quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Um aspecto até óbvio e bastante delicado

Há dois dias, escrevi uma postagem sobre o filme Julgamento de Nuremberg, de 1961. Não destaquei isso em meu texto, mas uma faceta muito importante para o desenvolvimento do roteiro é a discussão sobre o quanto certos setores da sociedade apoiaram o regime nazista. O tema é trazido ao centro da discussão, eis que os quatro réus são juízes que, em sua defesa, alegam ter-se limitado a cumprir as leis então vigentes no país, ainda que isso envolvesse mandar esterilizar pessoas. Numa importante cena, vê-se o esforço do advogado de defesa, Hans Rolfe (Maximilian Schell), em demonstrar que a testemunha, esterilizada por ordem judicial, não sofrera tal medida como represália por se opor ao regime, e sim por ser débil mental ou filho de uma débil mental. Ou seja, perseguir adversários não pode, mas impedir a reprodução de pessoas mentalmente inferiores pode.
A cena é excelente e Montgomery Clift dá um show ao interpretar um sofrido e humilhado Rudolph Petersen, que exibe a todos uma foto da mãe e pergunta, aos gritos: "Vocês podem me dizer se ela era débil mental?!"
Outra cena, mais delicada porém até mais eloquente, mostra uma conversa entre o juiz Haywood (Spencer Tracy), presidente do tribunal, e seus dois serviçais, o casal Halbestadt (Virginia Christine e Ben Wright). Claramente temerosa da interpretação que poderia ser dada a suas palavras, a mulher se sente pressionada pelo juiz e acaba admitindo que nem tudo que Hitler fez foi ruim. Cita a estrada, que gerou muitos empregos. Mas faz questão de destacar que ela e o marido são gente simples, que não sabia do que se passava nos campos de concentração e que jamais aprovaria tais atrocidades. Enquanto ela fala, o marido fica visivelmente amedrontado.
O medo do casal Halbestadt expressa um sentimento que ainda não morreu. E sugere o reconhecimento de um fato que, a esta altura, já é óbvio: Hitler não chegaria onde chegou sem o amplo apoio da sociedade alemã. Líder carismático e populista, lutou contra a fome e a humilhação do povo alemão e lhes prometeu um futuro glorioso, tendo dado alguns passos concretos nesse rumo. Como poderia o alemão comum não o apoiar?
Esse é o foco da exposição "Hitler and the germans — Nation and crime", que será aberta amanhã em Berlim, permanecendo até 6 de fevereiro. Como tudo que envolve o nazismo e o Holocausto, a polêmica está fervendo. A comprovar que as feridas permanecem abertas, os responsáveis pela mostra são acusados de não criticar explicitamente a política do Führer. Ou seja, só se pode tocar no assunto se ficar claro, desde logo, que somos frontalmente contrários ao nazismo. Em vez disso, os curadores insistem que não pretendem ofender ninguém, mas apenas favorecer uma reflexão sobre o comportamento da sociedade à época e que, como organizadores, mantiveram um "distanciamento crítico". Tal atitude, por sinal, bastante correta.
O fato é que existe o medo de grupos neonazistas transformarem a exposição em centro de peregrinação e culto a Hitler e ao nazismo. Engraçado os curadores lembrarem que neonazistas não constituem público de museus. Verdade, não é o nível deles. Mas se houver um pretexto... Quem disse que a intenção seria refletir sobre alguma coisa?

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