A ótima crítica de Pablo Villaça destaca alguns aspectos que pensei enquanto via a obra, o que reforça meus sentimentos a respeito. Mas, como toda crítica, em alguns momentos ela se torna pernóstica e inacessível aos supostos destinatários ― nós, leitores comuns. Veja-se o absurdo excerto "os montadores Joel Cox e Gary Roach usam os constantes fades não como transições preguiçosas (erro de tantos profissionais), mas como forma de introduzir elipses em momentos nos quais o filme parece prestes a se entregar a ações formulaicas e que o espectador é capaz de imaginar sozinho". Mas o que importa é o filme.
Levantei uma sobrancelha pela primeira vez no instante em que a projeção começou e revelou o título: em português, "prisioneiros". O sentido é completamente diferentes de "os suspeitos" e retira todo o simbolismo que os autores pretenderam imprimir. Afinal, o título é a primeira e mais sucinta síntese de uma obra, certo? Mesmo sem saber, ainda, o significado de "prisioneiros", já percebi que os débeis mentais que definiram o título no Brasil conseguiram adicionar mais um item na imensa lista de deturpações homéricas que essa cambada já perpetrou.
A segunda coisa que percebi foi a fotografia. Disse a mim mesmo que teria dificuldades em viver num local sempre tão escuro, cinzento e morto. Tudo bem, era inverno e isso se torna uma contingência climática com data para acabar. Mas sabemos que, em um bom filme, nada é por acaso. A fotografia é a metáfora mais comum para o estado de espírito dos personagens. A crítica chamou a minha atenção para a cor das roupas dos personagens (escuras), o que eu não percebera sozinho, incomodado que estava com os planos abertos.
A trama de Prisoners (recuso-me a usar o título imbecil dado no Brasil) é dramaticamente simples e dolorosa: duas meninas desaparecem enquanto seus pais, vizinhos, celebram um feriado importante (no caso, o Dia de Ação de Graças). Um suspeito é logo encontrado, mas a polícia precisa soltá-lo, por falta de provas e porque o sujeito tem baixo nível cognitivo. Convencido de sua culpa, entretanto, o pai de uma das meninas, Keller Dover (Jackman) decide sequestrá-lo e torturá-lo para descobrir a verdade. Medidas extremas e urgentes.
Digo, em favor do protagonista, que ele somente sequestrou o suspeito depois de vê-lo maltratar um cachorro e de escutá-lo cantar a canção que as crianças perdidas entoaram pouco antes de sumir. Houve um gatilho, digamos assim. Mas suas ações são comandadas por uma convicção altamente subjetiva, que não teria como ser compartilhada. É fácil considerá-lo irracional.
A terceira particularidade que me chamou a atenção foi a duração do filme: 2h33, mais longo que a média. E quando começamos a assistir e vemos o ritmo lento do roteiro, perguntamo-nos o que estarão pretendendo ao contar a história daquela forma. O público mediano, limitado e imediatista, pode achar o filme ruim por ser arrastado. Ele não é arrastado, e sim meticuloso. A equipe quer deixar o público imerso naquela angústia, naquele sentimento de impotência, além de fornecer elementos suficientes para compreender a evolução emocional dos personagens. Ou seja, mesmo sendo um filme de Hollywood, deixa de fazer concessões ao esquemão comercial e se permite investir em um roteiro emocionalmente complexo.
Inevitável é você se perguntar se o protagonista agiu corretamente e, em especial, se você faria o mesmo. Minha opinião é que muita gente ia querer fazer o mesmo, mas poucos teriam coragem para tanto. Na cena em que o suspeito aparece com o rosto desfigurado após as sessões de espancamento, a plateia reagiu com um murmúrio de espanto. Ninguém gosta de ver coisas assim. Ninguém que mereça ser chamado de humano, pelo menos. E eu pensei, na hora: ninguém merece ser tratado dessa forma. Note que não fiz exclusões.
"Não você! Eu!" |
O roteiro pode pecar ao recorrer ao velho padrão hollywoodiano de, na última parte, dedicar-se a explicar toda a trama, para que espectadores menos inteligentes consigam entender tudo. Acho que não chega a ser professoral, mas realmente não fica nenhuma ponta solta. Não considerei um defeito; classifico o filme como excelente, sem essa ressalva. E se as sequências finais apelam para um pouco de ação (o público comum precisa ser acalmado), a última cena nos deixa com a pergunta na boca: "Como assim?!" Não sabemos exatamente como a coisa termina, mas essa dúvida também é cativante. Pensar nas hipóteses deixa tudo mais rico.
Vale muito a pena ver este filme.
3 comentários:
Onde o senhor conseguiu assistir?
Luiza, havia uma única sessão às 22h15 no Cinépolis do Shopping Boulevard. Vi no sábado, portanto após a mudança da programação, que ocorre às sextas. Como não era uma sessão especial,imagino que ela perdurou e deve estar ocorrendo até amanhã. Mas é triste pensar que um filme assim só pode ser visto em uma única sala e em um único horário, por sinal péssimo para quem não tem carro.
Mas "Thor" está passando em trocentas salas. Claro, é pipocão. Este é o nosso mundo.
É uma pena mesma. Sinto saudades da época dos cinemas na rua. Hoje em dia ir ao cinema é quase um sofrimento nos shoppings sempre lotados. Nessas horas sinto falta de Belo-Horizonte, onde passeando pela rua encontro cinemas pequenos, simples mas super charmosos. E o melhor com filmes excelentes, fora do grande circuito. Mas obrigada pela dica! vou tentar alugar o dvd.
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