quarta-feira, 17 de março de 2010

Voto dos presos provisórios

Conversei hoje cedo com o Des. João Maroja, presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Pará. Ele me falou sobre a Resolução n. 23.219, do Tribunal Superior Eleitoral, que tem tirado o sono de quem precisa organizar as eleições do próximo mês de outubro. Ela "dispõe sobre a instalação de seções eleitorais especiais em estabelecimentos penais e em unidades de internação de adolescentes".
A Constituição de 1988 prevê a suspensão dos direitos políticos em caso de "condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos" (art. 15, III). Não há nenhuma restrição no que tange a presos provisórios. Quando estes não votam porque impedidos pelo Estado, compromete-se a democracia representativa.
Em que pese a iniciativa ser louvável, não levou em consideração os gravíssimos problemas de infraestrutura, logística, custos e, principalmente, segurança que ela envolve. Segundo se depreende da resolução, o ideal seria que houvesse uma seção eleitoral especial em casa casa penal e em cada instituição de internação de adolescentes, o que exige investimentos humanos e materiais extraordinários. Se em algumas dessas casas não houver a seção, precisaremos contar com o transporte dos presos, o que trará as mesmas implicações.
A resolução desconsidera, ainda, a carência de agentes de segurança pública. O desembargador informou que, em todas as eleições, além das forças policiais, são requisitados também militares das Forças Armadas e, mesmo assim, o contingente é insuficiente. Fácil perceber que não há pessoal para suportar as exigências peculiares de segurança que a nova medida impõe, principalmente em regiões onde haja problemas de crime organizado.
Outro aspecto que restou desconsiderado pela resolução é que se o número de presos provisórios é um grande problema, a rotatividade torna tudo pior. Todos os dias pessoas são presas e soltas, de modo que não se pode montar um cadastro seguro de eleitores especiais. A Justiça Eleitoral trabalha com eleitores que estejam com a situação regularizada até 5 de maio. Quem tiver pendências após essa data não votará no pleito deste ano. Portanto, como montar o cadastro dos presos provisórios, se eles mudam o tempo inteiro?
Finalmente, o desembargador informou que já houve uma tentativa, aqui no Pará, de assegurar o voto dos presos provisórios, salvo engano nas eleições de 2006. A experiência serviu para mostrar que os próprios presos têm altíssima resistência em participar. Eles temem a estigmatização de comparecer a uma seção destinada especificamente a presidiários, pois acreditam que o fato lhes "sujará a ficha", seja lá o que isso signifique. Daí resulta que a experiência rendeu apenas 2% de comparecimento às urnas e abriu uma importante questão: de que adianta realizar um esforço hercúleo desses para, ao final, ele não atingir as finalidades a que se destina?
Os presidentes dos tribunais regionais eleitorais se reunirão nos próximos dias para discutir a resolução sob comento. Estão apreensivos, principalmente o de São Paulo, que conta com mais de 100 mil presos provisórios. No Pará, são cerca de 7 mil.

Uma observação final. Muitos estudiosos do sistema de justiça criminal afirmam que uma das razões pelas quais o mesmo é tão desumano é que a classe política não se preocupa com uma clientela que não vota. Por isso, na hora de prometer mundos e fundos, essas pessoas são sumariamente ignoradas principalmente porque massacrá-las dá audiência. O voto dos presos provisórios poderia, finalmente, acender uma luz sobre esse segmento social e, quem sabe, sinalizar demandas tradicionalmente ignoradas, mas que precisam ser enfrentadas. Contudo, os próprios interessados não colaboram. Aqui se vê, uma vez mais, a falta que faz a educação.

3 comentários:

Ana Miranda disse...

E como dói aos nossos ouvidos (olhos, aqui no caso) ouvir (ler) isso:
"Muitos estudiosos do sistema de justiça criminal afirmam que uma das razões pelas quais o mesmo é tão desumano é que a classe política não se preocupa com uma clientela que não vota. Por isso, na hora de prometer mundos e fundos, essas pessoas são sumariamente ignoradas - principalmente porque massacrá-las dá audiência."
Eu adoraria, juuuuuuuuuuro, de voltar a acreditar em político, em ter um candidato em quem confiar.

Yúdice Andrade disse...

Hoje em dia, Ana, o meu voto é utilitarista: não voto em quem confio, mas em quem pode atender a alguma finalidade específica. Votei na atual governadora Ana Júlia, p. ex., para eliminar o PSDB do governo. Votaria em qualquer um para obter esse resultado. Do mesmo modo, se em 2002 eu não gostasse do Lula, teria votado nele do mesmo jeito, para eliminar o PSDB do governo federal.
A exceção fica por conta dos vereadores. Voto em candidatos que me pareçam honestos e que tenham atuação pessoal ou profissional em alguma área socialmente relevante.

Ana Miranda disse...

Eh...eh...eh...
Eu adoraria olhar um político e vê-lo como uma pessoa honesta...
A-do-ra-ri-a!!!
Quem sabe, um dia, eu tenha essa sensação que você tem?
Aí, eu também teria o voto utilitarista. Quem sabe???