segunda-feira, 22 de março de 2010

E o Mike do Mosqueiro, hein?

Não consigo lembrar-me como se foi alguém que me mostrou ou mandou um link , mas há algumas semanas apareceu na tela do meu computador um vídeo de um tal Mike do Mosqueiro, um sujeito com apenas dois dentes na boca (como brinca o meu irmão: um para abrir garrafa, outro para doer à noite), dedando um violão e cantando de modo ridículo uma canção qualquer, desconhecida para mim, até porque mal se podia compreender, com a má dicção do rapaz. Era o típico vídeo na linha mundo-cão, que explora o feio ou o grotesco, e leva as pessoas a rirem do que não lhes perturba as vidas. Uma forma contemporânea de menosprezar pessoas em situação de fragilidade social, como no passado se fazia nos circos de horrores. Hoje, os circos e os horrores estão em qualquer canto, desde que haja um computador e acesso à Internet. E o cara virou hit do YouTube, com mais de 5 milhões de acessos.

Chamou-me a atenção o nome do sujeito, por isso não prestei atenção nele, mas no entorno, para saber se o Mosqueiro mencionado era mesmo a nossa ilha. E era.

O tempo passou e o rapaz sumiu de minha lembrança até ontem, quando deparei com ele no Domingão do Faustão, programa que minha mãe me empurra goela abaixo, se estou em sua casa na hora. Soube, então, que Mike participara do programa na semana anterior, no quadro "Se vira nos 30", disputando um prêmio de 15 mil reais. Não ganhou, mas teria conquistado o público com sua simpatia. A produção do programa decidiu chamá-lo de volta, para lhe dar 20 mil reais a troco de nada, pois o "desafio" proposto foi meramente fictício.

Conheço pessoas que detestam programas que exploram as necessidades alheias para ganhar audiência. Provavelmente, é o caso de ontem. Eu, porém, que já abdiquei de boa parte de meus antigos rigores, encaro a situação por outra ótica: Mike é um sujeito que vive miseravelmente e teve a sorte de cair nas graças da mídia oportunista e receber 20 mil reais (mais do que o prêmio perdido uma semana antes), dinheiro honesto, que pode ajudá-lo a, pelo menos, comprar um fogão.
Depois de ontem, comecei a ver Mike do Mosqueiro com outros olhos. Não consigo mais ver sua boca banguela e seu jeito tosco de cantar. Vejo apenas sua pobreza e sua necessidade e, como costuma ocorrer nesses casos, surge uma empatia que não se coaduna com deboches. Disseram-me que Mike Pereira da Silva não sabia sequer a sua idade e foi submetido a perícia para verificação da idade esquelética, que estimou a sua em 38 anos. Sua carteira de identidade foi tirada para que ele pudesse viajar.

Minha maior preocupação, agora, é que alguém auxilie esse rapaz a utilizar o dinheiro recebido, para que ninguém o roube ou se aproveite de sua manifesta ignorância. E para que o próprio Mike não se prejudique através de gastos inconsequentes. Afinal de contas, para pessoas como ele, os holofotes da mídia se apagam em questão de minutos, para nunca mais. Quando os 20 mil acabarem, acabou. O que Mike puder ter melhorado de sua vida nesse período é o que ele terá. Afinal, ninguém espera que ele inicie uma carreira artística, certo?

No mais, quem se deu bem nessa história foi Viviane Batidão, que entrou toda risonha e fofinha no palco do Faustão e foi tratada por ele como famosa, bem sucedida, com seus 28 shows mensais. Claro, defendeu o tal de technomelody como a mais pura expressão cultural do nosso Estado. De cada cinco palavras que ela falava, uma era "Pará" ou "paraense", a velha mania do povo daqui quando consegue um microfone de alcance nacional. Uma necessidade desesperada por autoafirmação. Isso me irrita tanto... Mas pelo menos a moça é bastante articulada, bem falante, e não nos envergonhou. Exceto pela música, claro.

Para ver o vídeo com a segunda incursão de Mike do Mosqueiro no Domingão do Faustão, clique aqui.

4 comentários:

Anônimo disse...

Bem Yúdice,

como aqui no Pará se confunde comércio e politicagem com cultura, resta agora transformar o technomelody em símbolo da "cultura" paraense, tal como as aparelhagens e o bloco de enlameados de curuça. O grande problema é que a se seguir os mesmos critérios, precisaremos transformar o desmatamento, a grilagem de terra, o analfabetismo e IDH revoltante na mesma coisa. Afinal de contas, como se dizia antigamente, é Pará isso...Eu acho então que sou um plutoniano.

Roberto.

Ana Miranda disse...

É a foto ou o Faustão encolheu???
Faz séculos que não ovejo...

Yúdice Andrade disse...

Roberto, a criação dessas "culturas" é o que esse povo - os artistas de ocasião e a mídia - tentam fazer o tempo inteiro. Ao contrário do que ocorre na Bahia, onde a obsessão é criar uma novidade todo ano (embora a novidade seja igualzinha às dos anos anteriores), aqui a obsessão é nos convencer de que os modismos, as meras variações do que já existe e as cópias são movimentos culturais arraigados na alma de todos os paraenses.
Fala sério...

O Faustão fez redução de estômago, Ana.

Tanto disse...

Rapaz, o Mike ficou famoso. Sabes que a gente encontrava ele direto em Mosqueiro, tocando nas barracas a troco de dois reais, qualquer coisa. Pena que essa fama não deve durar e ele, ignorante, vai viver sem entender como pôde ter sido tão famoso e, em seguida, esquecido.