quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A pena de multa a partir de duas notícias

A moça que aparece na foto de Valter Campanato (ABr), aí ao lado, é Miruna Genoíno, professora e filha do ex-deputado José Genoíno. Ontem, ela ratificou algo que vem sendo afirmado pela família do político petista desde que ele foi condenado na Ação Penal 470, do Supremo Tribunal Federal: o apenado não possui patrimônio para suportar a condenação no valor de 468 mil reais.

Em novembro passado, um servidor público (provavelmente ligado ao PT) criou um site para arrecadar doações e, em conjunto com o diretório paulista do partido, tem feito esforços para obter doações, que estariam em apenas 31 mil reais por enquanto.

Talvez haja mérito no empenho de Genoíno e de seus familiares em cumprir a condenação que consideram injusta e baseada em motivação política. Pagar a multa representaria uma espécie de sacrifício que um inocente suportou, para cumprir as determinações de um judiciário falho e, com isso, mostrar que respeita as leis e as instituições de seu país, mesmo quando massacrado por elas. Decerto que o PT está de olho nessa carga ideológica.

Contudo, este penalista gostaria de lembrar que a consequência prática do não pagamento de uma multa penal, por justo motivo, o que inclui a hipossuficiência, é... nenhuma. Aliás, é princípio reitor de toda e qualquer execução que a cobrança de dívida não pode reduzir uma pessoa à indigência. Os cobradores de impostos da Idade Média já se tornaram notícia histórica faz tempo. Com o direito penal não é diferente. Por conseguinte, a preocupação declarada dos Genoíno, quanto ao medo de perderem a casa onde vivem, é infundada. Se houvesse mais de um imóvel, ele poderia ser atingido pela execução. Mas a casa da família é protegida por lei. Que me conste, a impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 1º da Lei n. 8.009, de 29.3.1990(*), continua vigente.

Vale lembrar, ainda, que com a Lei n. 9.268, de 1996, acabou com a possibilidade de converter a multa inadimplida em prisão, mesmo que a omissão não fosse por justo motivo (alteração do art. 51 do Código Penal). A consequência é que a multa deverá ser executada de acordo com as regras aplicáveis aos interesses da Fazenda Pública.

(*)Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

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Esse curioso crowdfunding (financiamento coletivo) em caso de condenação criminal teria por beneficiário, também, o ainda deputado João Paulo Cunha. O assunto já vinha circulando pelas redes sociais e, claro, disparando reações furiosas por parte dos fiscais da moralidade alheia.

O caso acaba por desvelar uma característica problemática das sanções pecuniárias, que é a sua impessoalidade na prática. Embora a pena criminal seja, por definição, personalíssima, por força da estigmatização inerente a uma condenação criminal, é impossível estabelecer mecanismos de controle em relação às penas que se resolvem estritamente em pecúnia.

Compreensivelmente, para se livrar logo do problema, sem o risco de se ver surpreendido por alguma medida judicial, é mais fácil pagar a multa. E, para isso, nada obsta que o condenado peça socorro a parentes e amigos. Diria até que isso é muito provável, considerando que, no Brasil, as pessoas vivem sob o teto e o orçamento dos pais até a vida adulta; em alguns casos, constrangedoramente tarde.

O caso em apreço apenas escancarou uma realidade que já vem sendo aplicada há tempos e que explica porque há penalistas favoráveis à abolição das penas pecuniárias, de um modo geral. Para entender melhor o assunto, leia a matéria indicada no segundo link, abaixo.

Fontes: 

5 comentários:

Adrian Silva disse...

Excelente postagem, Yúdice. Abraços.

Yúdice Andrade disse...

Grato. É preciso destacar um certo exagero em certas manifestações dos condenados e seu entorno. Entende-se, claro, que é uma questão de autodefesa. Mas precisamos repor a verdade dos fatos.

Anônimo disse...

Concordo contigo, Yúdice.

Anônimo disse...

Êpa, fui eu, o Fred, concordo contigo, Yúdice.

Yúdice Andrade disse...

Grato, Fred. Como não temos envolvimento emocional, devemos nos concentrar em tratar do caso de maneira tão jurídica quanto possível.