou maior, não sei se ainda faz muita diferença numa sociedade em que o Judiciário é o maior conivente com passar a mão na cabeça de criminoso e afirmar que, independente do crime, 1/6, até menos talvez, seja o tempo ideal a ficar preso. Parabéns aos que escreveram teses subsidiando isso, publicaram artigos festejando a decisão, e ao Judiciário como um todo.

Yúdice Andrade disse...

Bacana é se informar melhor, das 14h45: a progressão de regime, nos casos de crimes hediondos, ocorre com 2/5 da pena e não com 1/6. Nada, nada, já é uma diferença.
Quanto às teorias, há uma razão para que elas existam. E é inevitável que elas existam.
Quanto ao judiciário, não me parece que possa ser considerado um vilão nessa matéria, que é bastante legislada.